segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Minas de Encruzilhada: uma história esquecida?

Poucos encruzilhadenses sabem, mas nosso município já teve importância de nível mundial em mineração e metalurgia. O Brasil foi o primeiro país da América do Sul a produzir e exportar minério de tungstênio em escala comercial. Essa exploração aconteceu em Encruzilhada do Sul, entre os anos de 1890 e 1914, nas minas da Sanga Negra e Cerro da Árvore (Mina Velha), por uma empresa alemã que enviava para a Europa cerca de 3 toneladas de concentrado de minério por mês. O tungstênio, fundido com o ferro, forma a liga de aço mais resistente ao calor que existe: o aço tungstênico. Ao chegar na Alemanha, o tungstênio encruzilhadense era processado pela empresa Krupp, maior fabricante de armas daquela época. A Krupp fabricava metralhadoras, canhões, tanques, e até submarinos. Com o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, a mina de Encruzilhada perdeu o contato com sua matriz europeia e foi abandonada.

Anos mais tarde, já na década de 1940, a mina da Sanga Negra foi reativada por iniciativa da Companhia Nacional de Mineração e Força, com sede em São Paulo, com aval do então presidente Getúlio Vargas. Além do tungstênio, essa empresa passou a explorar também a cassiterita (estanho), que era minério abundante nas aluviões (sangas) da região. Outras minas do município entraram em grande atividade nesta época, como as do Tabuleiro, Campinas e Seival, entre outras. Estávamos em plena Segunda Guerra Mundial e o tungstênio e o estanho eram considerados metais estratégicos para os Estados Unidos, que não conseguiam trazê-los de seu maior fornecedor estrangeiro, a Malásia. Havia, portanto, uma grande expectativa do Brasil com relação à exportação desses minérios. Na Mina da Sanga Negra foi construída uma suntuosa usina (foto), bem como uma pequena vila, com igreja, escola, hospital, além de dezenas de casas de moradia, para atender todos os seus trabalhadores. Entretanto, com o fim da Segunda Guerra, em 1945, houve queda expressiva no preço internacional dos minérios, que culminou com a falência da mina, no início da década de 1950. Desde então, só permaneceram alguns trabalhos em pequena escala, na forma de garimpo, tendo todos eles cessado em definitivo no final da década de 1980.

O atual proprietário da Sanga Negra, Dr. Roberto Trindade, está trabalhando desde o ano de 2001 num projeto de resgate da história da mineração em Encruzilhada do Sul. De lá para cá, já percorreu as bibliotecas das principais universidades brasileiras e órgãos governamentais, em busca de informações. “É lamentável a falta de interesse do brasileiro por sua própria história”, afirma. Em consulta ao Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia, foi informado que todos os documentos relativos àquela época foram incinerados. Por outro lado, o pesquisador diz que encontrou diversas referências bibliográficas sobre as minas de Encruzilhada nas bibliotecas universitárias, especialmente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Segundo ele, “existem muitos registros acadêmicos sobre as minas, mas a maioria trata de aspectos geológicos da região, falando muito pouco sobre a história da mineração. Além disso, a maioria dos trabalhos foi realizada antes da década de 1940, e pouco ou nada se fala sobre o que aconteceu depois”.

Apesar das dificuldades na pesquisa, Roberto afirma já ter dados suficientes para elaborar um “esboço histórico” da mineração no nosso município e pretende, a partir do ano que vem, abrir a Mina da Sanga Negra para visitação pública (por enquanto, somente alunos da UFRGS e Unisinos têm acesso ao local). Ele também está montando, na propriedade, um pequeno museu com fotos, documentos e objetos da época.

Entre as ruínas que restaram do grande ciclo mineiro da década de 1940, destacam-se algumas obras que permanecem preservadas até hoje. A principal delas é a grande chaminé da Sanga Negra, visível de longe por quem passa pelas estradas do Pinheiro e do Marinheiro. Situada entre o Cerro Comprido e o Arroio das Pedras, a chaminé é muitas vezes confundida com uma velha olaria. Por outro lado, quem sabe da existência da antiga mina acaba por imaginá-la como pertencente a um grande forno de fundição que eventualmente tenha existido ali. Entretanto, nenhuma dessas hipóteses está correta.

