sábado, 14 de janeiro de 2017

"Stonehenge" descoberto está mudando visões de arqueólogos sobre história da Amazônia

Alguns pesquisadores agora afirmam que a maior floresta tropical do mundo era muito menos parecida com o "Éden" do que foi imaginado

Como capataz de uma fazenda de gado nos confins da Amazônia brasileira, Lailson Camelo da Silva estava derrubando árvores para transformar a floresta tropical em pasto quando se deparou com um arranjo bizarro de imensos blocos de granito.
— Não tinha ideia que estava descobrindo o Stonehenge da Amazônia — afirmou Silva, de 65 anos, em um dia muito quente de outubro enquanto admirava o sítio arqueológico ao norte do Equador. 
— Isso me faz pensar: que outros segredos sobre nosso passado ainda estão escondidos nas florestas do Brasil?
Após realizar um teste de radiocarbono e fazer medições durante o solstício de inverno, os pesquisadores do campo da arqueoastronomia determinaram que uma cultura indígena arrumou os megalitos em forma de observatório astronômico cerca de mil anos atrás, ou cinco séculos antes do início da conquista da América pelos europeus.
As descobertas, junto com outros achados arqueológicos no Brasil nos últimos anos – que incluem gigantescas esculturas de terra, vestígios de assentamentos fortificados e até mesmo complexas redes de estradas – estão mudando visões anteriores dos arqueólogos que acreditavam que a Amazônia havia sido relativamente intocada pelos humanos a não ser por pequenas tribos nômades.
Ao invés disso, alguns pesquisadores agora afirmam que a maior floresta tropical do mundo era muito menos parecida com o "Éden" do que foi imaginado, e que a Amazônia possuía uma população de até dez milhões de pessoas antes das epidemias e da matança em larga escala conduzida pelos colonizadores europeus.
No que hoje é o pouco povoado estado do Amapá, no norte do Brasil, as pedras do sol descobertas por da Silva perto de um rio chamado Rego Grande estão dando pistas sobre como os povos indígenas da Amazônia podem ter sido muito mais sofisticados do que acreditavam os arqueólogos no século XX.
— Estamos começando a remontar o quebra-cabeça da história humana na Bacia Amazônica e o que estamos encontrando no Amapá é absolutamente fascinante — afirma Mariana Cabral, arqueóloga da Universidade Federal de Minas Gerais que, junto com o marido, o também arqueólogo João Saldanha, vem estudando o sítio de Rego Grande há uma década.
No século XIX, o zoólogo suíço Emílio Goeldi viu os megalitos – pedras monumentais – em uma expedição pela fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. Outros pesquisadores, entre eles a pioneira da arqueologia americana Betty Meggers, também encontraram esses sítios, mas afirmaram que a Amazônia era muito inóspita para abrigar assentamentos humanos complexos.
Foi apenas quando da Silva, o então capataz da fazenda, descobriu as pedras de Rego Grande enquanto desmatava a floresta nos anos 1990 que os estudiosos deram mais atenção aos achados. Da Silva diz que viu o sítio pela primeira vez quando estava caçando porcos selvagens por ali na adolescência durante os anos 1960, mas depois passou a evitar a área.
— No início, o lugar parecia sagrado, como se não devêssemos estar lá. Mas foi impossível não vê-lo durante os grandes desmatamentos dos anos 1990, quando a prioridade era queimar as árvores — conta da Silva, que agora é o guardião do sítio de Rego Grande. 
Cerca de dez anos atrás, depois de garantir fundos públicos para isolar as pedras, os arqueólogos brasileiros liderados por Mariana Cabral e João Saldanha começaram a escavar o sítio, que tem a forma de um círculo. Eles logo identificaram um pedaço do rio a 3,2 quilômetros de distância de onde os blocos de granito podem ter sido retirados.
Eles também encontraram urnas de cerâmica que sugerem que pelo menos parte do sítio de Rego Grande pode ter sido um cemitério; enquanto colegas do Instituto de Pesquisa Científica e Tecnológica do Amapá descobriram que uma das pedras altas parecia estar alinhada com o caminho do sol durante o solstício de inverno.
Depois de identificar outros pontos do sítio onde as pedras podem ter sido associadas com o movimento do sol no solstício, os pesquisadores começaram a montar uma teoria de que Rego Grande pode ter servido para várias funções cerimoniais e astronômicas conectadas com os ciclos da agricultura ou da caça.
Mariana Cabral diz que Rego Grande e uma série de outros sítios megalíticos menos elaborados descobertos no Amapá podem também ter sido usados como marcos para os caçadores e pescadores em uma paisagem que estava sendo transformada pelos povos da Amazônia milênios atrás.
Outros pesquisadores dizem que é necessária mais informação sobre Rego Grande para alçar o sítio ao reino de lugares pré-históricos claramente concebidos como observatórios astronômicos.
— Já vimos muitas afirmações parecidas, mas é preciso mais do que um círculo de pedras para ser um Stonehenge — diz Jovita Holbrook, pesquisadora de Astronomia Física e Cultural da Universidade do Cabo Ocidental da África do Sul, reforçando a necessidade de mais descobertas sobre as características de Rego Grande e de como o sítio era usado pelas pessoas que o construíram.
Por enquanto, Rego Grande, que os locais chamam de Stonehenge Amazônico, permanece enigmático. Fragmentos de cerâmica atravessam o solo como se estivessem oferecendo pistas tentadoras sobre o local, que dá a impressão de uma obra de arte conceitual contemporânea. Os pesquisadores ainda estão tentando determinar como o Rego Grande se encaixa nas visões, que não param de evoluir, da história humana na Amazônia.
John McKim Malville, físico solar da Universidade do Colorado que escreve extensamente sobre arqueoastronomia, enfatizou a maneira como o campo está se afastando do foco exclusivo nas funções astronômicas para olhar para interpretações mais holísticas, entre elas cerimônias e rituais de culturas antigas.
Nesse sentido o sítio de Calçoene oferece um vislumbre intrigante do passado da Amazônia.
— As pedras de Rego Grande são extraordinárias e sua irregularidade pode conter um sentido próprio, diferente de outros sítios megalíticos do resto do mundo — explica Malville, levantando a possibilidade de que Rego Grande reflita a importância do animismo – a atribuição de alma a entidades da natureza e a objetos inanimados – nas culturas da Amazônia.
— Podemos apenas especular o que essas pedras significam — afirma.
Por Simon Romero










