domingo, 13 de março de 2022

Conheça o farol centenário que recebeu o nome do primeiro tropeiro a desbravar o Sul do Brasil

Cristóvão Pereira fica em Mostardas, às margens da Lagoa dos Patos

ALINE CUSTÓDIO Mostardas

Com nome em homenagem ao primeiro tropeiro a desbravar o Sul do Brasil, o farol Cristóvão Pereira resiste à distância, ao tempo e até ao vandalismo. E desafia os atuais visitantes que, assim como o antigo comerciante do século 18, precisam se aventurar pelas estradas de terra e de areia para chegar à torre erguida às margens da Lagoa dos Patos, em Mostardas, no Litoral Médio.

Se, antigamente, os tropeiros faziam o trajeto a cavalo pela região, agora são os veículos com tração 4x4 que costumam dominar a área. Basta sair do asfalto da RSC-101 e ingressar na estrada vicinal, distante 13 quilômetros do Centro de Mostardas, para entender o motivo. Pelo caminho, apesar de trechos mais enlameados, o cenário do Rincão de Cristóvão Pereira (nome da localidade) é de encher os olhos: campos verdejantes, lagoas e aves de diferentes espécies. Nada muito diferente das paisagens que fizeram o português se apaixonar pelo lugar.

E apesar de a região ter começado a ser habitada ainda no século 18, até hoje conta com casas distantes, na maioria fazendas e chácaras, permanecendo com uma paisagem bucólica só cortada pelo vaivém dos veículos. Quatro placas ao longo dos 31 quilômetros que separam a rodovia do farol indicam o caminho mais simples até a construção histórica. Depois da estrada de terra vermelha, os últimos cinco quilômetros são feitos pelas margens da Lagoa dos Patos.

Se o passeio for realizado no verão, vale parar para um banho nas águas límpidas e mornas antes ou depois de ir ao farol, já que na área dele a profundidade pode mudar conforme a época do ano, não sendo indicado o banho.

Na chegada ao Cristóvão Pereira, a obra impõe-se em meio à natureza. Durante o inverno, a península onde está o farol costuma ficar isolada pela água, formando uma ilhota. No verão, com a seca, é possível chegar de carro até os pés do prédio. Em fevereiro deste ano, GZH esteve no local. Por duas horas, o único contato com alguma pessoa foi por meio do radiotransmissor do repórter fotográfico Lauro Alves, ao conversar rapidamente com uma embarcação que passeava ao longo da lagoa.

Quando a equipe se preparava para retornar até a rodovia, ouviu o som de um carro se aproximando. Por vezes devagar e, em outras, aumentando a velocidade sobre a areia, tentava cruzar a trilha. Era o Corsa da família do auxiliar de serviços gerais Diones Santos da Silva, 39 anos, de Mostardas. Ao lado do filho, Leonardo Jesus Silva Santos da Silva, 16, da esposa, Lucimara da Rosa, 49, e do avô de Leonardo, Cláudio Miguel Alves da Silva, 66, Diones não se importou com o carro sem tração para apresentar o farol histórico ao adolescente.

— É a terceira vez que venho visitá-lo, mas a primeira com o meu filho. Nos finais de semana, costumamos percorrer os faróis e pontos mais importantes do litoral. É uma forma de manter viva a história da nossa região — contou Diones, que garantiu estar acostumado com as estradas exigentes da área.

— Antigamente, passava de barco por aqui quando íamos pescar. É o farol mais açoriano de Mostardas. Tem uma arquitetura muito bonita. Por isso, merecia ser melhor cuidado — acrescentou Cláudio Miguel.

Ao se despedir da reportagem, a família revelou que seguiria ainda até o farol Capão da Marca, em Tavares, distante 30 quilômetros pela beira da lagoa.