A velha chaminé é, na verdade, o que restou de uma grande usina termoelétrica que foi ali instalada em 1942. Equipada com quatro caldeiras e uma enorme turbina de 250HP, a usina fornecia energia para o funcionamento do pesado maquinário para beneficiamento do minério, bem como luz elétrica para toda a vila mineira e suas dezenas de casas. Funcionando como uma gigante “locomóvel”, produzia energia elétrica através do calor, com uso de lenha e água. O vapor resultante, após movimentar a turbina, era dispensado na atmosfera através da chaminé. Tinha capacidade de produção de 600KW até 2.000KW e consumia, em baixa rotação, 2 metros cúbicos de lenha por hora. Embora sua produção fosse dedicada exclusivamente à mina, a usina poderia ter fornecido energia elétrica para toda a cidade de Encruzilhada àquela época.

Antes de ser adquirida e instalada na mina pela Companhia Nacional de Mineração e Força, em 1942, esse grupo gerador funcionava na cidade Rio Grande onde era responsável pelo fornecimento de energia elétrica daquele município até o ano 1934, quando foi substituído por equipamentos maiores. Com o fechamento da mina de Encruzilhada, já no fim da década de 1940, todo o maquinário da usina - com exceção da chaminé, obviamente - foi vendido ao município de Venâncio Aires, onde passou a produzir toda energia elétrica daquela cidade nas décadas seguintes.

Fonte do Texto e imagens antigas: Jornal do Sudeste de Encruzilhada do Sul – Texto copiado igual a publicação na rede social Facebook, em junho de 2019. Texto de autoria do advogado Roberto Trindade. O autor é natural de Porto Alegre, advogado formado pela PUC-RS, pós-graduado (MBA) em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em Relações Internacionais pela Columbia University, de Nova York. É também produtor rural em Encruzilhada do Sul (Fazenda Sanga Negra) e, nas horas vagas, atua como comandante de veleiros oceânicos no litoral brasileiro e no exterior.

https://www.facebook.com/jornaldosudestecomunicacoes/posts/jornaldosudeste-js66anos-170anosdeencruzilhadadosul-encruzilhadadosul-especialjo/2840784739282003/

Fonte das imagens atuais da localidade: do autor e de ciclista da Associação de Ciclismo Pedal Livre de Encruzilhada do Sul – Setembro de 2025.








1° Foto: Visita à Usina em 1945
2° Foto: Vila da Sanga Negra em 1944
3° Foto: Trabalhadores da SN em 1943
4° Foto: Cerimônia cívica em frente à capela (1944)
5° Foto: Usina termoelétrica da Sanga Negra em 1943
























Imagens produzidas pelos Ciclistas da Associação de Ciclismo Pedal Livre e pelo fotógrafo Rafael Silveira, durante visita ao local - Setembro 2025.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Egito revela vestígios de cidade submersa com mais de 2 mil anos

O Egito apresentou, nesta quinta-feira (21), vestígios de uma cidade submersa em frente à costa de Alexandria, que incluem edifícios, tumbas, tanques para peixes e um cais, todos com mais de 2 mil anos.

Segundo as autoridades, o sítio, localizado na baía de Abu Qir, pode corresponder a uma extensão da antiga cidade de Canopo, importante centro da dinastia ptolemaica - que governou o Egito por quase três séculos - e, posteriormente, do Império Romano, que permaneceu ali por aproximadamente 600 anos.

Com o tempo, uma série de terremotos e o aumento do nível do mar submergiram a cidade e o porto vizinho de Heracleion.

Nesta quinta-feira, guindantes retiraram várias estátuas. "Há muitos elementos embaixo d'água, mas o que podemos recuperar é limitado; são apenas peças selecionadas de acordo com critérios rigorosos", declarou o ministro de Turismo e Antiguidades, Sherif Fathi.

"O restante permanecerá como parte integral de nosso patrimônio subaquático", acrescentou.

As descobertas incluem edifícios de pedra calcária que teriam servido como locais de culto, casas ou estruturas comerciais e artesanais.

Também foram identificados depósitos e tanques escavados na rocha, destinados tanto à aquicultura quanto ao armazenamento de água para consumo doméstico.

Entre as peças mais notáveis estão estátuas reais e esfinges anteriores ao período romano, incluindo uma parcialmente preservada de Ramsés II.

Foram encontrados, ainda, um navio mercante, âncoras de pedra e um guindaste portuário no local onde ficava um cais de 125 metros, utilizado como porto para embarcações menores durante as épocas romana e bizantina.

Ameaça atual

Sítio de grande riqueza arqueológica, Alexandria está atualmente ameaçada pelas mesmas águas que submergiram Canopo e Heracleion.

A cidade costeira afunda mais de três milímetros por ano e está entre as áreas mais vulneráveis às mudanças climáticas e ao aumento do nível do mar.

