segunda-feira, 29 de julho de 2013

Os proibidões da rainha

Livros raros da Biblioteca de D. Maria I estão sendo recuperados. Mesmo após sofrerem censura, títulos sobreviveram nas estantes da realeza

Janine Justen

Uma Bíblia em espanhol, quando não era permitido traduzi-la para nenhum outro idioma além do latim; editais de censura do Rei José I, pai de D. Maria I (“A Louca”); um livro de páginas em branco; e até uma lista forjada de livros proibidos: estas são algumas das misteriosas obras censuradas pela monarquia portuguesa, no período de 1777 a 1816, que ficaram sob a guarda da rainha D. Maria I e que agora estão sendo recuperadas pelos serviços de restauração da Biblioteca Nacional (BN).
“A ideia é resgatar a figura de D. Maria I e dos livros proibidos que sobreviveram à biblioteca privativa da família real portuguesa”, afirma a pesquisadora Ana Virgínia Pinheiro, chefe da Divisão de Obras Raras da BN, que conta, no total, com 20 publicações em reparo. Segundo a pesquisadora, as normas de recolhimento e não circulação de determinadas obras serviam para qualquer um, menos para o governante.
“Era proibido, mas a rainha podia... Era um capricho dela ter a guarda desses livros”, explica a pesquisadora, destacando a importância das relações de poder na época da monarquia. “Ocupando a posição de mais alto status, o soberano precisaria conhecer todos os livros que foram publicados um dia e estar ciente de todas as opiniões possíveis de seus súditos”, complementa Ana Virgínia.
Especialista em História da Literatura pela Uerj, Marcus Motta destaca a importância de se preservar esse acervo, como num movimento em contracorrente à modernidade, cuja fluidez das informações pode se perder no ambiente digital. “Esse é o lugar de uma consciência histórica como pressentimento de uma responsabilidade que escapa da rapidez do nosso mundo. É uma questão de memória”, defende o professor.
O estado dos livros, porém, requer cuidado. “Alguns sequer estão identificados por selos oficiais e o desgaste pelo tempo é predominante”, alerta Virgínia, frisando a importância dos títulos encontrados. “Um bom exemplo é Crônica de Nuremberg que, além do nosso, conta apenas com mais um exemplar publicado em primeira edição no mundo inteiro”, completa.
Segundo Marcus Motta, esta ainda é uma preocupação peculiar de centros de memória, mas que deveria ser de todos nós. “Toda geração precisa, ou é convocada, a reescrever a História. Preservando as obras, preservamos a insistência do passado. Tudo deve ser novamente questionado, perguntado, querido e criado como nosso, mesmo que muitos não queiram, por hora, emprestar suas escutas”, conclui o professor. (Janine Justen)

Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/por-dentro-da-biblioteca/os-proibidoes-da-rainha 



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