terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

João Cândido: enredo do Paraíso do Tuiuti, 'Almirante Negro' é considerado herói em cidade do RS

Líder da Revolta da Chibata é natural de Encruzilhada do Sul, a 170 km de Porto Alegre. Cidade exibe busto de marinheiro nascido em 1880.

Por Gustavo Chagas, g1 RS

O Paraíso do Tuiuti uniu a Marquês de Sapucaí a um município do Sudeste do Rio Grande do Sul nos desfiles desta terça-feira (13). A escola de samba teve como enredo a história de João Cândido, marinheiro líder da Revolta da Chibata, em 1910, natural de Encruzilhada do Sul, a 170 km de Porto Alegre.

A trajetória do "Almirante Negro", como foi apelidado, é motivo de orgulho no município, de 23 mil habitantes. Em uma das principais avenidas da cidade, há um busto de Cândido.

João Cândido lutou contra as agressões a chibatadas aplicadas contra os marinheiros, que eram, na sua maioria, negros. Para o pesquisador Antônio Bica, autor do livro "João Cândido – O herói negro de Encruzilhada do Sul", o militar foi um exemplo de bravura.

Vida e legado

João Cândido Felisberto nasceu em 1880, filho de ex-escravizados. Ainda na adolescência, ele viveu em Rio Pardo e em Porto Alegre, ingressando em uma escola preparatória para marinheiros. Depois de entrar na Marinha, Cândido foi para o Rio de Janeiro e atuou na instrução de jovens que ingressavam na força.

Respeitado pelos pares, se tornou uma liderança, a ponto de representar os colegas na principal demanda no início do século 20: o fim dos castigos físicos. Mesmo abolida cerca de 10 anos antes, a prática era constante.

"Esse homem viu o sofrimento dos irmãos. Eles botavam a corda e enchiam de agulhas. Pegavam eles, atavam num tronco e davam uma 'tunda'. Já fazia tempo que tinha passado a escravatura e eles permaneciam escravizados", conta Bica.

Na Revolta da Chibata, os marinheiros tomaram navios e apontaram os canhões para o Rio de Janeiro. O governo se comprometeu a acabar com os castigos e a anistiar os revoltosos. No entanto, Cândido foi expulso da Marinha e preso.

O "Almirante Negro" morreu no Rio de Janeiro, em 1969, aos 89 anos. Ele passou o fim de sua vida em São João do Meriti, onde ainda mora o único filho vivo de Cândido, Adalberto do Nascimento Cândido.

O projeto que torna João Cândido um dos Heróis da Pátria ainda tramita no Congresso, sob resistência da Marinha. O nome do marinheiro está inscrito no Livro dos Heróis do Estado do Rio de Janeiro.

O Ministério Público Federal defende que a União faça reparações e compensações à família de João Cândido. Em 2008, no Dia da Consciência Negra, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou uma estátua do "Almirante Negro" no Rio de Janeiro.

Enredo

O objetivo do enredo, segundo o carnavalesco Jack Vasconcelos, é reforçar o nome do homenageado como um grande herói do povo brasileiro.

Conterrâneo de Cândido, o pesquisador Antônio Bica concorda.

"O João Cândido deveria ser estudado nos colégios, nas universidades. Esse homem era fora do tempo dele", ressalta.

Confira a letra do samba:

Liberdade no coração
O dragão de João e Aldir
A Cidade em louvação
Desce o Morro do Tuiuti

Nas águas da Guanabara
Ainda o azul de Araras
Nascia um herói libertador
O mar com as ondas de prata
Escondia no escuro a chibata
Desde o tempo do cruel contratador
Eram navios de guerra, sem paz
As costas marcadas por tantas marés
O vento soprou à negrura
Castigo e tortura no porão e no convés

Ôôô A Casa Grande não sustenta temporais
Ôôô Veio dos Pampas pra salvar Minas Gerais

Lerê lerê mais um preto lutando pelo irmão
Lerê lerê e dizer nunca mais escravidão

Meu nego... A esquadra foi rendida
E toda gente comovida
Veio ao porto em saudação
Ah! nego... A anistia fez o flerte
Mas o Palácio do Catete
Preferiu a traição

O luto dos tumbeiros
A dor de antigas naus
Um novo cativeiro
Mais uma pá de cal
Glória aos humildes pescadores
Yemanjá com suas flores
E o Cais da luta ancestral

Salve o Almirante Negro
Que faz de um samba enredo
Imortal!

















Busto de João Cândido, o 'Almirante Negro', em Encruzilhada do Sul, cidade natal do marinheiro — Foto: Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Encruzilhada do Sul/Divulgação

























Encouraçado Minas Gerais e o Almirante Negro — Foto: Montagem

























Estátua homenageando João Cândido no Centro do Rio — Foto: João Ricardo Gonçalves/g1

























'Almirante Negro' é o enredo da Tuiuti para 2024 — Foto: Divulgação

Herdeiro cogita restaurar palacete histórico da década de 1920 em parceria com construtora

Imóvel funciona como estacionamento, mas chama atenção pelo aspecto de abandono.

Giane Guerra

O avanço de uma discussão na Justiça pode encaminhar o destino de um palacete da década de 1920 que chama a atenção pelo aspecto de abandono na esquina das ruas Duque de Caxias e General João Manoel, no Centro Histórico. Por muitos anos, o imóvel foi moradia de um núcleo Chaves Barcellos. É a única intacta das quatro suntuosas casas da famosa família de Porto Alegre no mesmo eixo — duas deram lugar a prédios, enquanto uma foi demolida para a construção de um estacionamento, que depois virou uma farmácia. Desde 2004, esta é considerada patrimônio histórico do município e não pode ser destruída.