Importante para a navegação

Inaugurado em alvenaria em 8 de janeiro de 1861, um século depois da morte de Cristóvão Pereira de Abreu, o prédio tem 28 metros de altura. Entre 1858 e 1861, funcionou numa estrutura construída em madeira. Por um período, chegou a ser considerado o mais antigo farol do Estado. Porém, a historiadora Marisa Guedes, moradora de Mostardas e pesquisadora da região há mais de 35 anos, explica que muitos estudiosos não contavam os faróis provisórios. Anos antes, em 1849, por meio de uma lei, o vizinho Capão da Marca, em Tavares, iniciou os trabalhos numa torre de madeira. Sendo assim, passou a ser considerado o primeiro a ser erguido no Rio Grande do Sul.

Apesar da mudança da data histórica, a obra de Mostardas segue com relevância, pois faz parte do balizamento entre a entrada do canal da barra de Rio Grande até o porto de Porto Alegre, considerada uma das principais rotas para a economia da Região Sul do Brasil.
 
— Mesmo com o avanço da tecnologia na área da navegação ao longo dos anos, os faróis em geral ainda são de suma importância para a segurança da navegação, tendo em vista que, diante da falha de algum equipamento eletrônico a bordo das embarcações, o farol servirá para orientar tais embarcações, servindo também para embarcações menores desprovidas de tais tecnologias — explica o capitão-tenente Edilson José do Carmo, encarregado da Divisão de Sinalização Náutica da Marinha do Brasil.

Ataque dos vândalos

Em plena atividade, o Cristóvão Pereira continua funcionando por meio de painéis fotovoltaicos. Sem registros oficiais, a Marinha do Brasil apenas informa que o farol já foi “guarnecido” por faroleiros e suas famílias, mas não há registro histórico de quando deixou de ser ocupado. Em fotos do acervo do site Popa, feitas em 1950, o prédio está diferente do atual. Ainda havia figueiras no entorno dele e a casa do faroleiro.

Segundo Geraldo Knippling (falecido em 2000), que costumava navegar pela lagoa e escreveu o livro O Guaíba e a Lagoa dos Patos, o farol passou por uma reforma em 1992, quando a porta e as janelas foram fechadas com tijolo e cimento. Em 2004, um muro de pedras foi erguido no entorno.

Sem acesso interno para visitas, o prédio não deveria ter qualquer entrada. Mas os vândalos conseguiram abrir um buraco numa das paredes, por onde ingressam no térreo do prédio. Pela fenda, é possível ver escritos da década de 1980 nas paredes, que podem ter sido feitos antes do fechamento total da construção. O acesso aos demais andares da estrutura também está cimentado.

O encarregado da Divisão de Sinalização Náutica da Marinha do Brasil salienta que, apesar de ser alvo constante de ações de vândalos, o farol recebe inspeções periódicas a cada três meses, quando a Marinha recebe informações ou denúncias de vandalismo e também sempre que um navio da Marinha do Brasil passa ao largo durante ida a Porto Alegre.

sábado, 5 de março de 2022

Conheça 10 lugares centenários de Porto Alegre que continuam funcionando


Capital mescla edifícios modernos a construções que já estavam ali quando a cidade não passava de um vilarejo

JÉSSICA REBECA WEBER


Como uma capital prestes a completar 250 anos, a fotografia de Porto Alegre mescla edifícios modernos a construções que já estavam ali quando a cidade não passava de um vilarejo. Conheça 10 lugares que já completaram mais de um século de vida e guardam parte da nossa história.

