Publicado no site de arquitetura Archdaily, interessante tratado de arquitetura, traduzido por Igor Fracalossi:
Existem vários tratados de
arquitetura que desenvolvem com bastante exatidão as medidas e as
proporções arquitetônicas, que entram nos detalhes das distintas ordens e
que provêm de modelos para as distintas formas de construir. Porém não
existe ainda nenhuma obra que estabeleça solidamente os princípios da
arquitetura, que manifeste seu verdadeiro espírito e que proponha regras
adequadas para dirigir o talento e definir o gosto. Entendo
que nas artes que não são puramente mecânicas não basta saber
trabalhar, é importante sobretudo aprender a pensar. Um artista tem que
poder dar-se a si mesmo razão de tudo o que faz. Para
isso, necessita de princípios fixos que determinem seu juízo e
justifiquem sua eleição; de modo que possa dizer que uma coisa está bem
ou mal não só por instinto, senão por meio da razão e como homem
instruído nos caminhos do belo.
Avançou-se
bastante em quase todas as artes liberais. Um grande número de pessoas
com talento dedicou-se a nos fazer apreciar suas sutilezas. Escreveu-se,
com grande conhecimento, sobre poesia, sobre pintura, sobre música.
Aprofundou-se tanto nos mistérios destas artes engenhosas que restam
poucos descobrimentos por fazer neste campo. Possuímos preceitos
refletidos e críticas judiciosas que determinam sua verdadeira beleza. A
imaginação possui guias que a dirigem e freios que a retém nos limites.
Podemos apreciar com exatidão tanto a excelência de seu engenho como a
desordem à que levam seus extravios. Se não tivéssemos bons poetas,
bons pintores ou bons músicos, não seria absolutamente por falta de
teoria, mas por falta de talento...
Este é o caminho que segui para me satisfazer. Pareceu-me que não
seria inútil compartilhar com o público o êxito de meus esforços. A
arquitetura ganharia infinitamente apenas com o fato de haver incitado
os meus leitores a comprovar se não me deixei enganar, a criticar
severamente as minhas conclusões, a procurar por si mesmos aprofundar
ainda mais neste mesmo abismo. Posso dizer sinceramente que minha
principal intenção é dar lugar para que o público e sobretudo os
artistas duvidem, conjeturem, não se contentem facilmente. Afortunado
serei se os induzo a uma busca que os coloque numa situação de me
encontrar em falta e de corrigir minhas inexatidões, assim como de ir
além em minhas reflexões.
Isto não é mais que um
ensaio no qual unicamente estabeleço algumas indicações e abro um
caminho, deixando a outros o cuidado de dar aos meus princípios toda a
sua extensão e toda sua aplicação, com uma inteligência e uma sagacidade
das que eu não seria capaz. Nele digo o suficiente para prover os
arquitetos de regras fixas de trabalho e meios infalíveis para alcançar a
perfeição. Tentei ser o mais inteligível possível. Não pude evitar
empregar com frequência termos de arte. Quase todos são bastante
conhecidos. Em qualquer caso, no dicionário adjunto se encontrará a
explicação de todos aqueles não suficientemente conhecidos pela maioria.
Como meu principal propósito é formar o gosto dos arquitetos, evito
todos os detalhes que podem ser encontrados em outra parte e, para
tornar esta obra mais instrutiva, acrescentei, nesta segunda edição, um
número de gravuras suficiente para mostrar ao leitor todos os objetos
cuja simples descrição tivesse dado somente uma ideia imperfeita.
Introdução
A arquitetura é, de todas as artes utilitárias, a que exige as aptidões mais brilhantes e os conhecimentos mais amplos. Talvez
seja necessário tanto gênio, espírito e gosto para formar um grande
arquiteto como para formar um pintor e um poeta de primeira linha. É
um erro crer que na arquitetura tudo se reduz à mecânica, tudo se
limita a cavar fundações, a levantar muros; que com base em algumas
normas convertidas em rotina, apenas se exigem olhos habituados a
examinar um aprumo e mãos feitas para manipular a espátula.
Quando se fala sobre a arte de construir, montes confusos de escombros
incômodos, imensas pilhas de materiais informes, um espantoso ruído de
martelos, andaimes perigosos, um pavoroso conjunto de máquinas, um
exército de operários sujos e cobertos de terra, isso é tudo o que vem à
imaginação do vulgar; é o córtex pouco agradável de uma arte, cujos
mistérios engenhosos que pouca gente aprecia, excitam a admiração de
todos aqueles que os penetram. Eles descobrem inventos cuja ousadia
supõe um gênio vasto e fecundo, proporções cuja serventia anuncia uma
precisão severa e sistemática, ornamentos cuja elegância revela um
sentimento delicado e requintado. Quem for capaz de captar tantas
verdadeiras belezas, longe de confundir a arquitetura com as artes
menores, se verá mais tentado a inclui-la no rango das ciências mais
profundas. A visão de um edifício construído em toda a perfeição da arte
provoca um prazer e um encantamento dos quais não é possível se
defender. Este espetáculo revela na alma ideias nobres e tocantes. Ele
nos faz experimentar essa doce emoção e esse agradável êxtase que
excitam as obras que carregam a marca de uma autêntica superioridade de
espírito. Um belo edifício fala eloquentemente por seu arquiteto. O Sr. Perrault, em seus escritos, é acima de tudo um sábio: a colunata do Louvre o define como um grande homem...
No link a seguir, a continuidade do artigo: http://www.archdaily.com.br/br/01-169735/ensaio-sobre-arquitetura-slash-marc-antoine-laugier
Igor Fracalossi. "Ensaio sobre arquitetura / Marc-Antoine Laugier" 27 Feb 2014. ArchDaily. Accessed 28 Fev 2014.
Gravura de Charles-Dominique-Joseph Eisen para a segunda edição de "Essai sur l’architecture" de Marc-Antoine Laugier
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