Reportagem do site Defender:
Dois museus na Bahia se tornaram ícones do abandono, mas têm promessas de investimentos para restaurar seus prédios e acervos.
Dois museus na Bahia se tornaram ícones do abandono, mas têm promessas de investimentos para restaurar seus prédios e acervos.
Ele nasceu 428 anos atrás. Ele viu as sinhazinhas
tomando banho de sol no pátio superior. Observou a nobreza se
empanturrar com banquetes no salão de jantar. Assistiu a senhores de
engenho arrotando poder e autoritarismo. Ao mesmo tempo, acompanhou o
sofrimento de homens negros na fábrica de açúcar, ouviu seus gritos de
desespero no tronco e flagrou sua fuga rumo aos quilombos.
Ele viu a triste e rica história do Brasil passar
sob seus olhos. Hoje, ele mesmo, que nos seus tempos áureos estava de
portas abertas para contar toda essa trajetória a quem quisesse ver e
ouvir, é açoitado pelo descaso. Ele é o Museu Wanderley de Pinho, na
localidade de Caboto, município de Candeias, às margens da Baía de Todos
os Santos, fechado à visitação desde o ano 2000.
Às vésperas da Semana Nacional de Museus, em 18 de
maio, o Wanderley de Pinho é o maior símbolo da falta de manutenção
desse tipo de patrimônio na Bahia. Mas não é o único. Em estado
semelhante, o Museu de Ciência e Tecnologia (MCT), pioneiro na América
Latina, está fechado desde o início da década de 1990 e sofre com o
desgaste de seu acervo e prédio, localizado na Boca do Rio.
O Wanderley de Pinho é o velho Engenho Freguesia,
construído ainda no século XVI, dos mais antigos e importantes
patrimônios do país. Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan) ainda em 1944, foi transformado em museu em
1971. Sua degradação chegou a trazer riscos de desabamento da
casa-grande e da capela, mas uma reforma emergencial em 2004 manteve o
prédio de pé.
Em visita ao local, o CORREIO constatou que o maior
prejuízo é arquitetônico. A fachada da casa-grande está com o reboco
completamente comprometido e com rachaduras, as paredes internas
desgastadas e a capela com os dois andares seguros por escoras. O cheiro
é de madeira podre e mofo. Morcegos voam de um lado para o outro dos
quartos. Da fábrica de açucar, bem ao lado, restaram apenas ruínas.
O lugar é inóspito e cercado de mata atlântica.
“Isso aqui era bonito quando as escolas vinham visitar”, disse um dos
dois seguranças que protegem o local. A entrada é proibida, mas através
das imensas janelas e portas quebradas dá para ver parte da coleção que
ainda é mantida no local, como um antigo carro de boi e engrenagens da
moenda. Na área externa, há um antigo canhão completamente enferrujado,
Uma velha locomotiva, no mesmo estado de degradação, foi colocada no
local quando da abertura do museu.
A Diretoria de Museus (Dimus) do Instituto do
Patrimônio Artístico e Cultutal da Bahia (Ipac), que administra o
monumento, garantiu que ao menos o acervo está preservado. Ou pelo menos
parte dele, já que um assalto em 1991 fez desaparecer boa parte. “A
polícia chegou a recuperar alguns deles”, lembra Fátima dos Santos,
museóloga da Dimus e autora de um projeto de revitalização do espaço.
A museóloga garante que o que não foi roubado está
bem guardado em dois lugares: no Solar Ferrão, no Pelourinho, e no
Palácio da Aclamação, no Campo Grande. São 167 peças, entre obras
sacras, pratarias, telas, tecidos e paramentos litúrgicos. “Essas peças
passaram por restauro. Hoje não temos problemas com o acervo”, assegura
Fátima, que luta há quase 15 anos para salvar o monumento e está animada
com a possibilidade de o projeto, no valor de R$ 16 milhões, sair do
papel (ver boxe na página ao lado).
“Há dez anos, conseguimos uma verba de R$ 500 mil
para fazer o telhado, que estava prestes a cair, o assoalho e as salas
de visita e jantar. Mas esse foi um projeto provisório”, admite Fátima,
que diante dos riscos decidiu transportar o acervo para Salvador. Apenas
peças de tecnologia rural e instrumento de suplício (tronco) continuam
lá.
Apogeu O engenho construído em 1586 foi erguido em
terras doadas pelo então governador-geral do Brasil, Mem de Sá. O
casarão foi alvo das invasões holandesas, em 1624, e vivenciou momentos
de apogeu na produção de açúcar até a segunda metade do século 19.
Segundo escritos do próprio Wanderley de Pinho, autor de História de um
Engenho do Recôncavo, o Freguesia chegou a ter mais de cem escravos. Com
as leis abolicionistas, entrou em decadência e, em 1890, as moendas
foram desativadas.
Seu conjunto arquitetônico inclui casa-grande, com
55 cômodos, fábrica e capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição da
Freguesia. “O Wanderley de Pinho é um monumento grandioso, a única
casa-grande do país que tem uma capela geminada”. Especialistas divergem
se, em caso de ser reaberto, o Wanderley de Pinho deve mesmo receber
seu acervo de volta.