1- Colônia de Pescadores Z5

Sobre o desenho em relevo de duas sereias, a data inscrita na fachada anuncia o mais recente prédio centenário da Capital. A Colônia de Pescadores Z5, que completou cem anos em dezembro, é um símbolo da Ilha da Pintada, localidade de Porto Alegre que parece descolada do tempo e do mapa.
A pesca no Rio Jacuí segue sendo uma das principais atividades nesse pedaço de Porto Alegre. É a profissão de muitos moradores, mas também atrai amadores para a beira do rio, bem na frente da sede da Colônia. Aos domingos, é naquele ponto mesmo que desembarcam “turistas” vindos da Capital para uma tradição antiga e apetitosa: a tainha na taquara. Moradora do bairro Três Figueiras, a dona de casa Isabel Brum, 78 anos, não foi só para comer: ela aproveitou para tirar foto ao lado da churrasqueira.
— Meu filho me tirou de casa dizendo que a gente ia comer tainha do outro lado da rua e me trouxe aqui. Foi uma surpresa, é uma coisa bem diferente — conta.
Cerca de 60 peixes já estavam prensados em pedaços de taquara, enfileirados sobre carvão e lenha, quando a dona Isabel chegou. O segredo, revelam os assadores, é a finalização regando com o “molho da dona Cátia”, funcionária antiga do lugar. Junto do azeite e do vinagre, ela inclui especiarias como alho, cebola e pimentão.
Presidente da Z5, Gilmar da Silva Coelho, 50, conta que a colônia foi fundada pela Capitania dos Portos, mas não é mais vinculada a nenhum órgão público. Sua função é ajudar os cerca de mil associados que pescam naquela região do Jacuí, no Guaíba e na Região Metropolitana com questões burocráticas, como a confecção de documentos, o pagamento de INSS e o encaminhamento do seguro defeso.
A Z5 também sempre teve um papel importante para distribuir ranchos e conceder outros auxílios. Pescador que aprendeu a profissão com o pai, que aprendeu com o avô, Luiz Carlos Maciel, 67, lembra que teve os estudos no ginásio pagos pela Colônia e que até já se abrigou na sede em uma das assombrosas enchentes da Região das Ilhas.
Além da tainha servida na mesa, o almoço de domingo na Colônia Z5 inclui um bufê com pratos como bolinho de arroz, pirão, batata, salada e sobremesa. Custa R$ 40. Não é obrigatório, mas o recomendado é fazer reserva antecipadamente pelo fone (51) 3211-7593, para os funcionários estimarem o número de peixes a preparar. Há barcos de passeio que saem da orla do Guaíba e levam até a Colônia Z5 para a refeição.


















2- Memorial do Legislativo

À direita do Palácio Piratini, fica o prédio mais antigo de Porto Alegre. É chamado de várias formas: antiga Provedoria da Real Fazenda, Casa da Junta, Casa Rosada, antiga Assembleia Legislativa ou Memorial do Legislativo, que tem sido seu propósito desde 2010. O prédio foi construído em 1790, inicialmente com apenas um pavimento, planta retangular e arquitetura colonial. O segundo pavimento foi construído 70 anos depois, em estilo eclético, apagando características luso-brasileiras. Restaram traços como a volumetria, o “ritmo” entre as janelas e porta.
— Porto Alegre foi fundada em 1772 e, um ano depois, começou a construção desse prédio. Inicialmente, aqui se cuidava da fiscalização do dinheiro do Império. Era uma função que se assemelha à de uma Secretaria da Fazenda — conta Debora Dornsbach Soares, coordenadora do Memorial.
O local serviu ainda de cadeia e abrigou o Conselho-Geral da Província, que antecedeu às Assembleias Provinciais. E, em 1835, virou a Assembleia Legislativa da Província. No subsolo do prédio, em uma das estantes de documentos do arquivo, há a ata de instalação da Assembleia, em dia 23 de abril, um manuscrito grafado à pena com tinta ferrogálica. Débora comenta:
— Às vezes, me dá taquicardia pela responsabilidade de cuidar de todo esse patrimônio do Estado.
No andar superior, há um pequeno plenário, usado ainda em reuniões e sessões solenes do Legislativo. Pelas paredes, há fotos de como era a Assembleia, bem ali, em diferentes décadas do século passado, e uma imagem remete a ainda mais longe, ao começo da República no Brasil. O plenário leva o nome de Bento Gonçalves, líder farrapo que foi também deputado, na primeira Legislatura. Atrás da mesa diretora, um retrato ampliado dele chama atenção de quem entra na sala. O Memorial está fechado para visitação em razão da pandemia.


















