Sob o
pretexto de reestruturar a Polícia Militar, o governo do estado do Rio de
Janeiro anunciou, na segunda-feira passada (21), a venda do terreno do Quartel
General da corporação na cidade à Petrobras, por R$ 336 milhões. Os papéis
ainda não foram assinados, mas a polêmica em torno da transação é grande, já
que o acordo implica na demolição imediata do imóvel do século XVIII para que
seja construído no espaço de 13,5 mil m² um arranha-céu. Além disso, a
venda do terreno público localizado na Lapa - Área de Proteção do Ambiente Cultural
(APAC) - não passou por aprovação ou discussão na Alerj, conforme exige a Lei de
Licitações. O desvio da norma inclusive incitou o Ministério Público
a investigar o processo.
Para além
das discussões sobre a obediência às leis do Estado ou o uso que será feito do
dinheiro gerado com a venda do terreno, a situação abre portas para que se
pense a maneira como a memória institucional é tratada no país. O historiador
Marcos Bretas, professor da UFRJ e especialista no assunto, diz que no Brasil,
em geral, não se tem interesse em preservar monumentos ligados à polícia ou às
Forças Armadas. “A grande pergunta é: o que se quer lembrar? Porque parece que,
depois dos governos militares, a história da polícia se confunde com a história
da repressão. Há uma tensão nestes lugares e a opção encontrada é sempre passar
uma borracha e esquecer o passado”. Uma forma menos dolorosa de lidar com a
memória.
Apagando
a história
Para o
pesquisador, um dos exemplos mais marcantes deste esquecimento foi a demolição
do presídio de Ilha Grande, em Angra dos Reis, em 1994. “Aquele foi um exemplo
claro de apagamento da história. A demolição foi quase uma vingança à ditadura
e aos torturadores políticos, mas o prédio era uma construção do início do
século XX que representa uma forma de como o Estado se organizava nessa área”.
No caso
dos batalhões do Rio de Janeiro – incluindo os de Botafogo, Leblon e Tijuca – o
fator da valorização imobiliária do terreno pesa na hora de se levar em conta a
preservação ou não dos imóveis como centros de referência para a história da
polícia. Em nota emitida pela assessoria de imprensa do governo, o caso
inclusive é citado como um dos fatores que possibilitam a reestruturação dos
aparatos da PM no estado. “O objetivo do projeto é dotar a Polícia Militar de
instalações modernas e mais adequadas a seu trabalho. Como a atual sede do QG
está situada em terreno de alto valor de mercado, essa venda, após
concretizada, permitirá a entrada de recursos financeiros que serão utilizados
na viabilização de uma nova sede administrativa”.
Mas não
há como modernizar e ao mesmo tempo preservar? “Não se pode preservar tudo,
claro, a memória é uma seleção, mas também não dá para se desfazer de todos os
batalhões históricos da polícia”, comenta Bretas. Para ele, uma opção melhor
seria criar algum museu que concentrasse a história da corporação em alguns dos
prédios, ainda que se optasse por demolir os outros. Seria um meio termo
necessário.
Proteção
do patrimônio
Mas nem
tudo está perdido. Como foi dito, a venda não foi oficializada e dois projetos
de tombamento do QG estão correndo – um movido pelo vereador Carlo Caiado (DEM)
na Câmara; e outro pelo deputado Paulo Ramos (PDT) na Alerj – ambos políticos
de oposição ao governo peemedebista estadual e municipal. Os projetos serão
votados na semana que vem e têm o apoio da Associação de Policiais Militares do
Rio de Janeiro (AME/RJ) que, em março passado, enviou um ofício aos
legisladores falando sobre a importância administrativa e histórica do prédio
para a PM. “A iniciativa tem por fim a preservação de um patrimônio de
características arquitetônicas únicas, cujo valor histórico e cultural
paraleliza a importância estratégica-funcional que sempre representou o
referido prédio”, diz o documento assinado pelo presidente da AME/RJ, Carlos
Belo.
De
hospício à QG
Ocupando
um quarteirão inteiro na rua Evaristo Veiga, 78, o Quartel General da PM do Rio
nasceu como uma hospedaria de frades italianos, em 1740. Em 1828, passou a ser
o Quartel de Granadeiros, tornando-se Comando-Geral dos Guardas Permanentes da
Corte, poucos anos depois. Foi do pátio interno de onde saiu o 31º Corpo de
Voluntários da Pátria para lutar na Guerra do Paraguai. Nos anos 80 do século
XIX, D. Pedro II incentivou a construção da Capela de Nossa Senhora das Dores
no interior da sede, espaço de culto que funciona até hoje – e que recebeu a
promessa do governo de permanecer de pé, quando o prédio ruir. Sobre os
fantasmas do passado será erguido um prédio imponente, para concentrar os
funcionários da Petrobras, distribuídos em diversos prédios alugados pela
cidade.
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