Uma viagem à Maceió do passado. Reviver no presente uma época que não
volta mais é possível ao abrir uma saudosa caixa de fotografias
antigas. O tesouro resgata paisagens e recantos da capital alagoana que
fizeram história.
O acervo começou com uma curiosidade de menino. Aos dez anos, o
moleque esperto Zé Bilú, morador do bairro da Pajuçara, gostava de
conversar com os mais velhos e admirar as construções da cidade. Foi a
partir daí que no garoto despertou o interesse de contar em fotografias a
história da capital alagoana. O cenário das primeiras descobertas? A
Praça do Rex, localizada no bairro onde morava.
Ele conta que alguns cartões postais de Maceió, doados por seu
Horácio, um vizinho de cerca de 80 anos, inauguraram a coleção. Hoje, Zé
Bilu, com 58 anos, se perde dentre as inúmeras imagens que compõem seu
acervo. Ele sequer arrisca precisar a quantidade de fotografias antigas
que possui, mas tem certeza de que passa de mil.
Zé Bilú guarda histórias e curiosidades do lugar. O colecionador
explica que o Gogó da Ema, famoso coqueiro em forma de pescoço de ema
que existia na praia da Ponta Verde, foi plantado por dona Constança
Araújo na década de 1930. A muda veio de seu sítio e o coqueiro
tornou-se um dos primeiros cartões postais de Maceió, mas saiu do
cenário urbano derrubado pelo avanço do mar na década de 1960.
O colecionador relembra também o trajeto percorrido pela réplica da
estátua da liberdade – que foi doada à cidade pelo governo da França –
até ser colocada em definitivo na Praça 18 do Forte de Copacabana, por
trás do Museu da Imagem e do Som de Alagoas (Misa). “A estátua da
liberdade esteve em várias praças. Logo quando foi trazida ficou na
Praça 18 do Forte de Copacabana, depois foi para a do Centenário, no
bairro do Farol, em seguida foi colocada na Manuel Duarte, na Pajuçara, e
só então voltou para a 18 do Forte”, detalha.
Gogó da Ema foi o primeiro cartão postal de Maceió, mas acabou derrubado pelo mar. (Foto: Arquivo pessoal)
Praça Dois Leões guarda curiosidades sobre a origem do seu nome. (Foto: Arquivo pessoal)
Outro fato curioso é
sobre a praça mais conhecida do bairro do Jaraguá, a Dois Leões,
oficialmente Praça Wanderley Duarte. “A praça é conhecida assim por
causa das esculturas dos animais que tem lá. Só que poucas pessoas sabem
que não são dois leões, mas sim um leão e um tigre”, revela.
O prazer de divulgar os cenários da Maceió do passado está presente
nas palavras do colecionador. Ele comenta que o acervo já subsidiou
diversos trabalhos. “Minhas fotos já serviram para faculdades, livros e
até para pessoas que precisavam de orientação sobre arquitetura de
praças”, diz ele.
O colecionador revela que as fotografias têm origens diversas.
“Muitas foram doações, outras são fotografias pessoais e também tem
algumas herdadas do meu avô, que foi da Marinha e gostava de tirar
muitas fotografias. Então eu fui juntando”, esclarece.
Memória viva
Colecionador Zé Bilú reúne fotografias antigas desde os dez anos de idade. (Foto: G1 Alagoas)
Zé Bilú relembra que a Praça
Visconde de Sinimbu, localizada no Centro da cidade, era conhecida como
Praça do Menino Mijão, porque havia uma estátua de um menino fazendo
xixi. “A praça só começou a ser chamada de Sinimbu depois que a estátua
foi derrubada”, afirma.
Ele conta ainda que no local onde foi construído o famoso farol da
cidade havia uma biruta, objeto que indica a direção do vento. Ela deu
lugar a um catavento, até ser construída a torre de luz. O farol acabou
dando nome ao bairro – originalmente Planalto do Jacutinga -, que já foi
o preferido da burguesia alagoana que ali construía suas mansões.
Muitos sabem que a cidade de Maceió surgiu em dezembro de 1815, a
partir do povoado que integrava o Engenho Massayó. Ouviram falar também
que o nome tem origem na palavra indígena “Maçayó” ou “Maçaio-k”, que
quer dizer “o que tapa o alagadiço”. Mas o fato curioso quem traz na
lembrança é Zé Bilú. “O que pouca gente sabe é que o engenho ficava onde
hoje é a Assembleia Legislativa, a casa grande, ao lado, onde
atualmente é a Biblioteca Pública, e a capela de São Gonçalo do
Amarante, no meio do morro do Jacutinga, atrás da atual Catedral”,
relata.
