Local foi marco de uma das principais revoltas de negros escravizados no Espírito Santo, em 1849
Não foi como se sonhava, mas aconteceu nessa segunda-feira (17) a inauguração da restauração das ruínas da Igreja de São José do Queimado, depois de um processo de 22 anos de luta do movimento negro por meio do Fórum Chico Prego. O local foi palco de uma das mais importantes rebeliões de negros escravizados no Espírito Santo e se encontrava em abandono, com ameaça de desabamento das paredes.
A previsão era de uma grande jornada de inauguração culminando no dia 19 de março, data que vem sendo celebrada nas últimas décadas com uma caminhada noturna de Serra Sede até o local e a realização de um ato inter-religioso e atividades culturais. A programação estava pronta, mas dias antes veio o início do período de isolamento em decorrência da pandemia do coronavírus, levando ao adiamento das atividades.
A nova data escolhida, 17 de agosto, é Dia do Patrimônio Histórico. O processo foi feito de forma simbólica, com a realização da caminhada, que tinha 400 inscritos em março, sendo realizada por um grupo de 15 pessoas. Na inauguração, a sociedade civil foi representada por oito integrantes, de Serra, Vitória, Cariacica e Vila Velha, num total de 25 pessoas presentes no ato, incluindo o prefeito Audifax Barcelos (Rede), mas num evento sem a presença de candidatos em 2020, já que a legislação eleitoral eleitoral veda participação neste tipo de atividade desde o último sábado (15).
Mas qual o sentido de inaugurar o monumento em plena pandemia quando não está recomendado o estímulo a atividades turísticas?
Há certas alegações burocráticas, como a necessidade de finalizar o processo de entrega para liberar a empresa contratada. Certamente pesa, porém, também o fator político, já que o processo de restauração foi levado adiante na gestão de Audifax, que não quis correr o risco de deixar para seu sucessor o crédito de bandeja. Aproveitando o bom diálogo que teve com o atual prefeito e sem saber o que se reserva para a próxima gestão, o Fórum Chico Prego também apoiou a inauguração, que é na verdade um primeiro passo de um processo para uso e ocupação do espaço.
O local ainda não tem outras estruturas além das ruínas restauradas da igreja, que servem com museu a céu aberto, contando com informações históricas que finalmente marcam um certo reconhecimento do Estado sobre a importância do local e sua história e uma sinalização para os visitantes que os contextualize ao chegar lá. Localizado em região isolada, as ruínas não contam ainda sequer com vigilantes, de modo que ficam sujeitas a possíveis ações que possam danificar o patrimônio.
Madalena Maria Teles Correia, atual coordenadora do Fórum Chico Prego, comemorou a entrega de Queimado, embora lamentando que a inauguração simbólica não pôde contar com a participação de muitas pessoas importantes no processo, já que o momento pede mobilizações limitadas. "O resultado superou nossas expectativas. Eram ruínas que literalmente podiam vir abaixo, não podíamos entrar e realizávamos atividades do lado de fora. Agora está tudo limpo e estruturado", aponta.
As obras de restauração duraram mais de um ano e tiveram investimento de R$ 1,3 milhão oriundos da iniciativa privada, sendo as obras supervisionadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), assim como as pesquisas arqueológicas que as antecederam. Além de reforçar os muros para evitar que caíssem, a estrutura interna recebeu uma camada de reboco simulando a que se usava na época da inauguração da igreja. Estruturas de metal ajudam simular parte da estrutura original que desabou e também compõem uma escada que leva a um mezanino, onde se pode ter uma vista do alto da nave da igreja.
A restauração das ruínas de Queimado é o marco mais importante de um processo que ainda não terminou. Num segundo momento ainda serão construídos uma guarita, estacionamento, banheiros e um centro pedagógico com salas e auditório. A sinalização das trilhas do entorno e a restauração do espaço do antigo cemitério ainda são processos a serem feitos. A implantação do modelo de governança e projeto pedagógico também ajudarão a sinalizar como vai ser de fato o uso e a se vai haver uma política pública de fato para o local que ficou tanto tempo abandonado e esquecido pelo poder público, pese sua importância histórica.
A instalação de energia elétrica feita pela prefeitura favorece as atividades, já que antes tudo tinha que ser feito levando gerador próprio. Segundo Madalena, a intenção do Fórum Chico Prego é construir um calendário anual de atividades a serem realizadas no local para além da data de 19 de março, quando já acontece tradicionalmente a caminhada e celebração, que podem também ser tombadas como patrimônio imaterial.
A insurreição de Queimado ocorreu em 1849, na ocasião da inauguração da igreja, quando os negros escravizados que trabalharam na construção do templo se rebelarem após saberem que não teriam a alforria que lhes havia sido prometido em troca do trabalho. O movimento foi reprimido e debelado em poucos dias, tendo líderes como Chico Prego e João da Viúva presos e executados. A exceção foi Eliziário Rangel, a única das lideranças que conseguiu fugir e se aquilombar nas matas da região.
Fonte: https://www.seculodiario.com.br/cidades/prefeitura-da-serra-inaugura-ruinas-de-queimado-restauradas
As ruínas estão localizados numa região rural e isolada na Serra. Foto: Vitor Taveira
Vista de cima do mezanino construído dentro da Igreja. Foto: Vitor Taveira