Já vai uma década do anúncio das obras ou, no mínimo, dos projetos de
alguns dos principais equipamentos culturais da Capital – Caixa
Cultural, Cinemateca Capitólio, Sala Sinfônica da Ospa, Multipalco do
Theatro São Pedro. Já vai uma década sem suas respectivas conclusões.
Somam-se a isso os exemplos de reformas paralisadas na Casa de
Cultura Mario Quintana, de degradação e insegurança na Usina do
Gasômetro, de infraestrutura no Margs e de inconsistência de programação
em tantos outros. Seria tudo mera coincidência?
A pergunta tem ainda mais pertinência no momento em que se evidencia a
necessidade de uma nova sede da Biblioteca Pública: por que Porto
Alegre é uma cidade de centros culturais empacados? Há explicações
específicas que justificam cada fase de obra atrasada, cada aparelho de
ar-condicionado que para de funcionar e demora longas semanas para
voltar a operar. Sua reiteração, no entanto, é indício de que
justificativas genéricas, que se apliquem a todos os casos, talvez
expliquem melhor o que está ocorrendo.
ZH ouviu especialistas em economia e gestão cultural em busca de
reflexões sobre esse contexto. O olhar distanciado se mostrou
recompensador de cara, quando o tema foi introduzido na conversa com o
economista Marcelo Portugal.
– Centros culturais não andam? Qual é a surpresa? – pergunta,
retoricamente, o professor da UFRGS. – Há quanto tempo ouvimos falar da
ampliação da pista do aeroporto (Salgado Filho)? A cultura não é uma área diferente das demais.
Qualquer movimento que envolva a máquina pública empaca, ressalta
Portugal, citando a rigidez da lei das licitações (nº 8666-93), que
demandam muito tempo e atenção para atender a todas as suas exigências.
Mas não é só isso:
– A questão é mais ampla. A sociedade brasileira como um todo é
viciada em complicar as coisas. Há entrave para todos os empreendimentos
em todas as esferas, públicas e privadas. Gerenciamos mal nossos
empreendimentos.
Quase todos os equipamentos citados neste texto preveem cogestão ou
parceria de investimentos. O Capitólio será gerido pela prefeitura e a
Fundacine, entidade privada ligada ao cinema gaúcho. A Caixa Cultural
tem investimentos da Caixa Federal num espaço cedido pelo município. Já o
Multipalco é ligado ao governo gaúcho, porém, sua reforma está sendo
levada a cabo graças à legislação nacional de financiamento da cultura
com renúncia de Imposto de Renda, assim como a nova sede da Ospa e a
restauração da Casa de Cultura Mario Quintana.
À medida que os formatos variam e as dificuldades de afirmação
persistem, convém fazer uma pergunta mais direta: a cidade, e o Estado
como um todo, desejam e precisam desses equipamentos conforme eles estão
estabelecidos?
– Porto Alegre tem, sim, vocação para os grandes centros de difusão
da cultura – defende Leandro Valiatti, que é especialista em economia da
cultura. – Depois de muito tempo de costas para o Centro, a cidade se
voltou para a região central por causa desses equipamentos. O que ocorre
é que precisamos de programas de incentivo mais duradouros.
Valiatti lembra que o Programa Monumenta, do governo federal,
realizado em parceria com as prefeituras das cidades contempladas,
cuidou da reforma de diversos prédios do Centro Histórico da Capital. E
então questiona:
– Mas e quanto à sua manutenção? Em geral, falta evoluirmos no que
diz respeito à continuidade, aos projetos de longo prazo. Não adianta só
reformar. Por mais que esses equipamentos tenham projetos fixos,
duradouros: os anos passam, e o foco naturalmente vai se voltando mais à
sobrevivência do que à proposição de algo consistente. Sem falar que se
está sujeito às mudanças políticas, de governo etc.
Cultura a longo prazo
O que se espera de um grande centro de difusão da cultura? A resposta
pode não estar ligada à demora sem fim da conclusão da nova Sala da
Ospa, da Caixa Cultural, do Capitólio e do Multipalco, mas tem a ver com
o seu sucesso futuro – e com o êxito de equipamentos já em operação
que, para citar a linha de pensamento do economista da cultura Leandro
Valiatti, acabam focados, antes de qualquer outra coisa, em sobreviver.
– Os modelos de operação que conhecemos ainda precisam amadurecer –
diz Álvaro Santi, músico que coordenada o Observatório Cultural de Porto
Alegre. – Falamos muito nas parcerias público-privadas e em modelos
importados de outros países, mas ainda não sabemos como cada tipo de
gestão funciona na cidade. É tudo muito novo por aqui, a própria
Secretaria Municipal da Cultura (SMC, à qual o Observatório é ligado) só começou a funcionar há 25 anos.