‘Bons tempos aqueles…’
Praça Dom Pedro II, onde hoje funciona a Assembleia Legislativa de Alagoas. (Foto: Arquivo pessoal)
Não é difícil encontrar
contemporâneos da Maceió que, hoje, só existe na memória. Os que viveram
aquela época não escondem o saudosismo e sempre relembram algum fato
marcante.
A aposentada Sílvia Buarque, 70, não esquece de como era o bairro da
Levada e o quão era bom ir ao Cine Ideal, da Rua 16 de Setembro, muito
frequentado por crianças e adolescentes nos anos 50 e 60. “Uma época
maravilhosa! A gente admirava os moços bonitos e eles a gente, né?”,
diverte-se a aposentada.
Mercado de imóveis no bairro da Levada já foi bastante valorizado. (Foto: Arquivo pessoal)
Na Levada, bairro onde havia o único
aeroporto da cidade, as ruas estreitas eram povoadas por moradores com
suas cadeiras nas calçadas a conversar com os vizinhos. Lá, as pessoas
de classe média construíam seus casarões, com sobrados e sacadas, por
ser vizinho ao centro da cidade.
“Quase não dá para acreditar, mas a Levada já foi um dos grandes
bairros valorizados no pequeno mercado de imóveis da época”, pontua,
entusiasmado, Zé Bilú.
O Jornalista Vladimir Calheiros, 76, lembra que, naquela época,
existia uma quantidade enorme de carrocinhas de burros, principalmente
na área de Jaraguá, e poucos automóveis. “Como havia pouquíssimos
carros, você identificava os automóveis pelos proprietários. Todos eram
importados porque o Brasil ainda não fabricava automóveis”, salienta.
“O trem tinha um papel importantíssimo para a sociedade. Viajar de
avião era uma raridade. O navio também era importante porque as pessoas
iam muito de navio para o exterior e para outras capitais”, completa
Calheiros.
Naquele tempo, a diversão tinha lugar marcado. “O foco da sociedade
era o comércio, com seus restaurantes, bares e sorveterias, e o clube da
Fênix. A praia da Avenida era a grande praia da cidade e era a atração
dos fins de semana e férias”, destaca.
O Jornalista Vladimir ainda se lembra de como era a sociedade daquele
século. “Nessa época, a família era muito importante. A primeira coisa
que se perguntava quando se conhecia um jovem era ‘Você é filho de
quem?’ Os homens usavam muito chapéu, mulheres não usavam calça
comprida. Em biquíni nem se falava, era maiô fechado”, brinca.
“É difícil traçar um paralelo entre a Maceió antiga e a atual, porque
é outro mundo. Eram bons tempos aqueles. O ideal seria se nós
pudéssemos viajar e passar o fim de semana no passado”, revela saudoso.
Um caçador de relíquias caminhando com tristeza
Calçadão da Praia da Avenida imitava o de Copacabana, no Rio de Janeiro. (Foto: Arquivo pessoal)
Zé
Bilú não esconde a mágoa que sente pela falta de incentivo ao trabalho
que desenvolve. “A única tristeza que eu sinto é por não ter apoio. A
família às vezes até reclama por isso. Tem muita gente que se beneficia
do meu acervo e meu interesse é justamente divulgar a história da
cidade, mas não há um reconhecimento por parte dos gestores públicos. Às
vezes sinto muita decepção e penso em me desfazer de tudo isso”,
desabafa.
“Eu resgatei a memória de Maceió e isso foi muito importante pra mim
porque eu fiz muitas pessoas felizes com essas fotografias. Eu deixei um
legado e daqui a cem anos eu serei lembrado”, pondera ele.
Mas essa história também tem um lado romântico. “Tem gente que,
quando vê as fotografias, lembra que ali foi o local onde conheceu a
esposa e se emociona”, afirma o colecionador.
“Esse acervo tem uma importância grande para a cidade, para o turista,
para o povo. Eu sou apenas um caçador de relíquias. O que eu consegui
foi preservar muitas coisas, evitar que fossem destruídas”, finaliza. Por Rivângela Gomes
Fonte: http://www.defender.org.br/maceio-al-em-preto-e-branco-a-historia-da-cidade-revelada-em-fotografias/