3- Igreja das Dores

É difícil contar a história de Porto Alegre sem falar da Igreja Nossa Senhora das Dores. Ela está nas fotos mais antigas, nos guias de arquitetura, nas promessas de gerações de devotos e no imaginário popular, como cenário de uma das lendas mais antigas da cidade. Conta-se que Josino, um escravo que participava da construção da igreja, foi acusado injustamente de roubo e condenado à morte.
A sentença foi cumprida na Praça Brigadeiro Sampaio, onde eram penalizados os escravos condenados por seus senhores, de chibatadas à forca. Segundos antes de ter o alçapão aberto sob seus pés e despencar com a corda no pescoço, o homem teria disparado:
— Como prova da minha inocência, vocês nunca vão ver as torres da igreja construídas.
Acredite ou não em maldições, as obras se arrastaram por quase um século. Iniciadas em 1807, só foram terminadas em 1904. As torres remetem ao gótico, sobre um corpo em estilo colonial português. A fachada de elementos ecléticos apresenta nichos e estátuas que representam a Fé, a Esperança e a Caridade, esculpidas e fundidas por João Vicente Friedrichs.
Do lado de dentro, a capela-mor foi concluída em 1813. Tem no topo do altar de 14 metros de altura as imagens de Jesus Cristo crucificado, Nossa Senhora das Dores e João Evangelista. O brasão do calvário, que representa a última dor de Nossa Senhora, foi resgatado recentemente através de um trabalho de reconstituição da camada pictórica e destacado com as luzes. Arquiteto responsável pelas obras, Lucas Volpatto destaca ainda as pinturas do artista Germano Traub como um dos maiores tesouros do local:
— Embora as talhas dos altares se assemelhem muito com a Igreja da Conceição, que tem a mesma autoria do mestre João do Couto e Silva, é nas pinturas das paredes e do teto que ela se destaca como a igreja oitocentista (relativo ao século 19) mais bela de Porto Alegre.
Postulando o título de Basílica Menor, a igreja enviou ao Vaticano recentemente um documento de 52 páginas com fotografias e informações que destacam sua relevância histórica, arquitetônica, cultural e religiosa. Se tudo der certo, o título será concedido pelo papa Francisco, por meio da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.


















4- Santa Casa de Misericórdia

Passando entre duas estátuas de anjo, chamadas de Fé e Esperança, você acessa o pátio interno do Pavilhão Centenário da Santa Casa. É impossível estimar quantas pessoas já recorreram a esse espaço com árvores, vitrais religiosos e uma gruta para respirar fundo e procurar forças antes de retornar aos corredores do hospital. Mesmo no centro de Porto Alegre, a alguns metros da movimentada Avenida Independência, existe paz naquele pátio.
O silêncio ali era ainda muito maior quando a Santa Casa começou a ser construída. O hospital ficava fora da cidade, “bastante afastado”, como escreveu o viajante francês Auguste Saint-Hilaire em 1820. A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre é o mais antigo hospital do Rio Grande do Sul: fará 219 anos em outubro.
Se hoje o complexo é conhecido pela modernidade de seus processos e equipamentos, os objetos no museu do Centro Histórico-Cultural Santa Casa evidenciam o contraste de gerações. Desde equipamentos cirúrgicos arcaicos até a réplica do que foi a Roda dos Expostos. Era um cilindro oco de madeira, com uma pequena abertura, que girava em um eixo central. Ali eram colocados, com anonimato, bebês que as mães não podiam cuidar.
— Passaram quase 3 mil crianças por essa roda em menos de cem anos — conta a coordenadora do Centro Histórico-Cultural Véra Barroso.
O museu é aberto ao público e não é cobrado ingresso para visitação. Funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, e nos sábados, 9h às 16h.


















