Um movimento, uma escola, um estilo... O que foi esta escola alemã fundada na depressão após a Primeira Guerra mundial, que se tornaria o maior fenômeno da arquitetura e design do século XX? Bauhaus foi a primeira escola de design no mundo e disseminou o que hoje parece natural: a combinação de beleza e funcionalidade. Uma viagem pela história da Bauhaus é estilo, modernidade e ideologia, que pode estar em sua sala de estar...
BAUHAUS (casa da construção) é a inversão do termo HAUSBAU (construção da casa). Este neologismo, criado por Walter Gropious (1883-1969), foi destinado a dar nome a uma escola, ou mais, um programa que criara em 1919. Gropious fazia referência à Bauhütte, loja ou centro das corporações de construtores na Idade Média. A Idade Média via na catedral uma união entre a vida e a arte e com a mesma proposta de Gropius em 1919,isto é, de divulgar boas novas. Gropius fundou a Bauhaus, que possuía princípios fundamentais:
“Assim foi fundada a Bauhaus. Seu escopo científico era concretizar uma arquitetura moderna que, como a natureza humana, abrangesse a vida em sua totalidade. Seu trabalho se concentrava principalmente naquilo que hoje se tornou uma necessidade imperativa, ou seja impedir a escravização do homem pela máquina, preservando da anarquia mecânica o produto de massa e o lar, insuflando-lhes novamente sentido prático e vida. Isto significa o desenvolvimento de objetos e construções projetados expressamente para a produção industrial. Nosso alvo era o de eliminar as desvantagens da máquina, sem sacrificar nenhuma de suas vantagens reais (GROPIUS; WALTER, 2001, p30)”
Em 1923, a proposta da Bauhaus foi divulgada em uma vasta exposição, cuja proposta podia ser resumida em “Arte e técnica, uma nova unidade”. Esta exposição foi chamada de “Staatliches Bauhaus”. A Bauhaus foi dividida em dois setores de ensino: a Academia de Arte Pictórica e a Academia de Artes e Ofícios. O principal objetivo era acumular um maior número de pessoas em pouco espaço, provendo moradias para os sobreviventes de guerra em 1932. Neste ano, nenhum outro país construiu mais moradias populares erguidas com dinheiro proveniente de impostos em sua maioria.
A Bauhaus tinha como princípio não somente propor uma nova estética, mas também de promover uma mudança social com modernidade e inteligência de projetos e recursos. A Escola era norteada por três princípios:
1. Direcionamento da nova arquitetura para os trabalhadores; 2. Rejeição a todos os objetos e adereços burgueses; 3. Retorno aos princípios básicos da arquitetura ocidental, definindo uma forma clássica de moradia social racional.
A mentalidade racionalista da época preconizava a máxima “A forma segue a função”, segundo a qual o ornamento não tinha mais lugar à funcionalidade do objeto. Assim propôs Adolf Loos, em 1908, no livro “Ornamento e Crime”, onde a honestidade da forma é a meta da criação. Assim, dá-se ênfase à forma (Gestalt) e formação da forma (Gestaltung); Ocorre uma supremacia da arquitetura sobre o design. A cidade era considerada como um sistema de comunicação intersubjetiva, onde tudo está em função dos espaços habitáveis, assim também os objetos. Tudo estava centrado na arquitetura como método de construção do maior ao menor dos objetos. Para viver civilizadamente deveria haver uma racionalidade das grandes às pequenas coisas.
A Bauhaus estabeleceu uma interligação com todo tipo de arte, até as consideradas “inferiores”, como cerâmica, tecelagem e marcenaria e preconizava o uso de desenhos autênticos e texturas inovadoras. O uso de novos materiais pré-fabricados e móveis em aço, sempre funcionais foi uma marca da Bauhaus, que marcava seus projetos com simplificação de volumes, geometrização das formas e predomínio de linhas retas. As paredes deveriam ser lisas, geralmente brancas, abolindo a decoração, que era vista como burguesa. Utilizavam-se ainda cores neutras como bege, cinza e preto na composição de ambientes. As coberturas deveriam ser planas, transformadas em terraços quando possível. Coberturas e fachadas possuíam linhas horizontais, sendo frequente fachadas em vidro. As janelas eram amplas, em fita muitas vezes e havia uma tendência a abolir paredes internas.
Seguindo a arquitetura, os objetos deveriam possuir uma qualidade de material e funcionalidade associada a harmonia em sua forma. A inovação dos objetos aliando vanguardas artísticas não era uma novidade, mas a Bauhaus levou ao ponto de elaborar objetos como obras artísticas que seriam reproduzidas por serem elementos de educação estética da sociedade. Tudo era analisado, observado e desenhado, podendo ser transformado em projeto. A Bauhaus, com todas estas inovações na arquitetura e design, bem como no ensino de novos arquitetos, fundou a “Era Funcionalista”, propondo durante 14 anos uma nova cultura ao homem e seu ambiente e partilhava com a República Alemã um desejo de renovação. Antes do fechamento da Escola por Adolf Hitler em 1933 a Escola passou por diferentes diretores e três fases que foram marcadas por diferentes características e propostas.