Mesmo no cenário mais otimista elaborado pela ONU, um terço de Alexandria estará submerso ou inabitável em 2050.



















Mergulhadores observam enquanto um guindaste puxa uma estátua das águas da baía de Abu Qir, em Alexandria, no dia 21 de agosto de 2025, como parte de um evento organizado pelo Ministério do Turismo e das Antiguidades para recuperar antiguidades submersas — Foto: Khaled DESOUKI / AFP


















Artefatos recuperados são exibidos na baía de Abu Qir, em Alexandria, no dia 21 de agosto de 2025, como parte de um evento organizado pelo Ministério do Turismo e das Antiguidades para recuperar antiguidades submersas. — Foto: Khaled DESOUKI / AFP

sábado, 9 de agosto de 2025

Morre aos 100 anos Carlos Lemos, arquiteto parceiro de Niemeyer na construção do Copan


Arquiteto, professor e pesquisador, Lemos foi pioneiro na preservação do patrimônio paulistano e referência na arquitetura brasileira.

A morte do reconhecido arquiteto Carlos Alberto Cerqueira Lemos, aos 100 anos, foi confirmada nesta quarta-feira (6). Com trajetória marcante na academia, prática profissional e gestão pública, ficou conhecido especialmente como o "homem de confiança" de Oscar Niemeyer em São Paulo, como coautor de projetos icônicos, como dos Edifícios Copan e Eiffel, no Centro, e da Oca, do Parque do Ibirapuera.

Foi referência na formação de diferentes gerações de arquitetos e urbanistas, os quais não raro mencionam lições do antigo mestre. Também é reconhecido pela trajetória acadêmica de quase seis décadas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), que lhe concedeu o título de professor emérito em 2022.

Parceria com Niemeyer

Lemos foi um dos principais parceiros de Oscar Niemeyer, com quem trabalhou em projetos icônicos, como o edifício Copan, cuja construção coordenou enquanto Niemeyer se dedicava à construção de Brasília. Atuou também no projeto do Parque Ibirapuera, nos anos 1950, em uma equipe que reuniu grandes nomes da arquitetura nacional.

Nos anos 1950, foi diretor do escritório de Niemeyer em São Paulo. Ao Estadão, contou como funcionava a parceria: o modernista fazia os croquis, enquanto o então jovem arquiteto paulistano fazia o projeto de execução, com base nos cálculos de concreto. Relatou também que se encontrava com o antigo parceiro quando visitava o Rio.

Em 2019, também ao Estadão, falou sobre o projeto diferenciado do Copan:

— Foi uma exceção na sua época, década de 1950, devido tanto ao seu programa de necessidades, quanto ao seu tamanho e a sua forma de 's', que resultou da sinuosidade das divisas posteriores do terreno — descreveu.

Trajetória

Nascido em São Paulo, em 1925, Lemos é uma referência intelectual sobre história da arquitetura brasileira e de São Paulo, autor de diversos livros, alguns clássicos do tema. Dentre eles, estão Dicionário da Arquitetura Brasileira, Como nasceram as cidades brasileiras, O que é patrimônio histórico e Casa Paulista.

Formou-se na primeira turma de Arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 1950, e, quatro anos depois, já começou a lecionar na USP. Como arquiteto e urbanista, é autor de dezenas de projetos, principalmente residenciais, na capital e no interior de São Paulo, incluindo o prédio do Bradesco localizado junto ao Copan.

Além disso, foi artista plástico, com obras expostas em diferentes mostras desde os anos 1940. Dentre elas, destaca-se uma exposição de 50 anos de carreira realizada na Pinacoteca, em 1995. Também participou da criação de museus importantes de São Paulo, como o Museu de Arte Sacra e o Museu da Casa Brasileira.

"Um dos maiores arquitetos brasileiros": as homenagens a Lemos

Organizações variadas prestaram homenagens a Carlos Lemos nas redes sociais. A FAU/USP lembrou a dedicação ao ensino.

"Professor titular aposentado de nossa faculdade, Carlos Lemos dedicou-se por quase 60 anos à história da arquitetura brasileira e à preservação do patrimônio cultural", destacou.

Já a seccional paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/SP) chamou Lemos de "um dos maiores arquitetos brasileiros".

"Formador de gerações inteiras de profissionais. Com seu conhecimento e erudição vastos e generosos, construiu no Brasil todo um campo", diz a nota.

Nas redes sociais, o Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), da Prefeitura de São Paulo, salientou a contribuição intelectual do arquiteto para o "reconhecimento do patrimônio cultural e para a história da arquitetura e do urbanismo brasileiros".