5- Solar Lopo Gonçalves

Vizinho de bares e casas noturnas em uma das ruas mais agitadas da cidade, o Solar Lopo Gonçalves foi construído para ser uma chácara de veraneio quando a região da Cidade Baixa ficava fora dos limites urbanos do município. Construído entre 1845 e 1855, é uma das raras casas coloniais que resistiram em Porto Alegre, e hoje abriga o Museu de Porto Alegre Joaquim José Felizardo.
A chácara tinha, à frente, a Rua da Olaria (hoje General Lima e Silva), e, aos fundos, a chamada Rua da Margem (João Alfredo), e pertencia ao comerciante Lopo Gonçalves Bastos. Era um português que tinha um armazém de secos e molhados na Praça da Alfândega, uma loja de tecidos no piso inferior do sobrado onde de fato morava, na Rua da Praia, e algumas embarcações em sociedade com seu sogro.
As janelas frontais, hoje em cor verde, têm quadro superior ornado com meias rosáceas. As paredes externas foram construídas em alvenaria de tijolos e, as internas, em estuque (barro, madeira e folhas de palmeira). Acredita-se que o térreo servia como uma espécie de senzala.
— O imóvel é uma referência por idade e características arquitetônicas, por si só já reúne muita história. O Lopo Gonçalves teve escravos, isso foi no final do ciclo da escravatura, e os nomes deles foram pesquisados e estão fixados na sala de exposições — destaca Vicente Bogo, diretor do museu.
O museu inclui um acervo fotográfico de mais de 8 mil imagens e os achados arqueológicos da cidade: conta com mais de 200 mil itens relacionados a diferentes grupos que ocuparam Porto Alegre desde o período pré-colonial.
Suspensas desde o começo da pandemia, a expectativa é de que as visitas sejam retomadas até o aniversário de Porto Alegre, em 26 de março, com duas exposições novas, segundo previsão de Bogo. Hoje, somente pesquisadores têm acesso à parte interna do museu, mediante agendamento. Bogo também busca, via Lei Rouanet, verbas para o restauro do prédio de mais de 150 anos: a intenção é reformar a parte estrutural, telhado, realizar pintura, substituir a parte elétrica, fazer a climatização completa, melhorar a acessibilidade, a iluminação externa e implantar videomonitoramento.


















6- Theatro São Pedro

O lustre já não é de velas – a energia elétrica chegou em 1900, poupando os funcionários do trabalheira de acender toco a toco antes de cada espetáculo. Os costumes também mudaram. Os chapéus e roupas de pele desapareceram do dress code e não mais existe o proscênio, um camarote na lateral do palco onde as famílias mostravam os filhos disponíveis para casamento. Mas o Theatro São Pedro segue, desde 27 de junho de 1858, ecoando aplausos.
Com traços neoclássicos, o prédio foi inaugurado nessa data com o drama Recordações da Mocidade. Era um teatro majestoso em uma cidade 75 vezes menor do que hoje – a população na época era estimada em 20 mil pessoas.
— Eu me pergunto da coragem deles, mesmo com a população da época, construir um teatro assim. Ele foi e continua sendo o grande palco de Porto Alegre, nosso grande centro cultural — destaca o professor emérito da Universidade Federal do RS (UFRGS) Luiz Osvaldo Leite, ex-presidente da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa).
O professor Leite se sente um privilegiado de ter visto muitos dos espetáculos desde a década de 1940. Aos 10 anos de idade, o pai o levou para assistir à ópera Barbeiro de Sevilha. Ainda adolescente, montou um grupo de amigos do Colégio Anchieta que não só marcavam presença em todas as apresentações de ópera como também se amontoavam no hall de entrada ou na porta dos camarotes para conseguir um autógrafo na folha do programa.
Por falar na Ospa, foi no São Pedro que ocorreu a primeira apresentação da orquestra, em 1950, sob o comando do regente Pablo Komlós. Mas o São Pedro também foi marcante para a dança (em 1925, Porto Alegre aplaudia pela primeira vez um espetáculo de dança, com a bailarina belga Félyne Verbist) e até para o cinema. Mesmo sem uma sala adequada, em 1901, ocorreu ali a primeira exibição de uma película de cinema em um espaço fechado em Porto Alegre.
Passaram pelos palcos do São Pedro alguns dos maiores gênios da criação artística do Brasil e do mundo, como o pianista Arthur Rubinstein (duas vezes), o violonista Andrés Segovia, o compositor Heitor Villa-Lobos, o dramaturgo Eugène Ionesco, o diretor Bob Wilson e o compositor e pianista Philip Glass.


