Foi a partir dessa impressão que a SMC elaborou um grande
levantamento sobre o consumo de cultura na Capital, que deve mapear
costumes e necessidades do porto-alegrense. Ligadas à cultura, é claro.
– Os resultados, que vamos começar a conhecer no segundo semestre,
vão orientar algumas ações – adianta Santi. – Isso tanto no que se
refere a projetos isolados de fortalecimento de determinada área (música, teatro, literatura)
quanto a instalações de centros culturais. Quem sabe não chegamos à
conclusão de que, em vez de um grande equipamento central, seja melhor
instalar equipamentos menores nos bairros? É preciso se pensar a longo
prazo, mas a partir de contextos delimitados. Houve um momento da cidade
em que o Teatro de Arena era mais adequado do que o Teatro do Sesi. É
uma questão de período histórico.
Centros de conexão
Gestora da empresa Mecenas Cultura, especialista em economia da
cultura e membro do Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul,
Adriana Donato defende que os centros culturais tenham orçamentos fixos
não apenas para pagamento de funcionários e problemas de infraestrutura,
mas para o próprio desenvolvimento de suas políticas culturais.
– É claro que a grana do Estado é curta e se entende que saúde e
educação são prioritárias – diz. – Defendo que, em vez de se buscar
alternativas para viabilizar projetos isolados, busquem-se modelos que
contemplem uma atuação no longo prazo, que, por exemplo, não estejam
sujeitos a mudanças de caráter político. Esses modelos podem se
constituir em parcerias com a iniciativa privada ou entre as diversas
esferas públicas.
Entre as fontes consultadas por ZH, ninguém admite a existência de
impasses políticos nos projetos em desenvolvimento, mesmo que, pela
demora, governos tenham mudado e, com eles, desacertos tenham aparecido.
Falando especificamente sobre o projeto da Caixa Cultural, o atual
secretário municipal da Cultura de Porto Alegre, Roque Jacoby, afirma
que, “se em algum momento do projeto existiram eventuais problemas
políticos, estes já foram reparados”.
– Atualmente convivemos em ambientes saudáveis, um ajudando ao outro – diz Jacoby.
A questão que fica, independentemente disso, é o que acontecerá
quando esse e todos os demais equipamentos citados desempacarem. Ou
ainda: quando se encontrarem os modelos adequados.
Valiatti provoca:
– Os grandes centros culturais deveriam ser lugares de encontro,
trocas de experiências. Locais onde pessoas se encontram e exercitam a
inovação. Onde há internet boa disponível, segurança e recursos básicos
para a criação. Acho que falta aos nossos grandes equipamentos fugir dos
modelos mais tradicionais e apostar em propostas mais interativas, não
ficar apenas em exposições e palestras, mas algo que chame mais as
pessoas e aproveite melhor a tecnologia e o processo de transformação
que estamos vivenciando atualmente.
A quantas andam
>> Com orçamento estimado em R$ 6 milhões, a Cinemateca Capitólio teve as fases iniciais das obras realizadas entre 2004 e 2006. A terceira e última fase atrasou devido a um impasse na remessa de dinheiro do BNDES. Houve deterioração de partes já reformadas, obrigando a realização de novos serviços. A obra está na fase final, e a inauguração, agora, está prevista para o segundo semestre deste ano. >> A Caixa Cultural, que tem investimentos de R$ 30 milhões, deve demandar pelo menos mais dois anos de reformas – atualmente a obra está parada. Um dos impasses deu-se entre os proponentes do projeto e a empresa contratada para o serviço, a partir de dificuldades técnicas relacionadas ao solo do prédio – o rolo chegou a parar na Justiça. >> A Sala Sinfônica da Ospa e o Multipalco do Theatro São Pedro já tiveram perspectivas mais sombrias. Com financiamentos encaminhados (cerca de R$ 30 e R$ 50 milhões, respectivamente), as obras dependem mais da aceleração das burocracias relativas à liberação do dinheiro via Lei Rouanet do que propriamente de questões técnicas das reformas. >> Cartões-postais de Porto Alegre, a Usina do Gasômetro e a Casa de Cultura Mario Quintana conseguem manter suas programações, pouco mais de duas décadas após a restauração dos espaços em que estão localizados. A deterioração de ambos os prédios, entretanto, é visível. >> Enquanto parece ter incorporado os tapumes às paredes, a Casa de Cultura aguarda a liberação de R$ 8 milhões do Banrisul, via Lei Rouanet, necessários à sua reforma. No Gasômetro, há os reiterados problemas de segurança – sessões de cinema noturnas têm cada vez menos público e, à luz do dia, no ano passado, a obra dos artistas Nato Silva e Selir Straliotto foi riscada com carvão. >> Os equipamentos mais “jovens”, como o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, se