"Dedicou sua trajetória à valorização da arquitetura brasileira, à preservação e difusão da nossa memória urbana, e à formação qualificada de profissionais e pesquisadores", diz nota.


lém disso, ressaltou que Lemos coordenou, nos anos 1970, os primeiros inventários para a identificação e proteção de bens arquitetônicos paulistanos.


"Sua vasta obra bibliográfica segue como referência fundamental para pesquisadores, e seu conhecimento e rigor intelectual prosseguirão na atuação dos inúmeros profissionais que formou e nas instituições em que colaborou, como o DPH."

A Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) também lamentou a morte do arquiteto.

"Sua contribuição ultrapassou o projeto arquitetônico: foi também um importante agente na construção de instituições dedicadas ao patrimônio cultural. Além disso, abriu caminhos para a pesquisa acadêmica e para a produção editorial na área", destacou.

Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2025/08/morre-aos-100-anos-carlos-lemos-arquiteto-parceiro-de-niemeyer-na-construcao-do-copan-cme0jq3c9003k012xk8wu1x3h.html

Crédito das Imagens: Do Site GZH.





quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Casa Pacheco Leão, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, é entregue restaurada

Projeto incluiu soluções de acessibilidade e restauração de pinturas artísticas

Após oito anos fechada, a Casa Pacheco Leão, uma das joias do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (RJ), foi restaurada e reaberta ao público na última quinta-feira (21/11). Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como parte do conjunto arquitetônico e paisagístico do Jardim Botânico, o imóvel passou por uma intervenção detalhada, acompanhada em todas as suas etapas pela equipe técnica da autarquia. Desde os pareceres iniciais, reuniões de planejamento e vistorias, o Instituto esteve presente, assegurando que os trabalhos atendessem às diretrizes de preservação do patrimônio.

Com um investimento de R$ 2,7 milhões, financiados por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) e patrocinados por empresas privadas, o projeto reafirmou o compromisso com a preservação do patrimônio histórico. “Esta casa foi um ponto de encontro para grandes cientistas. É fascinante ver esse lugar, que preserva tantos detalhes originais, reaberto ao público. Agora, todos poderão explorar o universo de Pacheco Leão, um homem que dedicou sua vida ao estudo e à preservação da flora nacional”, avaliou a superintendente do Iphan no Rio de Janeiro, Patrícia Wanzeller.
A casa, construída em estilo eclético e marcada por seu valor histórico e arquitetônico, foi submetida a seis meses de obras, que contemplaram manutenção estrutural, recuperação de elementos decorativos e ajustes voltados à acessibilidade. Entre as principais intervenções, destacaram-se a identificação e restauração das cores originais, tanto externas quanto internas, através de prospecções estratigráficas - técnica que consiste na remoção manual das camadas de tinta para encontrar a pintura original - que revelaram detalhes como pinturas artísticas em técnica de estêncil. Localizadas no rodapé e no rodateto dos salões do primeiro e segundo andares, as pinturas haviam sido identificadas na restauração realizada em 2012, mas nunca trabalhadas com a profundidade atual.

“Artisticamente, essas obras podem ser vistas como uma forma de democratização da arte, permitindo que expressões criativas sejam acessíveis a um público mais amplo. Elas também contribuem para a valorização do patrimônio cultural, ao integrar técnicas e estilos que dialogam com a história da arte no Brasil”, analisa a restauradora do Iphan no Rio de Janeiro, Cláudia Nunes.

Para a recuperação dessas pinturas, foram removidas manualmente, com bisturis, camadas de tinta que as encobriam. As áreas perdidas foram reintegradas com técnicas de pontilhismo e máscaras de acetato, replicando os padrões originais com o uso de pigmentos naturais e verniz protetor. Este trabalho trouxe de volta a riqueza decorativa que marcou o imóvel em sua época de uso como residência e centro de convivência científica. Além disso, elementos como pisos, esquadrias e a escada original foram restaurados, mantendo-se fiéis à autenticidade da casa.

Segundo a arquiteta do Iphan no Rio de Janeiro Isabelle Cury, as soluções de acessibilidade, que incluem a instalação de um elevador e de banheiros adaptados, foram cuidadosamente pensadas. “Para a escolha do local, realizamos uma pesquisa iconográfica e escolhemos as áreas menos visíveis ao visitante, preservando a estética e o contexto histórico do imóvel”, concluiu.

