No final de uma dura e poeirenta estrada no deserto do Saara, encontramos uma cidade praticamente engolida pelas areias do deserto, estamos em Chinguetti na Mauritânia, África Ocidental. A maioria das casas já se encontram abandonadas e à mercê dos poderosos elementos, entre eles o vento que sopra quente arrastando consigo milhares de milhões de pequenos grãos de areia. Mas é também aqui que se encontram algumas das mais antigas bibliotecas e livros do mundo.
Calcula-se que o deserto do Saara avance para sul a uma velocidade média de 30 milhas por ano (mais ou menos 50 quilómetros). Caso não exista uma intervenção humana constante, é possível que fique enterrada na areia em pouco mais de duas gerações. Mas Chinguetti é mais do que uma cidade semi abandonada no meio do deserto, pois aqui estão bibliotecas com alguns dos mais raros livros do planeta. Em tempos idos, levados na memória do vento, Chinguetti foi uma próspera metrópole medieval que chegou a ter no seu auge cerca de 20.000 habitantes. Era a casa de um dos mais importantes centros de estudos multidisciplinares, onde eram estudadas matérias de direito, matemática, ciências, religião, medicina, e astronomia. Na Europa vivia-se uma era negra e obscura, conhecida como Idade das Trevas, que castrava quem tivesse vontade de beber conhecimento e onde imperava a lei da religião acima de todas as outras, mas aqui, neste canto da África Ocidental, encontravam-se os mais variados pensadores, estudiosos e religiosos.
Não era ao acaso que isto sucedia, pois ficava numa das antigas rotas de peregrinos a caminho de Meca. Os peregrinos islâmicos paravam aqui para descansar e retemperar energias, mas também para discutir, trocar ideias e mercadorias. Durante algum tempo chegou a ganhar estatuto de local santo do Islão, e por mérito próprio ficou conhecida como a "Cidade das Bibliotecas".
Hoje, infelizmente pouco resta desses esplendorosos tempos, sendo pouco mais do que um conjunto de ruas semi desertas com pequenos casebres de barro. Mas são estes casebres de barro, que têm como missão guardar os cerca de 6 mil livros antigos, grande parte deles em condições impressionantes de conservação tendo em conta a dureza dos elementos. Mas estes não são livros comuns, a maioria deles é século do IX (9).
Parece incrível, mas até à pouco mais de 60 anos, nos anos 50 do séc XX, existiam em Chinguetti mais de 30 bibliotecas familiares. Mais uma vez a dureza dos elementos, principalmente as secas rigorosas, fizeram com que famílias inteiras procurassem outras paragens, muitos procurando cidades com mais condições de habitabilidade e abandonando a vida do deserto, mas ao partirem levaram também os seus livros (muitos deles passados de geração em geração).
Actualmente restam menos de 10 bibliotecas nesta velha cidade, estas ainda se vão mantendo graças a alguns estudiosos e turistas que as visitam e deixam uma (preciosa) ajuda monetária para a conservação dos livros. Os livros não saem de Chinguetti nem para serem restaurados (salvo raras excepções).
De entre estes manuscritos, encontram-se alguns dos mais importantes e antigos escritos islâmicos, com tratados sobre religião, literatura ou ciências. Os livros foram escritos em pele de gazela e encontram-se protegidos por capas de pele de cabra.
A mais importante e rica destas bibliotecas é considerada das mais antigas de todo o Islão, e pertence à família de Mohammed Habbot. São cerca de 1.600 livros, e mesmo tendo uma localização inusitada, a esta biblioteca não faltam armários de ferro onde estão alojados os livros, assim como várias secretárias de leitura.
O restante das outras bibliotecas que ainda existem em Chinguetti, nada mais são do que cápsulas do tempo da idade média, muitas mantendo-se da mesma forma como foram inicialmente construídas. Muitos destes livros encontram-se em prateleiras abertas e vulneráveis aos duros elementos do deserto. Infelizmente as mudanças climatéricas não estão apenas a afectar o armazenamento dos livros, sazonalmente aparecem cheias seguidas de épocas longas de seca e erosão severa, provocando o aumento da desertificação ambiental (mas também humana), que trazem consigo tempestades de areia mais frequentes e severas.
Uma das soluções para prevenir a deterioração destes livros, seria limitar o seu contacto com a luz e poeira, mas os moradores que ainda vivem em Chinguetti, têm no turismo uma das suas únicas fontes de rendimento. A subsistência humana está acima da preservação cultural, e em muitos casos os bibliotecários nómadas vêm-se obrigados a expor estes livros antigos para atrair alguns turistas, mesmo que desta forma os façam deteriorar-se ainda mais.
A UNESCO em 1996 tornou Chinguetti (cidade e bibliotecas) Património Mundial, reconhecendo a situação de risco da cidade e das suas bibliotecas. Pinturas que remontam à Idade da Pedra que existem perto de Chinguetti, retratando a região como um oásis de pastagens luxuriantes onde os animais selvagens proliferavam.
Infelizmente receio que as constantes mudanças climatéricas que assolam o deserto, assim como a turbulência política que assola muitas partes da África Ocidental, incluindo a Mauritânia (com um aumento dos raptos e extremismo por parte de alguns povos do deserto) afastem ainda mais os turistas, pondo em causa toda a subsistência dos bibliotecários do deserto.
Que o vento não seja o único a transportar as memórias escritas do deserto.
Fonte da matéria e das imagens:
© obvious: http://lounge.obviousmag.org/vida_alternativa/2014/08/no-final-de-uma-durissima.html#ixzz5xep419lR
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