Livros raros da Biblioteca de D. Maria I estão sendo recuperados. Mesmo após sofrerem censura, títulos sobreviveram nas estantes da realeza
Janine Justen
Uma Bíblia em espanhol, quando não era permitido traduzi-la para
nenhum outro idioma além do latim; editais de censura do Rei José I, pai
de D. Maria I (“A Louca”); um livro de páginas em branco; e até uma
lista forjada de livros proibidos: estas são algumas das misteriosas
obras censuradas pela monarquia portuguesa, no período de 1777 a 1816,
que ficaram sob a guarda da rainha D. Maria I e que agora estão sendo
recuperadas pelos serviços de restauração da Biblioteca Nacional (BN).
“A ideia é resgatar a figura de D. Maria I e dos livros proibidos que
sobreviveram à biblioteca privativa da família real portuguesa”, afirma a
pesquisadora Ana Virgínia Pinheiro, chefe da Divisão de Obras Raras da
BN, que conta, no total, com 20 publicações em reparo. Segundo a
pesquisadora, as normas de recolhimento e não circulação de determinadas
obras serviam para qualquer um, menos para o governante.
“Era proibido, mas a rainha podia... Era um capricho dela ter a guarda
desses livros”, explica a pesquisadora, destacando a importância das
relações de poder na época da monarquia. “Ocupando a posição de mais
alto status, o soberano precisaria conhecer todos os livros que
foram publicados um dia e estar ciente de todas as opiniões possíveis
de seus súditos”, complementa Ana Virgínia.
Especialista em História da Literatura pela Uerj, Marcus Motta destaca a
importância de se preservar esse acervo, como num movimento em
contracorrente à modernidade, cuja fluidez das informações pode se
perder no ambiente digital. “Esse é o lugar de uma consciência histórica
como pressentimento de uma responsabilidade que escapa da rapidez do
nosso mundo. É uma questão de memória”, defende o professor.
O estado dos livros, porém, requer cuidado. “Alguns sequer estão
identificados por selos oficiais e o desgaste pelo tempo é
predominante”, alerta Virgínia, frisando a importância dos títulos
encontrados. “Um bom exemplo é Crônica de Nuremberg que, além do nosso, conta apenas com mais um exemplar publicado em primeira edição no mundo inteiro”, completa.
Segundo Marcus Motta, esta ainda é uma preocupação peculiar de centros
de memória, mas que deveria ser de todos nós. “Toda geração precisa, ou é
convocada, a reescrever a História. Preservando as obras, preservamos a
insistência do passado. Tudo deve ser novamente questionado,
perguntado, querido e criado como nosso, mesmo que muitos não queiram,
por hora, emprestar suas escutas”, conclui o professor. (Janine Justen)
Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/por-dentro-da-biblioteca/os-proibidoes-da-rainha
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