Além dos carros no estacionamento que fica no terreno dos fundos, há uma moradora no imóvel. A zeladora Maria Martins Machado cuida da casa e dos veículos. A conversa com a coluna era interrompida pelos clientes que estacionam no espaço porque trabalham nos arredores, onde ficam Palácio Piratini, Assembleia Legislativa e Tribunal de Justiça.

— Perguntam se não tem fantasma na casa. O fantasma sou eu — brinca Maria, que vive sozinha no térreo do casarão desde a morte do marido, em 2013. — Quando chegamos, no começo dos anos 2000, o pátio tinha árvores, limoeiros. Era lindo — lembra.

Recentemente, foi encerrada uma disputa judicial de 10 anos para definir quem seria o herdeiro. À coluna, o dono do palacete disse ter vontade de restaurar a casa, mas o custo é alto. Construtoras já entraram em contato, com interesse de reformá-lo em troca de usar o terreno dos fundos para erguer um empreendimento.

— É uma obra caríssima e não é simples. Precisa ter um uso que a financie. Por ora, estamos impedindo deterioração maior — diz o herdeiro, que não quer ser identificado.

Ele está disposto a negociar. Porém, ainda há o inventário de um tio que era dono de 40% de um terreno nos fundos conectado ao palacete. A área vai até a Rua Fernando Machado. Uma empresa contratada teria atestado que a estrutura da edificação está sólida.

Colaborou Guilherme Gonçalves

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

O retorno de um revelador mapa do RS do século 18 que era dado como perdido

Pesquisadores narram descoberta de um tesouro reencontrado após mais de 260 anos que revela divisões do território gaúcho à época do Tratado de Madri e da Guerra Guaranítica

Por Artur H. Franco Barcelos
Professor associado da Furg, autor, entre outros, de “Espaço e Arqueologia nas Missões Jesuíticas” (2000)

Por Junia Ferreira Furtado
Professora sênior da UFMG, autora, entre outros, de “O Mapa que Inventou o Brasil” (2013)

O ano era 1756. Militares espanhóis chegam aos aposentos do padre jesuíta Tadeu Xavier Henis (também citado como Thadeo Enis), na Missão de San Lorenzo. Recolhem seus papéis e o acusam de haver insuflado os indígenas Guarani em sua rebelião contra o Tratado de Limites entre Portugal e Espanha, conhecido como Tratado de Madri. Com o padre, encontraram um diário que estava em latim, escrito com letra pequenina, conforme contam os capitães Don Antonio Catani e Don Joseph Gómez, que se apossaram dele.

O original desapareceu ainda naqueles tumultuados dias de 1756. O que restou foi sua tradução ao espanhol, feita pelo Frei Manuel Londoño a pedido de Don José Joaquin de Viana, governador de Montevidéu. O diário continha um relato detalhado dos acontecimentos principais da revolta dos Guarani, conhecida como Guerra Guaranítica.

O padre Henis acompanhou os deslocamentos dos Guarani quando estes foram ao encontro das tropas portuguesas que haviam fundado um forte nas margens do Rio Pardo, chamado então de Rio Jobi. Vinham daí as suspeitas de sua participação, incitando os indígenas a se rebelarem.

No Tratado de Limites, os Reis de Espanha e Portugal haviam pactuado uma troca de territórios como forma de ajustar as fronteiras entre os dois impérios coloniais. A troca incluía parte das terras que ficavam a Leste do Rio Uruguai, as quais seriam entregues aos espanhóis com a condição de que a Colônia do Santíssimo Sacramento, forte português localizado na margem norte do Rio da Prata, passasse em definitivo aos domínios espanhóis. Para os espanhóis, parecia valer a pena abrir mão de amplas extensões de terras entre o Rio Uruguai e o litoral Atlântico para resolver de vez o problema da presença dos portugueses na Colônia, tão próximos de Buenos Aires. Contudo, o acordo havia sido fechado sem que os jesuítas e os Guarani tivessem sido consultados.

Quando os demarcadores chegaram na região, em 1752, e começaram a marcha por terra para definir a linha da fronteira, foram surpreendidos com a reação dos Guarani das Missões, que os interpelaram no posto da estância de San Miguel chamado Santa Tecla, na atual Bagé. A resistência durou quase quatro anos, até 1756, quando os Guarani foram derrotados em uma última batalha, em Caiboaté, hoje São Gabriel. Três dias antes daquela batalha, em 7 de fevereiro de 1756, foi morto o mais celebre líder dos Guarani, o Alferes de São Miguel Sepé Tiaraju.

O motivo da rebelião não era apenas por que os Guarani teriam que deixar os núcleos urbanos de sete de suas Missões com os jesuítas. Pesava muito o fato de que os portugueses ficariam com as enormes estâncias de gado que se estendiam por uma ampla área da então chamada Banda Oriental do Rio Uruguai, além dos ervais nativos que ficavam na região da atual fronteira com Santa Catarina e de onde extraíam a erva-mate, fundamental para as trocas comerciais com as cidades espanholas. E tudo isso estava detalhadamente registrado em um mapa feito pelo padre Tadeu Henis.

Esse mapa não constava dos itens apreendidos pelos espanhóis em San Lorenzo (atual sítio arqueológico de São Lourenço Mártir, em São Luis Gonzaga). Porém, no Arquivo Histórico Nacional (AHN), em Madri, há um mapa cujo título é “Copia del Plano del P. Tadeo Enis de las tierras de San Miguel con sus estancias y puestos confinantes, pueblos y portugueses”. Como o próprio título explica, esse mapa é uma cópia espanhola de outro feito pelo Padre Tadeu Henis. Em outro arquivo espanhol, o Arquivo Geral de Simancas, há um desenho com frases em latim e uma cópia deste com o seguinte título: “Mapa que se hallo incluso en este Diario el que se conoce por la letra estar delineado por el P. Thadeo Xavier Enis de la Compania de Jesus”.

