segunda-feira, 29 de julho de 2019

Mergulho sob as pirâmides: sarcófago de faraó negro de 2 mil anos está submerso e parece intocado

Com mais de 20 pirâmides antigas ao longo de 68 hectares do deserto sudanês, talvez Nuri seja o sítio arqueológico mais incrível do qual já se ouviu falar.

EM ALGUM LUGAR ABAIXO DA superfície de uma área do tamanho de uma piscina infantil e repleta de água lamacenta encontra-se a entrada para a tumba de 2,3 mil anos de um faraó chamado Nastasen. Se eu inclinar meu pescoço bem para trás, consigo reconhecer o flanco oriental de sua pirâmide surgindo quase três andares acima de mim.

É uma manhã escaldante no deserto ao norte do Sudão, a terra de Núbia na época dos faraós. O suor pinga na máscara de mergulho em volta do meu pescoço conforme dou um jeito de descer por uma escadaria antiga e estreita no meio do leito rochoso.

Lanternas à prova d’água em cada punho e um cinto que pesa mais de nove quilos pendurado a meu peito em estilo militar. Um tubo de oxigênio de emergência, menor que um spray para cabelo, está desconfortavelmente preso à minha lombar.

Na parte debaixo da escada, o arqueólogo e bolsista da National Geographic Pearce Paul Creasman está em pé, com a água lamacenta na altura do peito. “Hoje está bem fundo”, ele avisa. “A primeira câmara estará totalmente inundada”.

Eu e Creasman temos formação em arqueologia subaquática, então quando eu soube que ele tinha recebido uma bolsa para explorar antigas tumbas submersas, lhe telefonei e pedi para ir junto. Algumas semanas antes da minha chegada, ele entrou na tumba de Nastasen pela primeira vez, nadando pela primeira câmara, depois pela segunda e chegando à terceira e última sala, onde, muitos metros abaixo da superfície da água, viu algo parecido com um sarcófago real. O caixão de pedra parecia fechado e intacto.

Agora, Creasman desaparece dentro da água e ressurge com uma grade de aço usada para fechar a entrada da tumba. Aparentemente não é maior do que um aparelho de televisão grande.

“Esse é o tamanho da passagem”, anuncia ele. “É todo o espaço que vocês têm para entrar e sair da tumba”.

Mergulhar com tanques de oxigênio é muito complicado em um espaço tão apertado, por isso ficaremos conectados a mangueiras de 45 metros que nos fornecerão ar a partir de uma bomba barulhenta, que funciona à gasolina.

“Vou primeiro e puxo a mangueira para dentro”, diz Creasman. “Se eu não vir vocês daqui a cinco minutos, voltarei para encontrá-los”.

Concordo com a cabeça e me viro para olhar a antiga escada, onde, contra o sol nascente, se projeta a silhueta de Fakhri Hassan Abdallah, inspetor da Corporação Nacional de Antiguidades e Museus do Sudão. Ele faz um sinal de positivo para mim e sorri. Coloco o regulador de mergulho na boca. Está na hora de mergulhar sob as pirâmides.
As pirâmides de Nuri

A tumba submersa de Nastasen está situada onde era Nuri, que se estende a mais de 68 hectares de areia perto da margem leste do Rio Nilo, no norte do Sudão. Visto de cima, o que se destaca é uma cadeia de cerca de 20 pirâmides construídas entre 650 a.C. e 300 a.C. que parecem pedras preciosas formando um delicado colar.

Essas pirâmides representam os túmulos da realeza cuxita, os “faraós negros” que eram vassalos na região sul, rica em ouro do império egípcio, mas que emergiram de sua própria força durante o caos político que se seguiu ao declínio do Novo Reino. Desde aproximadamente 760 a.C. até 650 a.C., cinco faraós cuxitas governaram todo o Egito, da Núbia até o Mar Mediterrâneo, iniciando programas de construção ambiciosos Nilo acima e abaixo e reavivando práticas religiosas de um império egípcio bem mais antigo — incluindo a construção de pirâmides, nas quais os reis eram enterrados.

A maior e mais antiga pirâmide em Nuri pertence ao seu residente mais famoso: o faraó Taharqa, um rei cuxita que, no século 7 a.C. convocou suas tropas para a região norte de seu império a fim de defender Jerusalém dos assírios, rendendo-lhe uma menção no Antigo Testamento. George Reisner, egiptólogo de Harvard, visitou Nuri um século atrás para escavar as câmaras sepulcrais sob a grande pirâmide de Taharqa.

A equipe de Reisner também mapeou os monumentos funerários de Nuri, os quais incluem mais de 80 túmulos cuxitas — com aproximadamente um quarto deles sob suas pirâmides de arenito. Suas notas de campo mostram que muitas das tumbas encontradas por ele já estavam inundadas pela água subterrânea penetrando a partir do Nilo, que está nas proximidades, fazendo com que a escavação tradicional seja perigosa ou impossível.