Mais informações para a imprensa
Assessoria de Comunicação Iphan
Ana Carla Pereira - carla.pereira@iphan.gov.br
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Foto: SECOM/Jardim Botânico do Rio de Janeiro

domingo, 15 de setembro de 2024

Em Mostardas, árvore sob a qual Anita Garibaldi teria dado à luz seu primeiro filho sobrevive aos séculos

Localizada às margens da RSC-101, no litoral médio do Rio Grande do Sul, figueira é visitada por turistas e moradores do município, que se orgulham da história

Camila Bengo

Em meio à pressa de quem pega a RSC-101 rumo ao Sul do Estado, pode não haver tempo para as histórias. São necessárias mais de três horas para ir de Capivari do Sul a São José do Norte, onde uma balsa leva os viajantes até o porto de Rio Grande, principal destino da rodovia. Apesar da pressa de quem a percorre, a faixa de terra cercada pela Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico abriga histórias que sobreviveram ao tempo.

O percurso é atravessado por quilombos seculares, tradições açorianas que remetem aos primeiros imigrantes do Estado e rastros de episódios que marcaram a Guerra dos Farrapos, entre 1835 e 1845. Em um trecho do distrito de São Simão, em Mostardas, uma porteira na altura do quilômetro 238 da RSC-101 guarda as memórias do primeiro abrir de olhos de Domenico Menotti Garibaldi, primogênito de Giuseppe e Anita Garibaldi, que teria nascido ali em 16 de setembro de 1840, durante o confronto, aos pés de uma figueira ainda preservada. Território de uma história pouco conhecida, o local fica aberto para visitação de quem passa pela rodovia.

A árvore está localizada na propriedade da família Costa, que acolheu Anita nos dias finais da gravidez de Menotti. Em vias de dar à luz, ela já não tinha condições de seguir as tropas farroupilhas que rumavam a São José do Norte na intenção de conquistar o porto da cidade, então tomada pelas forças do Império. Foi ali, no rancho simples dos Costa, que a farrapa encontrou segurança, ainda que em meio à guerra, para trazer ao mundo o primeiro dos quatro filhos que teve com Giuseppe Garibaldi.

— Acolher a Anita foi um ato de coragem da família Costa — avalia Elma Sant'Ana, geógrafa que se dedica a pesquisar os Garibaldi há mais de três décadas. — Naquela época, o distrito de São Simão pertencia a São José do Norte (Mostardas virou município em 1963). Embora toda a região do Litoral Médio fosse simpatizante da causa farroupilha, a cidade era comandada pelo Império. Então, a partir do momento em que eles dão abrigo para Anita Garibaldi, eles se colocam em risco.

As consequências, de fato, vieram. Nove dias após o nascimento de Menotti, o rancho dos Costa foi cercado pelas tropas imperiais. Para escapar do ataque, ela teria se embretado nas matas da região com o filho nos braços, a cavalo, em cena que originou a famosa pintura Fuga de Anita Garibaldi a Cavalo, de Dakir Parreiras.

Há indícios de que a heroína tenha passado três dias escondida na mata com Menotti, conforme explica o historiador Adilcio Cadorin, fundador do Instituto Cultural Anita Garibaldi:

— Esse episódio demonstra a grande mãe que ela foi. Uma mulher determinada, que nunca abdicou dos seus ideais, mas também nunca abdicou da maternidade. Ela fica três dias na mata se alimentando de plantas e raízes para proteger o filho recém-nascido, até que é resgatada pelo Giuseppe.

Acredita-se que o líder farroupilha tenha chegado ao rancho dos Costa somente 12 dias após o nascimento de Menotti. Isso porque, antes do parto, ele rumou a Viamão no intuito de buscar roupas para o bebê que estava por vir. Foi nesse meio tempo que Anita deu à luz e o cerco ao rancho aconteceu, conforme narra Cadorin. Quando o casal finalmente se reencontrou, partiu atrás das tropas farrapas e não mais voltou ao distrito de São Simão, mas não esqueceu a solidariedade encontrada ali.

Uma carta enviada à família Costa em 1841, com a assinatura de Anita, documenta a gratidão da heroína. Naquele mesmo ano, Giuseppe abandonou o exército farroupilha e seguiu com ela para o Uruguai. Depois, Anita rumou à Itália, onde Menotti cresceu, construiu carreira como militar e político e morreu em 1903. O primogênito dos Garibaldi nunca voltou a pisar na terra onde nasceu, mas deixou rastros que ainda marcam a região.

