Cecília Figueiredo e Ruy Barbosa Silva
Momento propício esse para falar da importância de um
patrimônio histórico. Momento em que se discute a revisão do Plano
Diretor da Cidade de São Paulo, do equilíbrio entre as classes que vivem
na cidade. Em que trazemos à luz nossa história, enterrada pelo
obscurantismo dos anos de chumbo no Brasil. Momento em que as vozes já
não são “roucas”, pelo contrário, bem mais “fortes” e atravessam as ruas
do País desde junho para cobrar mais Estado e serviços públicos de boa
qualidade.
É exatamente nesse cenário, que também nos animamos a
tirar do quase ostracismo uma parte de nossa história, da história de
nossa cidade que está na iminência de se tornar pó, caso não haja uma
ação imediata. Falamos aqui do Sítio Mirim, ou melhor das ruínas
históricas que, embora tombadas, aguardam uma ação pública efetiva de
preservação, enfrentando ataques do desconhecimento, da sanha da
especulação imobiliária e de megaobras de empreiteiras.
Inseridas no setor de reestruturação e requalificação do
atual Plano Diretor da Cidade de São Paulo, as ruínas históricas do
Sitio Mirim, em São Miguel, Zona Leste da Capital, estão em risco de
sumir e com elas mas um pedaço importante da herança cultural de nosso
território.
Dos restos remanescentes da edificação recuperada pelo
Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em 1960,
reside uma grande controvérsia. Alguns estudos apontam aquele local
como originário do século 17, documentos do Centro de Arqueologia de São
Paulo indicam que sua implantação na região era estratégica para o
controle de mercadorias e viajantes, por meio do Estado pelo rio Anhenby
(atual Tietê). É necessário mais luz sobre essa história para dirimir
as dúvidas sobre o uso efetivo deste local no período de sua construção.
Mas isso é assunto para um próximo artigo. O certo é que a configuração
espacial representada pela sua planta é única, evidenciando a mesma no
rol das casas bandeiristas.
Hoje, esparsos pedaços de paredes em estado avançado de
deterioração estão erguidos frente ao descaso público, as intempéries e o
quase completo desconhecimento sobre o Sitio Mirim, um marco histórico
em nossa cidade, apesar de muito prejudicado pelo isolamento geográfico
em relação à várzea, decorrente da implantação da linha ferroviária
Central do Brasil, em 1930.
Somada à invisibilidade, o Sítio Mirim hoje é alvo
também de impasse jurídico que já está no Supremo Tribunal Federal
(STF). Tudo por conta de divergência em relação à técnica a ser aplicada para salvaguardar o que restou daquela edificação – as ruínas, tombadas no Sphan, Condephaat, DPH e Conpresp.
Ainda que a legislação em vigor no Brasil nos níveis
federal, estadual e municipal determine apenas o que não deve ser feito
na área, mas nada a respeito do que pode ser feito, não se pode deixar
sumir mais um patrimônio do povo. E foi por essa razão que o arquiteto e
autor desse artigo, junto com outras pessoas que compõem o Forum de
Cultura de São Miguel, apresentam uma alternativa concreta sobre o
modelo de intervenção que ali caberia para preservar o patrimônio
histórico e cultural. Providenciar uma proteção emergencial das ruínas
remanescentes, justaposta à liberação de continuidade das prospecções
arqueológicas no seu entorno, que embora venha sendo solicitada desde
2006, aguarda decisão do Departamento de Patrimônio Histórico da
Secretaria Municipal de Cultura (DPH-SMC).
Então aqui fazemos questão de lembrar de uma conquista
cara, empenhada pelo movimento pela Reforma Urbana, que reuniu
arquitetos, pesquisadores, estudiosos, gente da academia e das
comunidades, o Estatuto da Cidade, que traz em seu cerne a discussão do
“direito à cidade”.
A área onde se encontra o Sítio Mirim guarda outros
problemas, bastante conhecidos das camadas mais pobres e que menor
direito tiveram à cidade por muitas décadas. São problemas de ordem
ambiental e social, que não podem esperar. Um deles é a ameaça de
despejo de uma comunidade de mais de 150 famílias, que vivem no entorno
da área, para dar espaço à implantação da Estação de Trem União Vila
Nova: Linha 12 Safira pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos
(CPTM).
Portanto, a ação de elaborarmos uma proposta consensuada
e funcional em favor da preservação das ruínas, assim como ao efetivo
agenciamento das outras propostas previstas para o entorno, tem o
intuito de promover o desembaraço burocrático deste impasse, que somente
tem contribuído para tornar mais precário aquele espaço, que ainda
acolhe parte de um patrimônio sociocultural público (hoje estimado em
menos de 23% da construção original), assim como as condições de vida da
população que ali mora e poderia se beneficiar de um espaço qualificado
de convivência.
O resgate da memória, da história que envolve o Sítio
Mirim depende de uma providência efetiva. Conter o vertiginoso processo
de deterioração, que já vem sendo investigado pelo Ministério Público
Estadual desde 1998, tornou-se indiscutível.
Sítio Mirim Foto Abilio Guerra
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