ainda não têm tantos problemas estruturais, enfrentam dificuldades de afirmação com suas grades de programação nem sempre capazes de mobilizar o público – ou, mais ainda, a intelectualidade local. >> Raro centro cultural porto-alegrense cujo prédio foi construído para este fim, a Fundação Iberê Camargo é uma referência. Não à toa: sua proposta curatorial – que não é tímida – encontrou guarida em grandes investidores da iniciativa privada. O Santander Cultural surgiu em 2001 com uma política cultural de fôlego semelhante. Para acompanhar a popularização do banco que lhe financia, mudou a estratégia de gestão, ampliando o alcance de suas ações, com projetos como a exposição Lendas e Tradições de Natal, de 2012. >> No âmbito público, o jeito é encontrar alternativas de gestão. Um exemplo é a Cinemateca Paulo Amorim, que precisa do dinheiro das bilheterias para pagar seus funcionários e, por isso, aposta em filmes de apelo popular recém-saídos das salas de shopping. Na área das artes visuais, cabe lembrar a persistência do MAC-RS, que parece ter conquistado o direito a uma sede própria (na antiga Mesbla) mais de 20 anos após sua criação. E do Margs, que tem preenchido boa parte de sua programação com recortes de seu próprio acervo. Por Daniel Felix
>> Com orçamento estimado em R$ 6 milhões, a Cinemateca Capitólio teve as fases iniciais das obras realizadas entre 2004 e 2006. A terceira e última fase atrasou devido a um impasse na remessa de dinheiro do BNDES. Houve deterioração de partes já reformadas, obrigando a realização de novos serviços. A obra está na fase final, e a inauguração, agora, está prevista para o segundo semestre deste ano. >> A Caixa Cultural, que tem investimentos de R$ 30 milhões, deve demandar pelo menos mais dois anos de reformas – atualmente a obra está parada. Um dos impasses deu-se entre os proponentes do projeto e a empresa contratada para o serviço, a partir de dificuldades técnicas relacionadas ao solo do prédio – o rolo chegou a parar na Justiça. >> A Sala Sinfônica da Ospa e o Multipalco do Theatro São Pedro já tiveram perspectivas mais sombrias. Com financiamentos encaminhados (cerca de R$ 30 e R$ 50 milhões, respectivamente), as obras dependem mais da aceleração das burocracias relativas à liberação do dinheiro via Lei Rouanet do que propriamente de questões técnicas das reformas. >> Cartões-postais de Porto Alegre, a Usina do Gasômetro e a Casa de Cultura Mario Quintana conseguem manter suas programações, pouco mais de duas décadas após a restauração dos espaços em que estão localizados. A deterioração de ambos os prédios, entretanto, é visível. >> Enquanto parece ter incorporado os tapumes às paredes, a Casa de Cultura aguarda a liberação de R$ 8 milhões do Banrisul, via Lei Rouanet, necessários à sua reforma. No Gasômetro, há os reiterados problemas de segurança – sessões de cinema noturnas têm cada vez menos público e, à luz do dia, no ano passado, a obra dos artistas Nato Silva e Selir Straliotto foi riscada com carvão. >> Os equipamentos mais “jovens”, como o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, se ainda não têm tantos problemas estruturais, enfrentam dificuldades de afirmação com suas grades de programação nem sempre capazes de mobilizar o público – ou, mais ainda, a intelectualidade local. >> Raro centro cultural porto-alegrense cujo prédio foi construído para este fim, a Fundação Iberê Camargo é uma referência. Não à toa: sua proposta curatorial – que não é tímida – encontrou guarida em grandes investidores da iniciativa privada. O Santander Cultural surgiu em 2001 com uma política cultural de fôlego semelhante. Para acompanhar a popularização do banco que lhe financia, mudou a estratégia de gestão, ampliando o alcance de suas ações, com projetos como a exposição Lendas e Tradições de Natal, de 2012. >> No âmbito público, o jeito é encontrar alternativas de gestão. Um exemplo é a Cinemateca Paulo Amorim, que precisa do dinheiro das bilheterias para pagar seus funcionários e, por isso, aposta em filmes de apelo popular recém-saídos das salas de shopping. Na área das artes visuais, cabe lembrar a persistência do MAC-RS, que parece ter conquistado o direito a uma sede própria (na antiga Mesbla) mais de 20 anos após sua criação. E do Margs, que tem preenchido boa parte de sua programação com recortes de seu próprio acervo. Por Daniel Felix
Fonte: Zero Hora
Fonte da Pesquisa: http://defender.org.br/2013/04/29/porto-alegre-rs-obras-em-marcha-lenta-revelam-impasse-na-gestao-de-grandes-projetos-culturais/
Obras da Cinemateca Capitólio foram retomadas mais uma vez. Foto: Diego Vara / Agencia RBS
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