Orgulho

O contexto do nascimento de Menotti Garibaldi é motivo de orgulho para Antonio Dias Chaves, 71 anos, descendente da família Costa. O agricultor ainda vive na propriedade onde Anita se exilou e se lembra de, na infância, ouvir a história familiar da guerrilheira farrapa que deu à luz naquelas terras.

— No colégio, não falavam nada disso, mas meu avô, meu pai e meus tios sempre falaram dessa guerrilheira que teve o filho na sombra da figueira dos Costa. Depois é que fui entender que a guerrilheira era a Anita Garibaldi — conta o descendente. — Foi uma boa ação que eles tiveram, né? Eu fico orgulhoso.

Apesar de a história atravessar gerações dentro da família Costa, não há registro documental de que Anita tenha dado à luz especificamente sob a figueira. O que se sabe é que o parto de Menotti Garibaldi ocorreu naquela cercania, mas pode ter sido realizado, por exemplo, dentro de um galpão que ficava localizado junto à árvore.

Marisa Guedes, historiadora responsável pela Casa de Cultura de Mostardas, explica que a história de Anita Garibaldi é construída a partir de diferentes narrativas:

— Há a versão que pode ser comprovada pelos registros históricos; a versão que se espalha através da história oral, daquilo que os antigos contavam; e o que foi inventado, fruto de uma tentativa de romantizar a Guerra dos Farrapos e o militarismo.

O detalhe sobre a localização exata do nascimento de Menotti Garibaldi circula entre esses diferentes territórios narrativos. Prevalece, então, a história oral que se perpetuou através da família Costa — de que a guerrilheira farrapa Anita Garibaldi deu à luz aos pés da figueira. A versão é cultuada pela população de Mostardas e carimbada pela prefeitura, que transformou a árvore em ponto turístico da cidade.

Uma placa sinalizando a importância histórica da figueira foi instalada pela administração do município em 1996, sobre uma pedra colocada na raiz do tronco. O local ficou conhecido na cidade como Pedra de Anita e passou a ser visitado por turistas e mostardenses como a servidora pública Luiza da Costa Lemos, a dona Luizinha, moradora de Mostardas que costuma visitar a árvore sempre que possível. Aos 70 anos, ela integra o chamado Grupo das Anitas, que reúne mulheres que se identificam com a história de Anita Garibaldi.

— Ela ter tido o filho dela aqui é um orgulho para a nossa cidade. Eu me sinto muito honrada de saber que nós fizemos parte dessa história, que Anita, Giuseppe e Menotti passaram pelos campos de Mostardas — afirma Luizinha. — Para mim, a Anita representa as mulheres e a nossa luta por igualdade. Eu gosto muito de vir aqui (na árvore) porque é um lugar bonito e de uma energia muito forte. A gente se sente bem de estar aqui.

Andar pelo local é, de fato, uma experiência sui generis. Placas guiam o caminho da porteira da propriedade até a figueira. Chegando lá, vê-se uma árvore de mais de cinco metros de altura cercada por outras vegetações que, juntas, formam uma espécie de bosque, limitando a entrada da luz solar e criando uma ambiência capaz de envolver totalmente quem ali chega. A figueira é tão imponente que faz com que o visitante se sinta pequeno, enquanto o canto dos pássaros que sobrevoam o local abafa qualquer eventual distração.

É impossível estar ali e pensar em outra coisa que não a história testemunhada por aquele pedaço da propriedade dos Costa. Quantas provações Anita Garibaldi não teria passado ali? Como teria sido seu parto? Será que alguém lhe segurava a mão nos momentos de dor? Será que Menotti, o bebê farrapo, choramingou ao abrir os olhos pela primeira vez? Ou teria precisado de uma palmada para induzir o choro? Tantas inquietações surgem que somente depois, já tendo deixado o local, percebe-se a roupa tomada por pega-pegas e as picadas de mosquito pelo corpo.

A natureza deixa suas marcas, mas o ambiente é agradável. Quando a reportagem visitou a figueira, dançarinos do Grupo de Artes Nativas Anita Garibaldi, de Encantado, também excursionavam por ali. Valéria Maria Bertamoni Belotti, patroa da entidade, arrependeu-se de não ter levado cadeiras e chimarrão para confraternizar. Sentiu-se à vontade no local.

— A gente fica imaginando quantas vivências esse lugar abrigou. Dá uma emoção e uma vontade louca de ficar mais tempo aqui, de passar horas embaixo dessa árvore — diz Valéria. — Para um grupo como o nosso, que carrega o nome de Anita Garibaldi há 30 anos, é muito significativo e muito forte pisar nesse local. É surpreendente como ver uma expressão concreta da história que a gente conhece pelos livros.