Apesar do título, não se tata de um mapa, mas sim de um desenho em perspectiva, que mostra as posições portuguesas nas margens dos rios Jobi (Rio Pardo) e Jacuí durante a Guerra Guaranítica. E, como consta, esse desenho estava junto ao diário do Padre Henis. Assim, sabia-se que o padre havia feito um mapa, pois a cópia estava arquivada há muito tempo na Espanha. Mas onde estaria o original? Foi preciso esperar 262 anos para termos a resposta a esta pergunta.

Camadas de informações

Em 2018, Barry Lawrence Ruderman colocou à venda um mapa manuscrito colorido em pergaminho, datado do século 18. Naquela ocasião, Junia Furtado, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e uma das maiores especialistas em cartografia histórica do Brasil, auxiliou na identificação do mapa como sendo do período das Missões Jesuíticas e relacionado à Guerra Guaranítica. O mapa foi adquirido pela John Carter Brown Library (JCB), que pertence a Brown University, em Providence (EUA). No momento da venda do mapa, seu autor não foi identificado e a data exata de sua produção não foi indicada. Após a aquisição do mapa pela JCB, Junia Furtado e Artur Barcelos, professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) e especialista em mapas jesuíticos e na História das Missões Jesuíticas, somaram seus conhecimentos e iniciaram um estudo detalhado do mesmo. A conclusão é de que se trata do mapa original do Padre Tadeu Henis. E mais: tudo indica que os Guarani participaram da elaboração da mapa.

O título do mapa é “Terrarum S. Michaelis Oppidi Americae Meridionalis in Provincia olim Tape dicta, trans Flumen Uruguai Siti, cum adjacenteibus Simul aliorum oppiorum terris & vicinia Lusittanorum, acuratta descriptio”. Em tradução livre: “Descrição detalhada das terras de São Miguel na América do Sul, na antiga Província do Tape, na outra margem do Rio Uruguai, com as terras adjacentes a outras localidades e aos portugueses”.

Trata-se de uma peça extraordinária em todos os sentidos. Primeiro por haver estado desaparecida por tanto tempo. Por questões legais, a identidade de seus proprietários anteriores não se tornou pública. O fato de ter sido adquirido por uma instituição de pesquisa permitiu seu estudo e sua divulgação. Seu conteúdo pode ser estudado como em uma escavação arqueológica, por camadas. Primeiro está sua descrição: é um mapa em pergaminho (pele de cordeiro), com 67x52cm. A coloração amarelada se dá pela ação do tempo sobre o pergaminho, o mesmo ocorrendo com as tintas usadas, o nanquim ou a tinta da Índia, que dá a coloração preta, e a ferrogálica que, com o tempo, alcança uma coloração marrom avermelhada.

As outras camadas são seu conteúdo. O mapa possuí várias informações sobre momentos e lugares ligados à Guerra Guaranítica, como visto em “Aqui llegaron a 1753 los demarcadores de España y Portugal, próximo a Santa Tecla”; ou “Tierras de San Luis ocupadas de los portugueses”; ou ainda o local da batalha de Caiboaté, entre outros. Olhando para além do episódio da guerra, o mapa demonstra a organização do território que pertencia às Missões. Na parte superior (o mapa deve ser virado em sentido horário para estar orientado no sentido correto), estão representadas as sedes das Missões de San Nicolas, San Luis, San Lorenzo, San Miguel, San Juan e Sto. Angel, faltando apenas San Borja das sete que ficavam à Leste do Rio Uruguai. Delas partem os caminhos que, passando pelas estâncias próximas, menores, e cruzando a Serra Grande, levavam até as estâncias maiores, cuja mais extensa era a de San Miguel.

Ao longo desses caminhos, há capelas e postos das estâncias, como indica a legenda em latim e os símbolos desenhados no mapa. Assim, ficamos sabendo que havia três postos maiores, principais, San Tiago, San Xavier e Santo Antonio. E podemos ver os limites entre as estâncias, marcados por rios, arroios e coxilhas.

Em uma camada mais profunda de sua leitura, o mapa revela a memória indígena, pois nele há vários lugares ao sul da Serra Grande denominados tetângue, que em guarani significa “que foram dê...”. Assim, temos, por exemplo, San Miguel tetângue, Natividad tetângue, Jesus Maria tetângue, os quais assinalam onde estavam as Missões do século 17, que existiram entre 1626 e 1640, e foram abandonadas após os ataques dos bandeirantes. Essas primeiras Missões concentravam-se justamente na Depressão Central. Há ainda uma quantidade expressiva de expressões em guarani. Essas referências de lugares e acontecimentos indicam que os indígenas foram coautores do mapa, pois eram os que melhor conheciam o território e sua história, bem como os principais interessados em ter suas terras registradas em um mapa.

Por tudo isso, e por ser o mapa que melhor apresenta a forma como as Missões Jesuíticas tinham um domínio territorial e econômico sobre mais de um terço do atual Rio Grande do Sul, pode-se dizer que se está diante de um dos mais importantes documentos da história colonial da Região Sul do Brasil. Em breve, os resultados das pesquisas advindas de seu estudo serão publicados. E as análises prosseguirão, pois trata-se de uma fonte quase inesgotável de informações históricas.

Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2024/01/o-retorno-de-um-revelador-mapa-do-rs-do-seculo-18-que-era-dado-como-perdido-clrthvp85002l016w03o8v9on.html





















O mapa redescoberto abrange uma ampla área do atual Rio Grande do Sul. É delimitado pelo que hoje conhecemos como a região Noroeste e o Rio Uruguai (ao Norte), rios da Bacia do Rio Jacuí (a Leste), Rio Camaquã e Campanha (ao Sul), e Rio Ibicuí (a Oeste). A maior parte do território era formado pelas estâncias de gado das Missões, identificadas pelos nomes e devidamente demarcadas em seus limites e divisas. Reprodução: John Carter Brown Library
Artur Barcelos / Arquivo pessoal




















Já esta versão é a cópia que foi feita pelos espanhóis e se encontra em Madri. Uma curiosidade é que, neste mapa colorido, há termos em guarani que não estão no original, o que, segundo os pesquisadores, é um indício de que os indígenas podem ter atuado na confecção de ambos. Reprodução: AHN-Madrid
Artur Barcelos / Arquivo pessoal

domingo, 17 de dezembro de 2023

Novo PAC prevê R$ 76 milhões para obras em prédios históricos no RS


Memorial do Rio Grande do Sul e Mercado Público estão entre os locais a serem beneficiados por verba federal

MARCELO GONZATTO

O patrimônio histórico gaúcho vai receber um impulso de R$ 76 milhões destinado pelo governo federal a obras de melhoria e recuperação. Esse valor será aplicado em nove projetos que incluem reformas em prédios de grande relevância cultural como o Memorial do Rio Grande do Sul, o Mercado Público e o Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, em Porto Alegre, além de estruturas em Jaguarão, Pelotas e São Miguel das Missões.

Parte dessas iniciativas, que já estavam previstas no antigo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas, acabou sofrendo interrupções ou perda de recursos nos últimos anos e deverá passar por atualização dos contratos - por isso, o governo federal ainda não divulga o valor individual estimado e prazos definidos de início ou término para todos os itens da listagem.

— Houve descontinuidades, havia projetos paralisados, geralmente por falta de recursos. Então, estamos retomando isso agora e temos quase todos já recolocados em lista para início ou retomada de obras — afirma o superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Estado, Rafael Passos.

Na Capital, uma das ações mais adiantadas envolve o prédio do Memorial do Rio Grande do Sul, na Praça da Alfândega. Conforme a assessoria de comunicação da Secretaria da Cultura do Estado, a intervenção, cujo termo de compromisso entre os governos estadual e federal foi assinado na quarta-feira (13), está orçada em R$ 6,6 milhões. O Iphan informa que o serviço incluirá "revisão das coberturas, sistema de coleta de águas pluviais, restauração das esquadrias, execução de nova rede elétrica, novos elevadores, recuperação de rebocos e pintura completa". As obras devem ser licitadas no começo do ano que vem, ter início até meados de 2024 e durar 12 meses.

De acordo com a Secretaria da Cultura, o Memorial ficará fechado para visitação pública durante alguns períodos da reforma por razões de segurança - ao longo de etapas como a implantação da nova rede elétrica. O calendário das atividades no local será divulgado futuramente.

Assinado na quinta-feira (15), o termo de R$ 4,7 milhões envolvendo o Mercado Público prevê novas instalações hidrossanitárias, incluindo redes de água, esgoto sanitário e fluvial, e recuperação do piso do térreo. Uma futura etapa poderia contemplar ainda melhorias em uma parte da cobertura e elevadores, mas ainda depende de um novo acordo. Segundo informações da prefeitura, a ideia inicial é privilegiar o trabalho à noite, em etapas e por quadrantes para não precisar suspender o atendimento ao público. A estimativa é de que o serviço se estenda por, pelo menos, um ano. A expectativa do Iphan é firmar o acordo com a prefeitura da Capital ainda em 2023.

Terceira iniciativa prevista para a Capital, o projeto de recuperação do Museu de Comunicação José Hipólito da Costa ainda está em análise de orçamento no Iphan. De acordo com a Secretaria da Cultura, depois de aprovado, deverá ser encaminhada a assinatura do termo de parceria para a transferência dos recursos. Por isso, ainda não são divulgados detalhes das intervenções a serem feitas.

Governo deve selecionar cem novos projetos no país

Os nove locais históricos do Rio Grande do Sul contemplados com verbas do Novo PAC fazem parte de um conjunto de 138 projetos selecionados em todo o país para serem concluídos até 2026 - os gaúchos têm o quarto maior número de iniciativas entre os Estados (a maior fatia coube a Minas Gerais, com 54 convênios). Além desse recurso, que soma R$ 700 milhões para todo o Brasil, o governo federal está selecionando outros cem projetos de "recuperação de bens materiais tombados ou para o fortalecimento de bens imateriais registrados como patrimônio federal."

Foram apresentadas 817 propostas de Norte a Sul para concorrer a esses repasses adicionais de R$ 37 milhões, destinados apenas à elaboração de projetos. Conforme o superintendente do Iphan no Estado, Rafael Passos, os gaúchos contribuíram com 52 dessas novas solicitações. Os candidatos ainda estão sob análise do governo federal dentro do chamado PAC Seleções. Os escolhidos devem ser anunciados em breve.

- Como essas ações ficam na área do patrimônio e da cultura, que historicamente têm verbas mais escassas, o PAC é uma grande fonte de recursos de maior monta e sempre em parceria com municípios e Estados, atendendo a demandas locais - avalia Rafael Passos.

Projetos contemplados no RS

O Estado tem nove locais vinculados ao patrimônio histórico com verbas a receber da União

Finalização da restauração da Antiga Enfermaria Militar para implantação do Centro de Interpretação do Pampa (Unipampa) — Conclusão da reforma na edificação do século 19 para receber uma unidade destinada a destacar a importância ambiental, cultural e turística do Pampa.
Requalificação da Praça Dr. Alcides Marques e Largo das Bandeiras — Segundo o Iphan, aguardam atualização de projetos para assinatura de convênio.
Restauração da Antiga Inspetoria Veterinária — O Iphan informa estar em tratativas para atualizar projeto de recuperação do prédio histórico, que já estava contemplado no antigo PAC Cidades Históricas.

