Há apenas oito formações do tipo no Brasil e uma centena e meia no mundo. Conheça essa história extraordinária gaúcha e seu impacto na contemporaneidade
Para qualquer ponto cardeal que se olhe estendem-se as planícies, sem fim como um mar. São campos verdejantes e levemente ondulados, derramados por léguas incontáveis, cruzando a fronteira, avançando por Uruguai e Argentina. É assim o pampa.
No meio dessa larga monotonia surge num susto, sem coerência ou aviso, uma fileira de 11 morros de rocha alva torcida e retorcida, formando um arco de cinco quilômetros e que atinge os 200 metros de altura. Uma espigada aparição no oceano de gramíneas: eis o Cerro do Jarau.
Localizado em Quaraí, no oeste do Rio Grande do Sul, esse monumento de pedra reúne em si singularidade geológica, ressonância mitológica e riqueza histórica. Sua contrastante estranheza na geografia do pampa, descobriu-se há pouco, deve-se ao impacto de um meteoro, na era dos dinossauros. Muito depois, inspirou a lenda da teiniaguá, a "Salamanca do Jarau", alicerce do folclore gaúcho e tema de autores como João Simões Lopes Neto e Erico Verissimo. No século 19, tempo de revolução e guerras com os castelhanos, abraçou em seu regaço circular a estância-fortaleza de um dos caudilhos mais controversos do período farroupilha, o vira-casaca Bento Manuel Ribeiro.
A confirmação de que o cerro é um "astroblema" – ou seja, que surgiu a partir do impacto de um meteoro – veio nos últimos anos, pela mão de pesquisadores paulistas. Em 2014, a campinense Joana Sánchez, especialista em crateras de impacto, defendeu na Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) uma tese de doutorado que apontava essa origem, asserção reforçada por trabalhos de outros cientistas.
É uma descoberta e tanto.
Há apenas oito formações do tipo no Brasil e uma centena e meia no mundo. Atualmente professora do curso de geologia da Universidade Federal de Goiás, Joana, 37 anos, concluiu que o meteoro tinha 500 metros e trombou com o atual território quaraiense cerca de 65 milhões de anos atrás.
— Era raro cair um meteorito desse tamanho, e hoje em dia não acontece mais, porque a atmosfera da Terra ficou diferente. Quando chega à superfície, um meteoro está muito diminuído. No passado, eram eventos que causavam destruição geral no planeta. A extinção dos dinossauros, por exemplo, ocorreu pela queda de vários meteoritos, e um deles foi o que levou à formação do Cerro do Jarau — explica a geóloga.
Quando Joana começou sua investigação, que incluiu medições e análises geoquímicas, a origem espacial era uma suspeita, baseada na morfologia. Os morros formam um semicírculo e são, no pampa inteiro, a única serra levantada. Em uma zona só de pedra deitada, apresentam rochas com orientação vertical. São características sugestivas de um grande impacto.
O meteorito chocou-se no terreno de basalto e algum granito, explodiu e converteu-se em uma colossal nuvem de poeira. A temperatura e a pressão eram tão altas que as ondas de choque deformaram as rochas nas bordas – em um efeito parecido ao que se vê quando uma pedra é jogada na água. Formou-se uma cratera e, ao redor dela, levantaram-se os cerros.
— Mapeei a borda toda dessa estrutura e comprovei que é circular, com fraturas radiais, o que é uma das feições que caracterizam impacto. Encontrei várias estruturas muito deformadas, o que comprovava que ali houve uma coisa que em todo o redor não aconteceu. É uma deformação visível a olho nu. A rocha dobrou ali, e só ali — diz a professora.
Joana já estudou quatro dos oito "astroblemas" brasileiros e especializou-se no assunto, mas considera que o exemplar gaúcho tem algo de especial.
— O que eu acho lindo no Cerro do Jarau é que ele tem a lenda associada — explica.
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