A intenção do município de Mostardas é deixar cada vez mais pessoas surpresas. A cidade guarda riquezas culturais ímpares e trabalha para mostrar ao restante do Estado os seus atrativos, que vão muito além da história em torno do nascimento de Menotti Garibaldi. Mas este é um excelente ponto de partida. Após a visita à figueira, vale estender o percurso até a Casa de Cultura do município, aberta de segunda a sábado, das 9h às 17h, e descobrir os demais tesouros escondidos na cidade de 12 mil habitantes.

 

















Em Mostardas, árvore onde se acredita que Anita Garibaldi deu à luz seu primeiro filho segue preservada. Camila Hermes / Agencia RBS


























A árvore está localizada na propriedade da família Costa, que acolheu Anita nos dias finais da gravidez de Menotti. Camila Hermes / Agencia RB


















Uma placa sinalizando a importância histórica da figueira foi instalada pela administração do município em 1996. Camila Hermes / Agencia RBS



















Certidão de nascimento de Menotti Garibaldi foi feita pelo município de Mostardas.
Camila Hermes / Agencia RBS

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

FAZENDA DA ATAFONA/TAFONA


A Fazenda São José, no município de Cachoeira do Sul, é também denominada Fazenda da Atafona (ou Tafona), nome que remete ao engenho de farinha de mandioca localizado ao lado da casa principal, mantido com todos os equipamentos usados no beneficiamento do produto.

A fazenda é remanescente de antiga sesmaria, e a construção da sede, segundo pesquisa dos herdeiros atuais, data do século XIX (aproximadamente 1813). A propriedade era usada para a criação de gado e para atividades agrícolas, incluindo a produção de farinha de mandioca. A atafona, onde era produzida a farinha, consistia em um grande espaço coberto, com um conjunto de instrumentos artesanais movidos por tração animal.

A Fazenda da Tafona possui valores históricos e arquitetônicos que revestem o exemplar de autenticidade e originalidade. O tombamento estadual inclui a volumetria original da edificação, a modenatura das fachadas, os vãos e esquadrias originais, internas e externas, demais detalhes construtivos da edificação e todo o mecanismo original da atafona.

O valor arquitetônico do bem está nas suas técnicas construtivas de origem luso-brasileira, e o conjunto de bens móveis agregados ao edifício complementa a narrativa iconográfica da época. O mobiliário autêntico e o mecanismo completo da atafona, com suas peças artesanais em madeira, mantidas no local da produção, reforçam o valor estético do local, dando sentido à narrativa arquitetônica.

A edificação tombada possui planta em U, formando pátio interno. Uma das alas é a casa principal, a segunda funciona como cozinha e churrasqueira, sendo ligada ao terceiro volume, que constitui a atafona. As paredes são de alvenaria, forros e pisos de madeira. As portas têm bandeiras envidraçadas e as janelas são de duas folhas ou guilhotina, com postigos internos. A cobertura é de telhas de barro tipo capa-e-canal, galbada e com estrutura em madeira. A atafona tem piso em chão batido e estrutura da cobertura aparente, sem forro.

Recentemente, alguns ciclistas de Cachoeira do Sul e cidades da região refizeram o trajeto dos primeiros ciclistas que visitaram a fazenda. No local, os cicloturistas conheceram a história e estrutura da fazenda, sendo acolhidos com água saborizada, café e chá, pastel, torrada e bolos. Finalizando a vivência na Fazenda Tafona, houve um brinde com licor, homenageando os primeiros ciclistas que lá estiveram em passeio no ano de 1900, conforme registrado no blog https://historiadecachoeiradosul.blogspot.com/2015/03/excursao-de-ciclistas.html, de responsabilidade da pesquisadora Mirian Ritzel.

O autor deste blog também participou do passeio. Algumas das fotos são de sua autoria, e outras dos demais ciclistas que participaram do evento.

Link para conhecer a história da Fazenda nas Redes Sociais:



Fonte da Pesquisa sobre a Fazenda: Fontes: processo de tombamento estadual e arquivos IPHAE.































terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

João Cândido: enredo do Paraíso do Tuiuti, 'Almirante Negro' é considerado herói em cidade do RS

Líder da Revolta da Chibata é natural de Encruzilhada do Sul, a 170 km de Porto Alegre. Cidade exibe busto de marinheiro nascido em 1880.