A primeira fase da Bauhaus ocorreu de 1919 a 1923, logo após sua criação, na época de Weimar. Nesta época, seu pai espiritual Gropius escreve em seu manifesto de fundação, estabelecendo que a meta de toda atividade plástica é a construção e a decoração e estas são as tarefas mais nobres das artes. A arte deveria, assim, integrar-se à arquitetura. A produção artesanal foi vangloriada e a Escola foi um catalisador de atitudes inteiramente novas em relação à existência. Repudiava-se o espírito acadêmico e, já na sua criação, a Bauhaus valorizava um método pedagógico não convencional. Durante esta fase a evidência da importância arte foi marcada e nomes ilustres da arte foram professores da Escola na época como Wassily Kandisnky e Paul Klee.
A segunda fase da Bauhaus ocorreu de 1923 a 1928 e, em 1926, a escola se estabelece em Dessau. A escola leva ao apogeu a valorização das necessidades humanas e estabelece o funcionalismo, a estética “clean” e funcional. A escola foi coordenada por Hannes Meyer (1889-1954) que, apesar de arquiteto, valorizou o conforto e evidenciou o design industrial na Bauhaus. O construtivismo do húngaro Lazlo Maholy-Nagy também dominou a Escola nesta fase, contribuindo para que arte e tecnologia convivessem harmonicamente sem traumas. O artesanato se prestava a fazer modelos para fabricação industrial. A pesquisa deveria ser rentável e as oficinas de ferro e vidro tornam-se ateliers de produção. Em 1927 Hennes Meyer funda sua Escola de Arquitetura, que foi dirigida por ele mesmo até 1930.
A terceira fase da Bauhaus ocorreu de 1928 a 1933 e foi marcada por modificações que Meyer fez no currículo da Escola, acrescentando aulas de psicologia, economia, sociologia, biologia e marxismo. Com isso, foi fechada a oficina de teatro e foram reorganizadas todas as outras oficinas da Escola. As antigas características da Escola desapareceram e esta passou a ser mais científica e politizada, pois as oficinas eram usadas como foco de atividades políticas de estudantes marxistas, fazendo, assim com que a Escola sofresse pressões do governo e da cidade onde estava situada. Muitos artistas importantes deixaram a Bauhaus nesta época dentre eles Schlemmer, Klee, Mohogy-Nagy. Meyer acabou deixando a Bauhaus em 1930 por pressões políticas, deixando a Escola aos cuidados de Mies van der Rohe (1886-1969). Assim, se segue uma fase marcada pela tentativa do arquiteto Mies de salvar a Bauhaus do extremismo marxista de Hannes Meyer, ou recuperar seu projeto inicial, conciliando forma, função e espiritualidade, através de uma rigorosa preocupação com a arquitetura. Mies foi o criador da frase “menos é mais” e foi o último diretor da Escola, famoso por usar muito vidro e aço em seus arranha-céus. Neste período todos os gêneros artísticos e de artesanato foram deixados em segundo plano, não caracterizando mais a antiga Escola que unificava todas as artes. A Bauhaus era, nesta época, era uma escola superior de arquitetura e design. Em 1932 a Bauhaus foi obrigada a mudar para Berlim, por motivos políticos novamente, continuando seus trabalhos em uma condição adversa.
Em 1933 a Escola sofria graves pressões do governo e acabou sendo fechada por Hitler, porem no decorrer das décadas seguintes, a Escola tornou-se o aspecto central da atividade configurativa, tornando-se uma “Escola da Vida” devido a sua filosofia construtiva em comum, que era pregada em seus métodos. Esta identidade comum e vida comunitária integral fizeram que o fervor missionário da Escola se espalhasse pelo mundo rapidamente em seu tempo. A Bauhaus marcou o modernismo na arquitetura e no design e seus próprios métodos de ensino deveriam estar relacionados às propostas de mudanças nas artes e no design propostas pela Escola. A Bauhaus de Weimar é uma das melhores Universidades da Alemanha atualmente, ensinando arquitetura e diversos ramos de arte, como design, música, dentre outros. Vemos cerca de cem anos depois da fundação da Bauhaus, sua filosofia de criação e tendências nas linhas funcionais e limpas dos produtos da Apple desde o primeiro logo do MacOS até a mais recente linha de produtos de alta tecnologia da empresa. Vemos marcas da Bauhaus em cidades planejadas como Brasília e em outras obras de muitos arquitetos ilustres como o brasileiro Oscar Niemeyer. A Bauhaus ainda está nas mobílias de Florence Knoll, que acrescentou um toque americano ao design da Bauhaus e produziu as maiores e mais respeitadas mobílias que já existiram. A Cidade Branca de Tel Aviv também e uma marca da Bauhaus no mundo e seguem muitas outras, impossíveis de serem enumeradas.
A Bauhaus nasceu, mudou muito, foi fechada, reabriu e continua ditando tendências e propondo um design que não envelheceu. Propôs mudanças em conceitos sociais através da arquitetura, arte e funcionalismo de suas obras, que motivaram um século a pensar sobre o conceito de comunidade e espaço. Terminando esta viagem pela inovação e ousadia, ficamos com as duas principais metas da Bauhaus, ícones de uma era:
“Por um lado deveria atingir, pela integração de todas as artes e manufaturas debaixo do primado da arquitetura, uma nova síntese estética. Por outro deveria atingir, pela execução de produção estética, as necessidades das camadas mais amplas da população, obtendo uma síntese social” (BÜRDEK, 2010, p33)
Marina Baitello
Fonte: http://lounge.obviousmag.org/resumindo_e_substituindo_o_mundo/2014/08/bauhaus---um-seculo-de-explosao-meteorica-do-design-1.html
Imagens: do site