Reisner nunca publicou os resultados de seu trabalho (um colaborador reuniu o pouco que foi documentado em um relatório publicado em 1955) e Nuri foi ignorada por quase um século. De forma precipitada — e incorreta — o arqueólogo de Harvard havia declarado que os reis cuxitas eram inferiores do ponto de vista racial e suas conquistas eram uma herança das tradições egípcias mais antigas.

Depois, em 1922, a descoberta da tumba de Tutankamon transferiu a atenção do público para o Vale dos Reis, a mais de 800 quilômetros Nilo acima, em Luxor. Nas décadas seguintes, Nuri parecia ser um sítio muito grande e complicado de se lidar. Muitas de suas tumbas estavam provavelmente submersas e, antes, ninguém nunca havia tentado praticar arqueologia subaquática no Sudão. Além disso, a antiga Núbia — atualmente o norte do Sudão — tinha vários outros sítios incríveis que deixariam os arqueólogos ocupados pelos anos seguintes.

De acordo com as notas de campo que Reisner fez há um século, sua equipe localizou e escavou a escada talhada em pedra que levava às câmaras sepulcrais sob a pirâmide de Nastasen. Um dos funcionários de Reisner entrou na tumba e, provavelmente nervoso com a água na altura dos joelhos, seguiu apressadamente até a terceira e última câmara. Lá, ele cavou um poço pequeno no canto e coletou um punhado de shabtis — pequenas estatuetas mágicas cuja tarefa era atender as necessidades do defunto após a morte. A equipe de pesquisa deixou Nuri e, por décadas, a tumba de Nastasen e a escada pela qual se chega até ela foram enterradas novamente pelas areias do deserto.

A equipe de Creasman passou a temporada de campo de 2018 e parte da temporada de 2019 escavando a escada. Ele chegou à abertura da tumba em janeiro deste ano e descobriu que a entrada agora estava totalmente submersa pela água, muito provavelmente, devido ao nível da água subterrânea que não para de subir em decorrência da alteração climática natural e induzida pelos seres humanos, da agricultura intensa perto do local e da construção de represas modernas ao longo do Nilo.
Pistas fascinantes

Quando cheguei a Nuri, Creasman havia reforçado a estreita abertura da tumba com uma grade de metal para evitar que as rochas desmoronassem e prendessem os mergulhadores nas câmaras abaixo da pirâmide. Pego impulso na grade e entro na primeira câmara. Como Creasman já havia alertado, a água chega ao teto. Cada movimento levanta uma nuvem de sedimento ultrafino que quase me impossibilita de enxergar o que está à minha frente.

Vou tateando a câmara, que tem o tamanho de um ônibus, nadando em círculos, até finalmente emergir na segunda câmara. Lá, o teto desmoronou, criando espaço para um grande bolsão de ar. Encontro Creasman içando bolsas com equipamentos em uma pilha de escombros secos e colocando lanternas em vasilhas de plástico que ondulam suavemente na água e iluminam a escuridão. Latas vazias de Red Bull servem como boias para uma corda de segurança que vai do fundo da tumba até a entrada.

Nadando através de uma abertura na rocha baixa e arredondada, entramos na terceira câmara. O sarcófago de pedra abaixo de nós é visível à luz fraca — uma visão emocionante — e identificamos o poço que foi cavado às pressas pelo nervoso funcionário de Reisner um século atrás. Nessa fase inicial do projeto, os objetivos de Creasman são demonstrar a segurança do sistema de fornecimento de ar, compilar medições básicas e escavar por completo o “poço de Reisner” para ver o que havia sido deixado para trás. Espiar dentro do sarcófago de pedra somente será possível no próximo ano.

Mas há pistas fascinantes de que a água subterrânea impediu que os ladrões de túmulos saqueassem a tumba de Nastasen. À medida que escavamos o poço de Reisner — enchendo baldes de plástico com sedimento, levando-os a nado para a segunda câmara cheia de ar, despejando o sedimento em uma peneira para encontrar artefatos — descobrimos folhas de ouro puro da espessura de um papel que provavelmente cobriam estatuetas preciosas, as quais se dissolveram na água há muito tempo. Essas estatuetas douradas seriam alvos fáceis para saqueadores e sua permanência é um sinal claro de que a tumba de Nastasen ficou essencialmente intocada.

Em nosso mergulho final, Creasman e eu flutuamos na água em silêncio na câmara posterior da tumba, pairando sobre o que pode muito bem ser o sarcófago intacto de Nastasen. Conversamos sobre a meta da equipe para 2020: escavar as câmaras sepulcrais de 2,3 mil anos submersas do faraó. É um objetivo audacioso e um enorme desafio logístico, mas Creasman está otimista.

“Acredito que finalmente temos a tecnologia para conseguir contar a história de Nuri, para preencher as lacunas do que aconteceu aqui”, afirma ele. “É um marco na história da qual sabemos tão pouco. É uma história que merece ser contada".






Vista da necrópole real núbia, em Nuri, com a pirâmide do Rei Siaspiqa (r. 487– 468 a.C.), o primeiro plano.
FOTO DE ROBBIE SHONE, NAT GEO IMAGE COLLECTION

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