domingo, 17 de junho de 2018

Do Olímpico a casarões do Centro Histórico, Porto Alegre vê ruínas proliferarem

Imbróglios judiciais, proprietários sem recursos ou interesse e omissões do poder público são pano de fundo para uma Capital com cara de abandono

Seja para qual for o lado que o porto-alegrense se desloque, é grande a chance de ele deparar com edificações cujo estado de precariedade varia do abandono ao estágio final, de ruínas. Partindo do Centro Histórico, a poucos metros uma da outra, duas delas entopem a Rua Riachuelo, uma das principais artérias do bairro: a Confeitaria Rocco — que chega aos 105 anos somando mais de 20 de abandono — e a antiga Casa Azul, cujo risco de desabamento fez com que a calçada em frente fosse interditada há três semanas. Subindo pela Avenida Independência, casarões que abrigavam casas noturnas se tornaram portas cerradas, e pichações se espalham como uma infecção em curso. Já em direção ao sul da cidade, o Estádio Olímpico se tornou um enorme hematoma, com cada vez menos vida no seu entorno. Até dentro dos parques, há surpresas desagradáveis como os restos mortais do Café do Lago, na Redenção, hoje resumido a um deque pouco confiável e a um buraco escuro.

Por trás das fachadas depredadas, se multiplicam histórias de imbróglios judiciais, proprietários sem capacidade financeira (ou interesse) de resolver o problema e omissões ou mesmo ações infelizes do poder público que passam ao largo dos principais prejudicados: os cidadãos, que acabam influenciados pelo estado de abandono da cidade.

— Não importa que os prédios não sejam públicos. Quando eles entram em estado de degradação, a questão deixa de ser de direito privado. O direito à cidade é de todos, e a propriedade envolve uma responsabilidade. Quanto mais abandono estiver no entorno, mais as pessoas absorvem uma mensagem de "virem-se!" — declara Betânia Alfonsin, diretora do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e professora de Direito Urbanístico da Faculdade do Ministério Público.

Leila Mattar, professora de Arquitetura e Urbanismo da PUCRS, dedicou seu mestrado e doutorado a uma das regiões que percorreram todo o ciclo de apogeu, decadência e abandono: a Rua Voluntários da Pátria. De um bairro-cidade às margens do Guaíba, no final do século 19, a via foi descaracterizada pela vizinhança com a Avenida da Legalidade e da Democracia e sucumbiu. Leila alerta para um dos principais fatores na degradação da saúde de uma região:

— A demora é crucial. Quando uma região perde o uso, os imóveis ali perdem a sua finalidade inicial e são substituídos por usos marginais. Quanto mais tempo se passa entre uma região perder a sua vocação e ganhar uma nova, menor a chance de ela se recuperar.

A quase autópsia que Leila faz da Rua Voluntários da Pátria é uma doença em curso na Azenha, onde o que resta do Olímpico aguarda por uma solução entre o Grêmio e a construtora OAS, responsável pela nova casa do clube no bairro Humaitá. Usada como moeda de troca pelo clube para uma eventual compra do novo estádio, a entrega das chaves do Olímpico não tem data para ocorrer. Algo com que João e Marcelo dos Santos, pai e filho, sequer se preocuparam ao mudar a metalúrgica da família para os fundos do estádio, em 2013, último ano do Grêmio na região.

— Fui aos coquetéis realizados pela construtora e não existia essa preocupação de não ser demolido. Aliás, a única preocupação era se a implosão iria causar algum risco. Nas apresentações, tudo era muito bonito — declara João.

Passados quase cinco anos, as únicas portas abertas nos fundos do estádio são as da metalúrgica Qualiserv e de um minimercado — este, segundo o proprietário Antônio Viesseri, assaltado pela última vez há 20 dias. Um a um, os postes de rua deixaram de funcionar e nunca foram consertados. João se obrigou a comprar refletores para assegurar iluminação ao menos na fachada da empresa. Depois de fazer por conta a capina da rua, João cogita pintar o meio-fio. Todos os materiais do estádio que podiam ser furtados e revendidos se foram. 

Respiro em meio ao caos 

De volta a Porto Alegre há 15 dias, depois de uma temporada em Londres, o professor Benamy Turkienicz, coordenador do Núcleo de Tecnologia Urbana da UFRGS, conta uma experiência que viveu no Exterior:

— Uma inspetora da administração do distrito onde eu vivia pediu autorização para entrar na minha residência e verificar uma denúncia. O meu vizinho de trás teria deixado um fio solto nos fundos do prédio — conta Turkienicz. — Quando você tem a quem recorrer quando acontece esse tipo de problema e aquele órgão tem a obrigação e um prazo para te dar retorno, você denuncia. Me preocupa chegarmos ao ponto em que a cidade está, tão degrada que ninguém reclama mais.

O professor, no entanto, demonstra otimismo com iniciativas pontuais em Porto Alegre como o Quarto Distrito, no bairro Floresta, cujo plano de revitalização — o Masterplan — ele coordenou. Prestes a se reunir com a gerência de Relações Internacionais da prefeitura, na sexta-feira, para debater os rumos do projeto, Turkienicz enxerga na região os primeiros remédios de uma revitalização bem sucedida. Como o engajamento da comunidade, nos novos bares e espaços de convivência, e a "reconvenção funcional" dos espaços da região.

— Quando uma região perde a sua vocação, você precisa estudar novas rapidamente e se basear no que há perto dali. Por exemplo, o aeroporto. Essa mesma Fraport, empresa que passou a administrar o Salgado Filho, costuma ter interesse em empreendimentos no entorno dele. Em Frankfurt, ela tem um hospital perto do aeroporto por onde circulam mais de 80 mil pessoas por ano. Por que não algo assim? Quando o poder público não tem recursos, ele precisa ser facilitador, buscar financiadores e incentivar a participação popular, inclusive nas ideias.

Professora de Arquitetura e Urbanismo da PUCRS, Cibele Figueira faz coro. Mais do que chamar a população a ter ideias, sugere que ela comece com um olhar mais carinhoso para espaços que já pertencem ao poder público.

— Tenho uma aluna que realizou um projeto incrível na Cidade Baixa ao longo da José do Patrocínio de fora a fora. Envolvia o Largo Zumbi dos Palmares, aquele terreno do DEP próximo à Rua da República e terminava lá nos fundos da EPTC. Três terrenos enormes e públicos. É esse tipo de ideia que precisa florescer. Precisamos sonhar mais alto.

Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2018/06/do-olimpico-a-casaroes-do-centro-historico-porto-alegre-ve-ruinas-proliferarem-cjiglhuh60gwe01qozji92w5m.html


















O que resta do Estádio Olímpico aguarda solução entre o Grêmio e a OASRobinson Estrásulas / Agencia RBS


















Casa Azul fez Riachuelo ser interditada
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Antes um dos mais charmosos endereços da Capital, Café do Lago virou só restos da estrutura
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Confeitaria Rocco: mais de 20 anos de abandono
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Construções deterioradas na Avenida Independência
Robinson Estrásulas / Agencia RBS

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