terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

João Cândido: enredo do Paraíso do Tuiuti, 'Almirante Negro' é considerado herói em cidade do RS

Líder da Revolta da Chibata é natural de Encruzilhada do Sul, a 170 km de Porto Alegre. Cidade exibe busto de marinheiro nascido em 1880.

Por Gustavo Chagas, g1 RS

O Paraíso do Tuiuti uniu a Marquês de Sapucaí a um município do Sudeste do Rio Grande do Sul nos desfiles desta terça-feira (13). A escola de samba teve como enredo a história de João Cândido, marinheiro líder da Revolta da Chibata, em 1910, natural de Encruzilhada do Sul, a 170 km de Porto Alegre.

A trajetória do "Almirante Negro", como foi apelidado, é motivo de orgulho no município, de 23 mil habitantes. Em uma das principais avenidas da cidade, há um busto de Cândido.

João Cândido lutou contra as agressões a chibatadas aplicadas contra os marinheiros, que eram, na sua maioria, negros. Para o pesquisador Antônio Bica, autor do livro "João Cândido – O herói negro de Encruzilhada do Sul", o militar foi um exemplo de bravura.

Vida e legado

João Cândido Felisberto nasceu em 1880, filho de ex-escravizados. Ainda na adolescência, ele viveu em Rio Pardo e em Porto Alegre, ingressando em uma escola preparatória para marinheiros. Depois de entrar na Marinha, Cândido foi para o Rio de Janeiro e atuou na instrução de jovens que ingressavam na força.

Respeitado pelos pares, se tornou uma liderança, a ponto de representar os colegas na principal demanda no início do século 20: o fim dos castigos físicos. Mesmo abolida cerca de 10 anos antes, a prática era constante.

"Esse homem viu o sofrimento dos irmãos. Eles botavam a corda e enchiam de agulhas. Pegavam eles, atavam num tronco e davam uma 'tunda'. Já fazia tempo que tinha passado a escravatura e eles permaneciam escravizados", conta Bica.

Na Revolta da Chibata, os marinheiros tomaram navios e apontaram os canhões para o Rio de Janeiro. O governo se comprometeu a acabar com os castigos e a anistiar os revoltosos. No entanto, Cândido foi expulso da Marinha e preso.

O "Almirante Negro" morreu no Rio de Janeiro, em 1969, aos 89 anos. Ele passou o fim de sua vida em São João do Meriti, onde ainda mora o único filho vivo de Cândido, Adalberto do Nascimento Cândido.

O projeto que torna João Cândido um dos Heróis da Pátria ainda tramita no Congresso, sob resistência da Marinha. O nome do marinheiro está inscrito no Livro dos Heróis do Estado do Rio de Janeiro.

O Ministério Público Federal defende que a União faça reparações e compensações à família de João Cândido. Em 2008, no Dia da Consciência Negra, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou uma estátua do "Almirante Negro" no Rio de Janeiro.

Enredo

O objetivo do enredo, segundo o carnavalesco Jack Vasconcelos, é reforçar o nome do homenageado como um grande herói do povo brasileiro.

Conterrâneo de Cândido, o pesquisador Antônio Bica concorda.

"O João Cândido deveria ser estudado nos colégios, nas universidades. Esse homem era fora do tempo dele", ressalta.

Confira a letra do samba:

Liberdade no coração
O dragão de João e Aldir
A Cidade em louvação
Desce o Morro do Tuiuti

Nas águas da Guanabara
Ainda o azul de Araras
Nascia um herói libertador
O mar com as ondas de prata
Escondia no escuro a chibata
Desde o tempo do cruel contratador
Eram navios de guerra, sem paz
As costas marcadas por tantas marés
O vento soprou à negrura
Castigo e tortura no porão e no convés

Ôôô A Casa Grande não sustenta temporais
Ôôô Veio dos Pampas pra salvar Minas Gerais

Lerê lerê mais um preto lutando pelo irmão
Lerê lerê e dizer nunca mais escravidão

Meu nego... A esquadra foi rendida
E toda gente comovida
Veio ao porto em saudação
Ah! nego... A anistia fez o flerte
Mas o Palácio do Catete
Preferiu a traição

O luto dos tumbeiros
A dor de antigas naus
Um novo cativeiro
Mais uma pá de cal
Glória aos humildes pescadores
Yemanjá com suas flores
E o Cais da luta ancestral

Salve o Almirante Negro
Que faz de um samba enredo
Imortal!

















Busto de João Cândido, o 'Almirante Negro', em Encruzilhada do Sul, cidade natal do marinheiro — Foto: Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Encruzilhada do Sul/Divulgação

























Encouraçado Minas Gerais e o Almirante Negro — Foto: Montagem

























Estátua homenageando João Cândido no Centro do Rio — Foto: João Ricardo Gonçalves/g1

























'Almirante Negro' é o enredo da Tuiuti para 2024 — Foto: Divulgação

Herdeiro cogita restaurar palacete histórico da década de 1920 em parceria com construtora

Imóvel funciona como estacionamento, mas chama atenção pelo aspecto de abandono.

Giane Guerra

O avanço de uma discussão na Justiça pode encaminhar o destino de um palacete da década de 1920 que chama a atenção pelo aspecto de abandono na esquina das ruas Duque de Caxias e General João Manoel, no Centro Histórico. Por muitos anos, o imóvel foi moradia de um núcleo Chaves Barcellos. É a única intacta das quatro suntuosas casas da famosa família de Porto Alegre no mesmo eixo — duas deram lugar a prédios, enquanto uma foi demolida para a construção de um estacionamento, que depois virou uma farmácia. Desde 2004, esta é considerada patrimônio histórico do município e não pode ser destruída.

Além dos carros no estacionamento que fica no terreno dos fundos, há uma moradora no imóvel. A zeladora Maria Martins Machado cuida da casa e dos veículos. A conversa com a coluna era interrompida pelos clientes que estacionam no espaço porque trabalham nos arredores, onde ficam Palácio Piratini, Assembleia Legislativa e Tribunal de Justiça.

— Perguntam se não tem fantasma na casa. O fantasma sou eu — brinca Maria, que vive sozinha no térreo do casarão desde a morte do marido, em 2013. — Quando chegamos, no começo dos anos 2000, o pátio tinha árvores, limoeiros. Era lindo — lembra.

Recentemente, foi encerrada uma disputa judicial de 10 anos para definir quem seria o herdeiro. À coluna, o dono do palacete disse ter vontade de restaurar a casa, mas o custo é alto. Construtoras já entraram em contato, com interesse de reformá-lo em troca de usar o terreno dos fundos para erguer um empreendimento.

— É uma obra caríssima e não é simples. Precisa ter um uso que a financie. Por ora, estamos impedindo deterioração maior — diz o herdeiro, que não quer ser identificado.

Ele está disposto a negociar. Porém, ainda há o inventário de um tio que era dono de 40% de um terreno nos fundos conectado ao palacete. A área vai até a Rua Fernando Machado. Uma empresa contratada teria atestado que a estrutura da edificação está sólida.

Colaborou Guilherme Gonçalves