7- Instituto de Educação

As imponentes colunas jônicas e a fachada de linguagem neoclássica não combinam com o estado de abandono e vandalismo que consumiu o Instituto de Educação Flores da Cunha. Fundada em 1869, a mais antiga escola de formação de professores do Brasil está fechada desde 2016 para obras.
A instituição surgiu com o nome de Escola Normal da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Funcionou inicialmente em um edifício na esquina das ruas Duque de Caxias e Marechal Floriano. Desde 1935, está no endereço da Avenida Osvaldo Aranha. O atual nome foi determinado por decreto em 1939, homenageando o governador do Rio Grande do Sul, o general José Antônio Flores da Cunha.
Quando o prédio fechou para reforma, os 1,5 mil alunos foram transferidos para outras escolas. A expectativa era de retornar em 2017. Mas o governo romperia o contrato com a empresa por causa do atraso, perderia os recursos do Banco Mundial por causa dessa demora, contrataria outra empresa, que pararia os trabalhos por falta de pagamento em 2019.
As obras foram retomadas em janeiro, com previsão de término em 15 meses, segundo a Secretaria Estadual da Educação (Seduc). Até o momento, foram executados 18,86% da obra. Na etapa inicial, os reparos estão concentrados na parte interior do prédio. O aporte em recursos do Estado é de R$ 23,4 milhões. O governador Eduardo Leite anunciou que o Instituto de Educação dará lugar a um centro de referência e formação de professores. Ele prometeu um ambiente moderno e interativo.


















8- Antigo Quartel-General

Na fachada de arquitetura eclética da esquina da Andradas com a General Canabarro, no Centro Histórico, está grafada a data de construção do prédio (1906-1908) e o nome de um general. Acima, há o brasão de armas do Brasil, esculturas como a de um soldado armado com fuzil e, no topo de uma pequena torre, uma cúpula azul estrelada lembra a bandeira do país. Trata-se do antigo Quartel-General de Porto Alegre.
Construído em substituição a um prédio colonial de 1775, foi celebrado como um avanço na época da inauguração. A edição do jornal A Federação destacou a iluminação por luz elétrica, a instalação luxuosa e lustres “muito elegantes”.
Hoje, segue sendo um endereço importante para a 3ª Região Militar, abrigando seções administrativas. No Salão Nobre, que tem um piso de madeira, janelas em arco com vitrais coloridos e obras de arte em todas as paredes, ocorrem solenidades. Relíquia do prédio, o elevador de grade sanfonada está parado para manutenção.
Há marcas de tiro na estrutura metálica. Em 3 de outubro de 1930, a unidade militar foi atacada, deflagrando o início da Revolução de 1930. O tenente-coronel Alexandre Lobo, do setor de comunicação da 3ª RM, relata que, após a revitalização da fachada externa e do conserto do elevador histórico, há a intenção de abrir a área à visitação da comunidade sob a coordenação do Museu Histórico do Comando Militar do Sul.


