Implantação do Museu da Cidade da Cidade de Pelotas (Casa 6) — Segundo a prefeitura, o projeto prevê recursos municipais, estaduais e federais. O município ainda aguarda definição de quanto será a contribuição via Iphan enquanto atualiza orçamentos. A expectativa é de lançar licitação em janeiro.
Retomada da etapa final de obras do antigo Grande Hotel — A ideia é criar um hotel-escola no local, sob responsabilidade da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Conforme a assessoria de comunicação da UFPel, o trabalho segue em andamento, mas ainda sem prazo definido de conclusão.

Porto Alegre
Restauração do Museu da Comunicação Social Hipólito José da Costa — Conforme a Secretaria de Cultura do RS, o orçamento do projeto "ainda está em análise no Iphan". Depois de aprovado, terá início "o processo de assinatura do termo de parceria para a transferência dos recursos". Detalhes dependem do avanço nessas etapas.
Restauração do Memorial do Rio Grande do Sul e Arquivo Histórico (Antiga sede dos Correios) — O convênio está encaminhado, e as obras devem ter início em meados do ano que vem. Em período a ser definido, o atendimento ao público deve ser interrompido.
Restauração do Mercado Público — A fase atual do projeto prevê a renovação das instalações hidrossanitárias, elétricas e do piso do andar térreo. Com o convênio formalizado, a expectativa é de um ano de obras, sem necessidade de interromper o atendimento ao público.

Conclusão da obra de requalificação urbanística do entorno do Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo — O conjunto de obras em 30 trechos, que deverá ser entregue na segunda-feira (18), inclui melhorias na área urbana do município, envolvendo asfaltamento, calçadas, sinalização e ciclovias, entre outras intervenções. Os trabalhos não envolvem diretamente a área das ruínas.



















Memorial do RS deve entrar em obras no ano que vem
Anselmo Cunha / Agencia RBS



















Termo de compromisso envolvendo o Mercado Público deve ser assinado em breve
Anselmo Cunha / Agencia RBS

sábado, 23 de setembro de 2023

Dez anos após o lançamento do filme "O Tempo e o Vento", cidade cenográfica de Santa Fé está praticamente no chão

Construído dentro do Parque do Gaúcho, espaço serviu de cenário para as gravações da adaptação da obra de Erico Verissimo para o cinema e, após, foi doado para a prefeitura de Bagé

— Às vezes, de noite, está tudo em silêncio e, do nada, escuto um estouro. São as construções desabando — conta a moradora Fernanda Bastos Quadros, 41 anos, que vive a poucos passos da cidade cenográfica de Santa Fé, em Bagé, construída para as filmagens do longa-metragem O Tempo e o Vento (2013), dirigido por Jayme Monjardim e que estreou nos cinemas em 20 de setembro de 2013.

Se na obra original de Erico Verissimo (1905-1975), adaptada pelos roteiristas Tabajara Ruas e Letícia Wierzchowski, um dos principais objetivos da família Terra-Cambará é manter imaculado o solo do sobrado em que vive, sem a presença dos Amaral nele, hoje, seria impossível manter qualquer resistência ali. Isso porque o local, considerado quase sagrado pelos personagens da história — que é ficcional —, encontra-se no chão, reduzido a entulho, assim como praticamente todo o vilarejo.

E não foi apenas o casarão que deixou de existir nos últimos 10 anos: a cidade cenográfica toda encontra-se no mesmo estado — com exceção de duas construções que, depredadas, teimam em ficar de pé, mas já não possuem janelas, portas e apenas com resquícios de telhado. Estão condenadas ao mesmo destino das demais. O que antes serviu para contar uma das histórias mais impressionantes da cultura gaúcha e, depois, para receber visitantes, atualmente, chama atenção pela total devastação.

A velha placa de madeira, presa acima do portão que já não serve para nada, uma vez que toda a cerca ao redor foi arrebentada ou furtada, é o único meio de identificar, aos forasteiros, que aquela área se trata da cidade cenográfica de Santa Fé. Ainda naquela que seria a entrada, um pequeno recinto de madeira que foi, no passado, uma bilheteria, relembra que o espaço chegou a cumprir, por algum tempo, o seu destino de receber turistas e fãs da obra de Erico — a entrada, durante o período, custava R$ 5.

Morando de frente para a entrada da cidade cenográfica, em uma rua de chão batido que não tem nome, Paulo Casartelli, 45 anos, atualmente trabalha com curtume, mas, em 2012, foi chamado pela produção de O Tempo e o Vento para ajudar a erguer Santa Fé. Ele e mais dois colegas foram responsáveis por fazer as muretas de pedras que permeiam as casas — e, curiosamente, são as únicas construções que seguem de pé.

— Tinha uma turma boa trabalhando ali. Depois de pronto, fiquei por dois anos fazendo ronda na cidade cenográfica, como contratado. Era um movimento bagual. Só que, depois, largaram de mão. Ainda hoje, mesmo com tudo no chão, vem gente visitar. Imagina se tivesse bom. Ia ser um rico lugar, ainda mais para Bagé, que não tem quase nada. Agora, olho para ali e só posso lamentar — desabafa o vizinho do que sobrou de Santa Fé.

Mas, antes de contar como o local chegou a tal situação, é importante voltar no tempo. Ainda no começo da década passada, Bagé, entre diversos municípios gaúchos interessados, foi escolhida para servir de locação para O Tempo e o Vento, visando ganhar evidência para o Brasil inteiro, bem como movimentar economicamente a região. O prefeito da época, Dudu Colombo, cedeu um espaço público, dentro do Parque do Gaúcho, a cerca de quatro quilômetros do centro da cidade, para que o vilarejo fosse construído.

