domingo, 17 de maio de 2020

Livro mapeia bens tombados pela União no RS, com curiosidades e descobertas sobre prédios e sítios históricos

Das Pedras aos Lambrequins" recupera histórias envolvendo construções icônicas da arquitetura gaúcha que resistiram ao tempo ou que sucumbiram ao longo dos anos

Por Maturino da Luz
Arquiteto, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da PUCRS

Uma das mais ativas editoras universitárias gaúchas, a da Unisinos, sob a liderança de Carlos Alberto Gianotti, oferece ao público o livro Das Pedras aos Lambrequins: A Preservação do Patrimônio Arquitetônico e Urbano no Rio Grande do Sul do Século XX, da arquiteta Ana Lúcia Goelzer Meira, professora dessa instituição e ex-funcionária do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Com qualidade gráfica, o trabalho é fruto da experiência da autora por mais de 30 anos como técnica do Iphan e diretora de sua representação regional, de 2003 a 2013, e é baseado na tese de doutorado por ela defendida na UFRGS e aprofundado no mestrado profissional em Arquitetura e Urbanismo da Unisinos, no qual atuou como docente.

A obra é dividida em duas partes. Na primeira, o leitor é introduzido ao tema da preservação dos bens culturais, com didática, simplicidade e clareza, familiarizando-se com seus conceitos fundamentais. Paulatinamente, adentra no assunto, mergulhando na maneira com a qual se constituiu o elenco de bens classificados como patrimônios culturais na esfera federal e quais critérios fundamentaram a inclusão de cada um. É possível entender o modo como evoluíram os valores que legitimaram esses bens representativos do Estado no mosaico cultural brasileiro e compreender como edificações que outrora estiveram para compor a lista foram eliminadas, por incompreensão e até por motivos políticos, que se sobrepuseram ao interesse público. A autora valeu-se de minuciosa pesquisa desenvolvida sobretudo nos arquivos do Iphan, respaldando assim suas afirmações.

São curiosas algumas justificativas usadas para incluir obras no rol do acervo sob proteção da União. Salienta-se o caso da Catedral de São Sebastião, em Bagé, cuja falta de relevância arquitetônica foi compensada pelas marcas de projéteis nas paredes (testemunhos da Revolução Federalista). Em uma intervenção posterior, esses sinais foram apagados, o que faz com que o imóvel não mais ostente o fundamento de sua classificação como monumento nacional.

Por outro lado, foram perdidas obras como a “casa com material missioneiro”, junto ao sítio arqueológico de São João Batista, em Entre-Ijuís, identificada, em 1937, por Lucio Costa na sua única visita ao Rio Grande do Sul. A casa, tombada em 1938, primeira obra de cunho vernáculo a receber tal honraria, logo seria demolida pelo proprietário sem o consentimento do órgão de preservação. Também fomos privados de conhecer e usufruir da antiga Igreja de Nossa Senhora do Rosário, à Rua Vigário José Inácio, em Porto Alegre, “destombada” para atender a interesses políticos, sem contar a subtração, na paisagem porto-alegrense, do Solar de Dom Diogo de Souza, que existiu na Rua Voluntários da Pátria, antigo “Caminho Novo” percorrido por Auguste de Saint-Hilaire quando visitou a povoação, em 1820.

Na segunda parte do livro, a autora trata dos critérios de intervenção aplicados nas obras realizadas em alguns desses bens. Novamente o leitor é convidado a conhecer de forma sucinta, primeiramente, teorias e documentos acumulados nos séculos 19 e 20 que embasam as ações de conservação direta (manutenção) ou indireta (restauração) nos bens culturais, em traslados de monumentos etc. Em seguida, Ana Lúcia apresenta uma série de exemplos de intervenções realizadas no nosso meio pelas diferentes esferas de poder, dando atenção especial às realizadas no monumento de maior reconhecimento, os remanescentes missioneiros de São Miguel Arcanjo. São apresentados resultados variados, demonstrando os acertos e os erros que, na sua avaliação, foram cometidos.

Pelo relato da autora, fica claro que é necessário rever algumas posturas até aqui adotadas, o que ela faz nas suas “considerações finais”, nas quais apresenta oito pontos para repensar os critérios de intervenção.

Das Pedras aos Lambrequins preenche uma lacuna importante pela falta de obras sobre a temática e será referencial para que o meio técnico, acadêmico, e o público em geral tenham a oportunidade de conhecer e refletir sobre as ações preservacionistas empreendidas em relação ao patrimônio legado pelas gerações antecessoras.

Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2020/05/livro-mapeia-bens-tombados-pela-uniao-no-rs-com-curiosidades-e-descobertas-sobre-predios-e-sitios-historicos-cka5dbeog004a015nqi9m4jow.html











O histórico Solar de Dom Diogo de Souza, que existiu na Rua Voluntários da Pátria, em Porto Alegre, no século 19Não se aplica / Acervo do IPHAN.















A velha Igreja do Rosário, no centro de Porto Alegre: "destombamento"
Wikimedia Commons / Reprodução








A fachada da "nova igreja do Rosário", erguida na Rua Vigário José Inácio nos anos 1950
Marco Favero / Agencia RBS










"Das Pedras aos Lambrequins: A Preservação do Patrimônio Arquitetônico e Urbano no Rio Grande do Sul do Século XX ", de Ana Lúcia Goelzer Meira. Editora Unisinos, 248 páginas, R$ 55 (no site da editora, o preço é R$ 38,50)
Reprodução / Reprodução