Por Gustavo Chagas, g1 RS

O Paraíso do Tuiuti uniu a Marquês de Sapucaí a um município do Sudeste do Rio Grande do Sul nos desfiles desta terça-feira (13). A escola de samba teve como enredo a história de João Cândido, marinheiro líder da Revolta da Chibata, em 1910, natural de Encruzilhada do Sul, a 170 km de Porto Alegre.

A trajetória do "Almirante Negro", como foi apelidado, é motivo de orgulho no município, de 23 mil habitantes. Em uma das principais avenidas da cidade, há um busto de Cândido.

João Cândido lutou contra as agressões a chibatadas aplicadas contra os marinheiros, que eram, na sua maioria, negros. Para o pesquisador Antônio Bica, autor do livro "João Cândido – O herói negro de Encruzilhada do Sul", o militar foi um exemplo de bravura.

Vida e legado

João Cândido Felisberto nasceu em 1880, filho de ex-escravizados. Ainda na adolescência, ele viveu em Rio Pardo e em Porto Alegre, ingressando em uma escola preparatória para marinheiros. Depois de entrar na Marinha, Cândido foi para o Rio de Janeiro e atuou na instrução de jovens que ingressavam na força.

Respeitado pelos pares, se tornou uma liderança, a ponto de representar os colegas na principal demanda no início do século 20: o fim dos castigos físicos. Mesmo abolida cerca de 10 anos antes, a prática era constante.

"Esse homem viu o sofrimento dos irmãos. Eles botavam a corda e enchiam de agulhas. Pegavam eles, atavam num tronco e davam uma 'tunda'. Já fazia tempo que tinha passado a escravatura e eles permaneciam escravizados", conta Bica.

Na Revolta da Chibata, os marinheiros tomaram navios e apontaram os canhões para o Rio de Janeiro. O governo se comprometeu a acabar com os castigos e a anistiar os revoltosos. No entanto, Cândido foi expulso da Marinha e preso.

O "Almirante Negro" morreu no Rio de Janeiro, em 1969, aos 89 anos. Ele passou o fim de sua vida em São João do Meriti, onde ainda mora o único filho vivo de Cândido, Adalberto do Nascimento Cândido.

O projeto que torna João Cândido um dos Heróis da Pátria ainda tramita no Congresso, sob resistência da Marinha. O nome do marinheiro está inscrito no Livro dos Heróis do Estado do Rio de Janeiro.

O Ministério Público Federal defende que a União faça reparações e compensações à família de João Cândido. Em 2008, no Dia da Consciência Negra, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou uma estátua do "Almirante Negro" no Rio de Janeiro.

Enredo

O objetivo do enredo, segundo o carnavalesco Jack Vasconcelos, é reforçar o nome do homenageado como um grande herói do povo brasileiro.

Conterrâneo de Cândido, o pesquisador Antônio Bica concorda.

"O João Cândido deveria ser estudado nos colégios, nas universidades. Esse homem era fora do tempo dele", ressalta.

Confira a letra do samba:

Liberdade no coração
O dragão de João e Aldir
A Cidade em louvação
Desce o Morro do Tuiuti

Nas águas da Guanabara
Ainda o azul de Araras
Nascia um herói libertador
O mar com as ondas de prata
Escondia no escuro a chibata
Desde o tempo do cruel contratador
Eram navios de guerra, sem paz
As costas marcadas por tantas marés
O vento soprou à negrura
Castigo e tortura no porão e no convés

Ôôô A Casa Grande não sustenta temporais
Ôôô Veio dos Pampas pra salvar Minas Gerais

Lerê lerê mais um preto lutando pelo irmão
Lerê lerê e dizer nunca mais escravidão

Meu nego... A esquadra foi rendida
E toda gente comovida
Veio ao porto em saudação
Ah! nego... A anistia fez o flerte
Mas o Palácio do Catete
Preferiu a traição

O luto dos tumbeiros
A dor de antigas naus
Um novo cativeiro
Mais uma pá de cal
Glória aos humildes pescadores
Yemanjá com suas flores
E o Cais da luta ancestral

Salve o Almirante Negro
Que faz de um samba enredo
Imortal!

















Busto de João Cândido, o 'Almirante Negro', em Encruzilhada do Sul, cidade natal do marinheiro — Foto: Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Encruzilhada do Sul/Divulgação

























Encouraçado Minas Gerais e o Almirante Negro — Foto: Montagem

























Estátua homenageando João Cândido no Centro do Rio — Foto: João Ricardo Gonçalves/g1

























'Almirante Negro' é o enredo da Tuiuti para 2024 — Foto: Divulgação