Segundo a produção do longa, foi feito um investimento de cerca de R$ 1,5 milhão para colocar de pé 17 construções típicas do século 19, que ocuparam uma área aproximada de 10 mil metros quadrados. A direção de arte trabalhou para fazer um retrato o mais próximo do fiel da arquitetura daquela época, a partir de meses de pesquisa, com casas de chão batido e telhado de palha. Ainda dedicou uma atenção especial para a clássica figueira, que ficava localizada no centro de Santa Fé e servia como ponto de encontro dos personagens: a árvore artificial foi projetada no Rio de Janeiro, contava com uma estrutura metálica e precisou de 15 dias para chegar ao Rio Grande do Sul — milhões de folhas, inclusive, foram encomendadas e vieram diretamente da China. Cada detalhe foi muito pensado.

Tudo foi feito para que, com a magia do cinema, o espectador embarcasse em uma viagem para a época das guerras e revoluções gaúchas. Após as filmagens, que ocorreram no primeiro semestre de 2012, o acordo com o governo municipal foi de entregar o local utilizado como locação para ser explorado turisticamente — e, de fato, foi o que aconteceu. Porém, as casas, apesar de apresentarem fundações feitas de alvenaria, pedra e concreto, contavam, em sua maioria, com paredes construídas com OSB (espécie de compensado de madeira), com uma pintura que apenas simulava alvenaria. Ou seja, frágil, temporário. Com muita manutenção, o espaço, talvez, aguentasse de pé por três anos.

— Se o poder municipal tivesse começado, assim que entregamos a cidade, a fazer as substituições das paredes por alvenaria, o espaço estaria em pé hoje e Bagé não teria ficado um dia sequer sem aquela atração, que tinha um potencial enorme. Fui lá visitar duas vezes, depois do fim das gravações e, na última, decidi que não iria mais, para não ver a destruição do local — afirma o produtor executivo Beto Rodrigues, 66 anos, da Panda Filmes, coprodutora do filme.

Ainda de acordo com o profissional gaúcho, ele foi quem mais tempo se envolveu com o projeto — cerca de um ano e meio —, visto que Monjardim, enquanto rodava o longa, ainda estava no comando de uma novela no Rio de Janeiro. Assim, Rodrigues criou um afeto especial por Santa Fé e, nos primeiros meses após a entrega do vilarejo para a prefeitura, o produtor enfatizou que houve um cuidado "louvável", com o cercamento da área e até mesmo a colocação de uma bilheteria. A ideia dele, inclusive, era doar itens utilizados no longa-metragem para um museu no local.

Porém, a cidade não conseguiu dar continuidade à manutenção e sequer fazer a transposição do casario para alvenaria. O produtor aponta, ainda, que o prefeito da época, Dudu Colombo (PT), até que tentou recorrer aos ministérios da Cultura e do Turismo, na ânsia de salvar o local. Sem conseguir estabelecer parceria com o governo federal, o chefe do executivo municipal construiu um projeto e mandou para votação da Câmara de Vereadores, com a intenção de fazer um leilão de Santa Fé para a iniciativa privada e, assim, manter viva a cidade cenográfica. Segundo o político, sequer foi votado.

— Tentamos manter com os recursos públicos, do município, mas não era possível. A ideia era vender a área toda, que acho que gira em torno de um hectare. Lamentamos, na época, que o Legislativo não tenha dado a importância necessária para o espaço. Seria, com certeza, uma grande fonte de renda e impulsionaria o município — destaca Colombo.

O ex-chefe do Executivo de Bagé recorda que a cidade cenográfica acabou fechando definitivamente para o público ainda em sua gestão, por questões de segurança, uma vez que as estruturas já estavam sucumbindo. Assim, os últimos visitantes que puderam conhecer Santa Fé como ela foi idealizada para a produção do filme estiveram por lá no começo de 2016. Desde então, o local foi largado à própria sorte, com tentativas fracassadas de fazê-lo voltar às glórias de antes.

Dois Rodrigos Cambará

Quando desembarcou em Bagé para interpretar o icônico Capitão Rodrigo Cambará, Thiago Lacerda logo ficou impressionado com a cidade cenográfica. Para o artista, aquele espaço levou verdade para O Tempo e o Vento e, além disso, fez com que a produção se aproximasse da comunidade e gerou uma emoção genuína nos envolvidos, construindo relações mais fortes — uma delas, inclusive, cruzou os limites da cidade cenográfica.

Ao chegar por aquelas bandas, o ator ouviu da equipe da cenografia: "Já conheceu o Capitão Rodrigo?". Era um cachorro de rua, que liderava uma matilha no Parque do Gaúcho.

— Imediatamente, o tal Capitão Rodrigo colou em mim, ficou de meu chapa. E aí eu gravava, ele vinha, o Jayme (Monjardim) gritava "corta", ele ia embora. A gente foi ficando amigo e, no final do filme, eu trouxe o Capitão comigo para o Rio de Janeiro. Foi uma conexão muito forte entre nós dois, parece que ele sabia quem era o Capitão Rodrigo — recorda Lacerda.

Intérprete de Juvenal Terra, cunhado do Capitão Rodrigo, Cris Pereira teve o mesmo sentimento ao encontrar com Santa Fé. Ao andar pela cidade cenográfica, sentiu-se mergulhado em uma viagem no tempo, ficando impressionado com a grandeza e os detalhes do espaço — desde praça, passando pelos bolichos, até as árvores.

— Tudo muito perfeito. É o lance da magia da arte, que traz um ambiente verdadeiro, mesmo que ele não tenha existido. A produção deixou tudo como a gente imaginava quando leu O Tempo e o Vento e, então, era muito louco chegar lá e ver a leitura ganhando vida. Era uma cidade mesmo, e tu ficava imerso no personagem, vivendo naquele vilarejo. As pedrinhas no chão, a carroça passando, o costelão 12 horas no fogo de chão, do lado da árvore, o baile que esteve na rua com as bandeirinhas penduradas. Era possível entrar nas casas e era tudo detalhadamente bem feito. Um potencial enorme — explica Pereira, frisando que era tema de todos os atores lerem a obra original.

