Gravuras rupestres em terras indígenas são alvo de depredações para comércio ilegal de peças arqueológicas
Janine Justen
1/10/2013
A 858 quilômetros de Manaus, capital do estado do Amazonas, no curso
do rio Negro, está o município de São Gabriel da Cachoeira. Famoso por
possuir o maior índice de população indígena do país – 90% dos
habitantes locais, o que soma cerca de 35 mil pessoas, divididos em 23
etnias – a área fronteiriça com Colômbia e Venezuela agora preocupa
arqueólogos, antropólogos e historiadores por outro motivo além das
demarcações de terras: gravuras rupestres, datadas de mais de 3 mil
anos, estão desaparecendo. Por quê? Comércio ilegal de patrimônio.
“As gravuras têm a ver com a mitologia indígena local. Para cada uma
das etnias há um significado diferente”, explica Renato Tukano, diretor
da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn). Ele
destaca o alto teor simbólico das imagens, que remetem à ancestralidade e
à origem dos costumes de seu povo, o tukano. “As gravuras representam a
tristeza das mulheres da tribo que, diz a lenda, ao perderem sua
autonomia para os homens, abandonaram a região. A cada parada, um
desenho, uma lamúria. Os registros na pedra resgatam a nossa memória”,
conta Renato.
Inscritas em rochas de granito com aproximadamente 1,8 bilhões de anos
de idade, as gravuras rupestres têm um valor cultural imensurável. Para o
historiador Cristiano Lima Sales, da Universidade Federal de São João
Del Rei, as imagens gravadas nos minérios contam parte da vida de um
lugar de um jeito que nenhum outro vestígio é capaz de fazer. “É uma
carga histórico-cultural absurda, única. Sua forma, seu traço, seu
relevo”, salienta. “Comercializar obras desse patamar é algo
inconcebível. Mas, infelizmente, encontramos oferta e demanda para peças
arqueológicas até mesmo na internet, em sites de compras virtuais”.
Dupla infração. Assim se caracterizam as ações contra as gravuras. Além
de atentarem contra um patrimônio cultural da humanidade, ameaçam a
autonomia e a preservação de terras indígenas há muito demarcadas. “É um
crime inafiançável”, afirma Sales com indignação.
Para Renato Tukano, os moradores são os próprios responsáveis pelas
agressões. “A suspeita é de que estão ateando fogo para causar o
descolamento das camadas de pedra e vender os pedaços”, relata o diretor
da Foirn. Não há provas de invasão estrangeira ou de outras regiões do
país, o que os colocaria em posição de meros consumidores.
Segundo o Iphan (AM), as cheias na região dificultam a fiscalização do
território, já que ele só fica acessível de meados de setembro a março. A
previsão é de que uma comitiva oficial visite o local ainda este mês.
Já a Fundação Nacional do Índio (Funai), instituição federal responsável
pela demarcação e a fiscalização de territórios indígenas, afirma que
não tem conhecimento das denúncias.
Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/em-dia/mitologia-aos-pedacos
Foto: Ivani Faria (Ufam)
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