9- Mercado Público

Passou pela enchente de 1941, por quatro incêndios e por duas pandemias. Considerado o coração de Porto Alegre, o Mercado Público segue pulsando forte e saudável no Centro Histórico há 152 anos. Significa que o Brasil ainda nem era uma república quando suas paredes, em estilo neoclássico, foram erguidas por mão de obra escrava.
Desde aquela época, tem importância inigualável ao povo negro – religiões de matriz africana creem que, na encruzilhada dos quatro corredores centrais, fica o Bará, o orixá que tem o poder de abrir caminhos. Ele foi parar ali após ser assentado, ou seja, fixado em algum objeto por meio de rituais, que estaria enterrado sob o prédio.
O projeto do engenheiro Frederico Heydtmann previa um pavimento apenas (o segundo piso começou a ser feito em 1910). Foi construído em forma de quadrilátero, com torreões nas esquinas e um pátio central. Foi ocupado por armazéns, tavernas, bares, açougues, fruteiras e restaurantes. Incluindo o mais antigo do RS. Conhecido por iguarias como o bolinho de bacalhau, o Gambrinus tem espalhadas por todos os cantos evidências dos seus 132 anos de história.
O pioneirismo não para por aí: bem ao centro do Mercado, a Banca do Holandês é considerada a primeira loja de especiarias da cidade, na banca 31. Fundada em 1919, vende bacalhau, queijos, fiambres nobres, azeites e as mais diversas especiarias. A secretária aposentada Hilda Machado Madeira, 68 anos, era uma das pessoas na fila dinâmica da banca. Como quase todo mundo por ali, tem uma história com o Mercado. Frequenta desde os 12 anos, quando começou a trabalhar em um laboratório de análises clínicas em um prédio ao lado, e fala do Mercado Público como se ele fosse gente:
— Quando eu soube que pegou fogo, fiquei muito triste. Ele faz parte da nossa história.
As obras do Mercado Público foram iniciadas no mesmo ano do incêndio, em 2013, e chegaram a ser completamente paralisadas em 2016 por falta de recursos. Após, houve uma indecisão sobre quem deveria seguir as obras. O governo de Nelson Marchezan pretendia conceder o Mercado à iniciativa privada, mas a gestão de Sebastião Melo abortou esse plano e buscou uma alternativa para reabrir o segundo piso. O andar superior está passando pela última etapa de obras e deve ser reaberto neste semestre, segundo a prefeitura.


















10- Bar Naval

Há duas cadeiras que ninguém usa no Naval. O restaurante exibe as peças de mobiliário na altura do teto, guardando há décadas o lugar do político Glênio Peres e do músico Lupicínio Rodrigues. Dizem que o autor de Se Acaso Você Chegasse, Nervos de Aço e Vingança chegava cedo no bar, se cercava de folhas de papel e tocos de lápis para compor e pedia o de sempre: “Me dá uma cachacinha, camaradinha”.
— Ele era da noite, e a boemia acontecia aqui — comenta o atual proprietário Jader Hack Gomes, 35 anos.
Elis Regina e Carlos Gardel também compuseram o time musical de frequentadores, enquanto Leonel Brizola, João Goulart e até Getúlio Vargas já integraram o de políticos, segundo informações do restaurante.
A história do Naval começou em 1907, criado por um italiano, na mesma sala do Mercado Público que está hoje. Passaria ainda por mãos alemãs até chegar à primeira família de portugueses, os irmãos João Fernandes e Manoel da Costa. É o que explica o cardápio cheio de pratos com bacalhau.
No carro-chefe hoje, que leva o nome da casa, o peixe se junta a polvo, camarões, champignon, batata, pimentão e azeite em uma pequena montanha de felicidade. Após uma reforma, o Naval perdeu os ares de boteco e ganhou sofisticação. O proprietário conta que nas obras foram destacados detalhes originais do lugar, como o teto de cimento e os primeiros azulejos, lá da época em que estava sob direção dos italianos. Mas, independentemente do dono, seja mais popular ou gourmet, o chope bem tirado do Naval continua animando o happy hour no velho Mercado.