Lacerda conta que tentou ajudar a manter a cidade em pé, colocando-se à disposição das autoridades públicas para, por exemplo, gravar vídeos, fazer participações no local sempre que estivesse por Bagé e, também, doar itens pessoais que utilizou nas filmagens, como o chiripá, para criar um acervo dedicado ao longa-metragem.

— Quando a gente estava filmando, era muito evidente que aquilo era uma maravilha, que era uma oportunidade muito interessante para Bagé. E eu acho que o fato de a cidade cenográfica não ter permanecido, de não existir mais, revela muito sobre a falta de visão, a falta de educação e a falta de proposições do poder público e da própria sociedade em que a gente vive. Essa ruína é um fracasso da sociedade de Bagé e do Estado do Rio Grande do Sul. Inadmissível que um município como Bagé, que tinha um potencial econômico e cultural, tenha deixado a cidade cenográfica se deteriorar com o tempo. Todos nós fomos incompetentes na tentativa de preservar aquilo — reflete o ator.

Já Pereira, que aproveitou a oportunidade em O Tempo e o Vento para mostrar sua faceta de ator dramático, fugindo da comédia, acredita que um clássico como a obra de Erico Verissimo poderia ter ali, em Bagé, a chance de ganhar um templo de exaltação à sua importância, atraindo novas gerações para a leitura e, também, ressaltando a relevância do cinema nacional. Ele acredita que a adaptação Monjardim deveria ter tido ainda mais projeção do que teve.

— Eles deixaram a cidade cenográfica como quando terminou a guerra. Essa ideia de reconstruir, de refazer, estou escutando há bastante tempo. Diziam "nós vamos manter isso", "vai virar tal coisa", passou 10 anos e não aconteceu nada. Eles vão, agora, revitalizar? Estou escutando isso há muito tempo. Então esse papo de que vão fazer, para mim, são só palavras — diz Pereira.

Reconstrução à vista

No começo deste ano, o governo de Bagé, que é comandada desde 2017 pelo prefeito Divaldo Lara, decidiu dividir a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo em duas — Cultura e Turismo, acreditando no potencial de trazer visitantes para o município. E, à frente desta última pasta está a engenheira civil Aliane da Croce, 35 anos, que tem como principal objetivo a reconstrução de Santa Fé. Ela pretende representar os esforços da comunidade em manter o local — inclusive, há resquícios de uma tentativa desesperada de bageenses comuns de preservar o que restou da cidade cenográfica, com paredes de tijolos sendo erguidas na parte de dentro de uma das edificações que seguem de pé. Não resolveu, e a estrutura base praticamente se desfez.

— Anos atrás, houve uma mobilização de pessoas, os mais apaixonados pelo espaço, que tentaram manter a cidade viva, colocando ali seus recursos próprios. Não foi o suficiente, infelizmente — recorda a secretária, apontando que, nos relatórios da pasta, a média de visitação de Santa Fé era de 450 pessoas por mês.

Enquanto alguns prezavam pela existência do local, Aliane explica que outros tantos colaboraram para a cidade cenográfica sucumbir. De acordo com a titular da pasta de Turismo, pessoas dos arredores invadiam o espaço para furtar telhas e outros materiais.

A afirmação da secretária vai ao encontro do que dizem os vizinhos do que restou de Santa Fé. A doméstica Miriam Cuadros Noble, por exemplo, relembra que o espaço tinha bastante visitação, mas, com o tempo, deixou de atrair turistas para ser um chamariz de quem queria tirar proveito das estruturas.

— Antes, até tinha guardinha, mas depois deixou de ter. Aí, o pessoal começou a vir para roubar os telhados, as madeiras. Volta e meia encostava uma carroça ali e saia carregada. É uma pena, né? De vez em quando, alguém para e pergunta o que era aquilo ali. Se funcionasse, poderia colocar o nosso lugar aqui no mapa. Não temos nem nome aqui na rua. As nossas correspondências não podemos receber, temos que cadastrar o endereço de algum parente que mora mais no centro — lamenta Miriam.

Agora, por meio de uma emenda parlamentar do deputado federal Afonso Hamm (PP), de 2019, conseguiu-se um valor de R$ 270 mil e, em contrapartida, foram incrementados mais R$ 241 mil do município. Com esse montante, será reerguida a primeira parte do projeto, agora encabeçado por Aliane, que é o icônico sobrado dos Terra-Cambará. No terreno, a empresa B3 Engenharia, contratada por meio de licitação, já construiu as fundações, mas parou no contrapiso. O motivo? A segurança.

— Tudo o que deixa aqui, o pessoal leva. É descampado. Então, nesta etapa, como é um sobrado, em dois pavimentos, a empresa está fazendo na oficina as ferragens, até o segundo pavimento. Depois, eles vêm e montam. E ainda tem uma praticidade que, se chove, eles conseguem seguir produzindo. Se estão no terreno, se chove, para tudo — aponta Aliane.

Segundo a secretária, se tudo der certo, o primeiro casarão estará de pé até o final do ano e, ali, será construído um centro cultural, com um acervo dedicado ao filme de 2013 — inclusive, a produção deixou roupas e outras peças utilizadas nas gravações. Esse espaço será o centro de um ecossistema que entregará aos visitantes experiências gastronômicas e artísticas. Assim que a estrutura estiver de pé, a secretaria pretende fazer um convênio com alguma organização de Bagé para administrar e cuidar do local.

Em paralelo com o sobrado dos Terra-Cambará, a construção de seis casas menores já está sendo viabilizada, com apoio do governo do Estado, por meio da Secretaria de Turismo, que já sinalizou positivamente com R$ 2,5 milhões — falta, agora, o município entregar o projeto detalhado para a liberação da verba. A igreja, também, deverá ser reerguida, com o apoio de uma produtora de Pelotas, que coincidentemente se chama Santa Fé.