A museóloga Silvia Athaíde, diretora do Museu de
Arte da Bahia (MAB), vê como única saída a entrega do Wanderley à
iniciativa privada. “Deveria ser um museu monumento. O que interessa é o
que ele representa arquitetonicamente. Não tem condições climáticas e
de localização para ter um bom recheio ali”, acredita Silvia, que se
declara apaixonada pelo museu de Caboto.
“Certa vez, mandamos um piano com dois candelabros
em prata para lá. O piano voltou um escombro. Sem falar na segurança.
Quer dizer, não tem condições. Aquilo ali daria era uma boa pousada”,
aponta Silvia, que guarda uma pasta de recortes de jornais com notícias
do assalto.
Fátima dos Santos discorda da colega. “O museu
funcionando, com segurança eletrônica e climatização, não vejo problema.
E tudo isso o projeto contempla”, argumenta Fátima, contrária à entrega
completa do Wanderley a empresas. “Se você coloca uma pousada ou hotel
ali, a comunidade baiana e os turistas não teriam acesso a essa rica
história”.
ciência Enquanto o Wanderley de Pinho aguarda
investimentos, um impasse envolve o Museu de Ciência e Tecnologia (MCT),
na Boca do Rio. Igualmente escravo da falta de atenção do poder
público, o MCT vê algumas de suas peças pouco a pouco serem destruídas. A
grande locomotiva, o avião, a primeira prensa automática da Bahia e o
relógio de sol do artista plástico Jamison Pedra, além de outras peças
que ficam na parte externa do museu, estão corroídos pela ferrugem.
Fundado em 1979 pelo governador Roberto Santos, o
MCT é pioneiro nesse tema na América Latina. “É a primeira edificação
específica para museu de ciência. Um conjunto arquitetônico de ciência e
tecnologia de grande importância”, define o professor Nelson Pretto,
secretário Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC).
Depois de viver o auge no início da década de 1980, o
MCT passou a ser de responsabilidade da Universidade do Estado da Bahia
(Uneb). Acontece que a instituição transferiu setores administrativos
da pró-reitoria de extensão para as salas do museu. O acervo que restava
foi então recolhido no início da década de 1990. De lá para cá,
restaram apenas as peças pesadas que ficam na área externa.
Em agosto do ano passado, o museu deixou de ser da
Uneb e passou à Secretaria de Ciência e Tecnologia (Sect). Mas a
universidade mantém ali sua pró-reitoria de extensão e agora de gestão
de pessoal. Estava criado o impasse.
Inicialmente, pensou-se em transferir o acervo para o
Parque Tecnológico da Bahia, na Avenida Paralela. Mas, diante da
importância do prédio, a comunidade científica reclamou. “Não somos
contra a criação de outro museu de tecnologia na Paralela. Pelo
contrário. Mas não faz sentido acabar com o espaço anterior”, diz Nelson
Pretto. A Sect então recuou e recentemente disponibilizou R$ 2 milhões
para a reconstrução do MCT.
“O objetivo é fazer com que o museu retorne às
atividades com suas funções originais”, afirma o diretor de tecnologia
da Sect, Ernesto Carvalho.
O problema é que a Uneb reivindica o espaço.
“Queremos o prédio, onde investimos inclusive na infraestrutura. Mas
estamos em entendimento”, diz o assessor especial da reitoria da Uneb,
Antônio Azevedo.
O que ninguém sabe explicar é como o museu chegou a
esse ponto de abandono. “Aí é com as gestões anteriores”, finalizou o
assessor.
Projeto prevê restaurante e até centro de convenções
Um contrato de R$ 190 milhões assinado na quarta-feira entre o governo do estado e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) pode mudar a vida do museu Wanderley de Pinho e outros monumentos na Baía de Todos os Santos. É que, desse montante, R$ 16 milhões seriam destinados para o projeto da museóloga Fátima dos Santos, que luta para revitalizar o museu.
Projeto prevê restaurante e até centro de convenções
Um contrato de R$ 190 milhões assinado na quarta-feira entre o governo do estado e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) pode mudar a vida do museu Wanderley de Pinho e outros monumentos na Baía de Todos os Santos. É que, desse montante, R$ 16 milhões seriam destinados para o projeto da museóloga Fátima dos Santos, que luta para revitalizar o museu.
O plano bancado pelo BID visa recuperar estruturas históricas e
atracadouros da baía. Tudo com o conceito de turismo sustentável e
participação das comunidades. Tanto que o projeto do Wanderley visa não
só a recuperação física da casa-grande, capela e fábrica, mas também o
desenvolvimento da região.
Um restaurante, um alambique, uma casa de farinha e
até um centro de convenções seriam construídos. “Tem que pensar a
sustentabilidade do lugar. É preciso fazer parcerias com empresas da
comunidade”, diz Fátima. Por Alexandre Lyrio
Fonte: Correio – Bahia
Fonte da Pesquisa: http://defender.org.br/noticias/nacional/salvador-ba-fechados-ha-mais-de-uma-decada-museus-sofrem-com-abandono/
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