Dessa forma, espera-se que até o final de 2024 oito construções estejam prontas para que o espaço comece a receber o público — as outras nove do projeto inicial serão erguidas conforme mais verbas forem sendo liberadas. Porém, será uma jornada longa e, quem decide visitar o local, percebe que ainda tem muito trabalho pela frente.

— Provavelmente, só o paisagismo será mantido, com os coqueiros. O resto todo será refeito. É uma pena que levaram até a árvore bonita que tinha aqui, a figueira — relembra Aliane. — Tem um potencial gigante de transformar isso aqui em uma rota nacional turística. E o maior desafio não é nem tirar Santa Fé do chão, mas, sim, manter tudo, porque a população destrói. Vamos ter que fazer um projeto de conscientização com o povo, para desenvolver o sentimento de pertencimento — pondera ainda.

O novo projeto reerguerá os prédios tentando se aproximar o máximo possível do original criado para o filme — até a planta baixa da Santa Fé do filme está nas mãos da equipe da Secretária de Turismo. Porém, algumas mudanças precisarão ser feitas, como adaptar os telhados de algumas casas que eram feitos de palha ou, então, paredes de barro —esses materiais demandam muita manutenção e têm pouca durabilidade. A ideia é deixar tudo o mais sólido possível, para que o processo de degradação não atinja tão cedo o espaço, deixando-o resistente ao tempo e ao vento.

"E nasce o sol e põe-se o sol. E volta ao seu lugar onde nasceu. O vento vai para o Sul e faz o seu giro para o Norte. Continuamente vai girando o vento. E volta fazendo os seus circuitos. Uma geração vai, outra geração vem. Porém, a terra para sempre permanece", diz Bibiana (Fernanda Montenegro) ao final de O Tempo e o Vento, reforçando que o chão segue no mesmo lugar, paciencioso, esperando.



















A entrada do que restou da cidade cenográfica de Santa Fé, em Bagé
Mateus Bruxel / Agencia RBS


















Apenas duas construções da época das filmagens seguem de pé, mas em situação deplorável
Mateus Bruxel / Agencia RBS


















Imagem aérea do que restou do local onde foi gravado "O Tempo e o Vento", em Bagé
Mateus Bruxel / Agencia RBS


















O espaço onde foi erguida Santa Fé fica no Parque do Gaúcho, em Bagé
Mateus Bruxel / Agencia RBS


















A cidade cenográfica de Santa Fé em seu esplendor, na época das filmagens do filme "O Tempo e o Vento"
Bruno Alencastro / Agencia RBS


















Depois das gravações do filme, o espaço foi cedido para a prefeitura de Bagé
Nauro Júnior / Agencia RBS


















Atualmente, o sobrado da família Terra-Cambará está sendo reerguido, em alvenaria, em Santa Fé
Mateus Bruxel / Agencia RBS

sábado, 19 de agosto de 2023

Dia Mundial da Fotografia: conheça a primeira foto a registrar pessoas na história, feita há mais de 180 anos

Invenção da fotografia na França, por Louis Daguerre, foi compartilhada com o mundo em 19 de agosto de 1839. Ao tentar registrar rua movimentada de Paris, Daguerre conseguiu mostrar apenas duas (ou três) figuras que ficaram paradas durante todo o tempo de exposição.

A história da fotografia tem muitos causos fascinantes. Neste Dia Mundial da Fotografia o g1 te conta sobre a primeira foto a registrar figuras humanas em toda a história. Spoiler: não foi uma selfie.

A cena é uma rua movimenta de Paris --só que não. Como o tempo de exposição para registrar uma foto no papel ainda era muito demorado, em torno de 4 a 5 minutos, praticamente ninguém ficou parado esse tempo todo, e acabou "sumindo" no papel. Com exceção de duas pessoas: um homem com o sapato sujo e o engraxate que estava resolvendo esse problema.

Autor da imagem, Louis Daguerre foi o responsável pela descoberta mais famosa de um processo fotográfico, ainda na década de 1830. Visto como um "bom marketeiro" por estudiosos, Daguerre fez um grande espetáculo no dia em que foi compartilhar sua invenção com o mundo, em 19 de agosto de 1839. Não por acaso, a data virou referência para o "aniversário" da fotografia.

O g1 já contou, no entanto, que essa não foi a única invenção de um processo fotográfico. Houve, inclusive, uma descoberta comprovada em solo brasileiro, coincidentemente na mesma época - além de outras já investigadas e comprovadas.

Mas voltando à fotografia icônica de Daguerre (acima), o professor, pesquisador e crítico da fotografia Ronaldo Entler ajudou a lembrar a história por trás da cena, além de suas curiosidades. Há dois pontos debatidos pelos estudiosos que giram em torno de mistério e valem ser lembrados:

- Criança na janela? - Em algum momento passou-se a considerar a possibilidade de haver na foto uma terceira pessoa retratada, além do homem do sapato sujo e do engraxate. Em uma janela no primeiro plano é possível ver uma cortina com uma abertura e o que poderia ser o rosto de uma criança (ou de uma pessoa bem baixinha ou sentada) observando o lado de fora. Mas convenhamos que, a essa altura do campeonato, é impossível cravar essa informação; então, caro leitor, acredite no que achar melhor.

- Parados por coincidência? - Ronaldo também recorda que o fotógrafo e estudioso Joan Fontcuberta, que tem uma clara queda por se valer da polêmica em seus trabalhos, passou a defender que a cena do engraxate na verdade foi "forjada" por Daguerre. Fontcuberta considera que, por ter seu estúdio justamente naquela região da cidade, o fotógrafo teria combinado com os dois retratados para que eles ficassem ali na melhor função estátua possível durante os 4 ou 5 minutos que uma fotografia levava para ser fixada no papel. É de se pensar. E você, o que acha?