Fotos: Dado Galdieri/The New York Times

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Nas alturas: bonde histórico é içado antes de ser levado para associação cultural na zona sul de Porto Alegre

Estrutura já foi usada como sede de uma igreja evangélica e atualmente abriga atividades artísticas

Por: Bárbara Müller



Desativado desde 1970, um bonde voltou às ruas de Porto Alegre na manhã desta quinta-feira. Desta vez sem energia elétrica, sua aparição foi em cima de um caminhão-guindaste, que transportou o ainda imponente veículo da Avenida Otto Niemeyer até a Rua Dr. Mário Totta, no bairro Tristeza, na zona sul da Capital. Instalado ao lado de um ateliê, a unidade original da companhia Carris já abrigou uma igreja evangélica e uma sala de arte, além de transportar os porto-alegrenses pelas ruas da cidade.
— Eu estou tremendo de nervosa, o coração está a mil — exclama a arquiteta e proprietária do "veículo" Ângela Ponsi, 44 anos, que acompanhava o processo de içamento do bonde desde às 8h com o celular a postos para registrar todo e qualquer movimento.
A estrutura foi levada para a Associação Recreativa Cultural e Esportiva (Adesbam). De acordo com Ângela, foi firmada uma parceria com a entidade para promover uma programação cultural no local e fomentar as atividades artísticas na Zona Sul. A ideia é receber o público e escolas da Capital a partir de uma agenda que ainda não tem data de divulgação. A decisão de mudar o bonde de local surgiu quando o valor do aluguel do terreno onde a estrutura estava começou a pesar no bolso.
— Hoje, estou realizando um sonho. Eu não queria vender, então busquei uma parceria que fosse manter a mesma proposta cultural e histórica que realizamos desde que adquirimos o bonde. Ele continuará sendo meu, só vai mudar de lugar. É amor antigo — brinca Ângela.


Desde outubro de 2016, a arquiteta estava em busca de transportadoras e de licenças da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) para fazer o deslocamento do veículo.

— É histórico! É a primeira vez que carregamos um bonde. Hoje em dia, é raro ver um na rua, né? — diz, orgulhoso, Rodrigo dos Santos, 34 anos, gerente da Breno Guindastes, empresa que trabalhou no içamento da estrutura. 


Templo religioso e artístico 

Foi amor à primeira vista quando Zilka Ponsi, 86 anos, hoje aposentada, e a filha Ângela depararam com o bonde de 13 metros de comprimento e 3 de largura antes que a estrutura virasse sucata. A relíquia amarelo-ocre pertence à família há 18 anos.
—A minha filha é apaixonada por coisas antigas e ela merecia muito, é muito lindo! O bonde ia ser vendido ao ferro velho, aí trouxemos lá do Lami — rememora dona Zilka, que pagou cerca de R$ 2 mil no negócio.
Antes de ser comprado, em 1998, o bonde era ponto de encontro de religiosos do bairro Lami. No local, funcionava uma igreja evangélica. Dona Zilka conta que o pastor quis vender porque queria construir um espaço maior para receber seus fiéis e não seria possível com a estrutura no terreno. Daquele tempo para cá, o veículo passou por uma restauração, mantendo a cor original e trocando apenas o piso. Fixado ao lado do ateliê da família, o espaço foi utilizado para saraus, apresentações de teatro e atividades artísticas.
— A mãe é pintora autodidata, tinha esse espaço de arte e recebia os amigos aqui. Em 2009, inauguramos o Atelier do Bonde, abrimos a área para visitação de escolas, realizamos oficinas, contação de histórias, noites de autógrafos. É um trabalho muito bonito que quero dar continuidade agora no novo espaço — comenta Ângela.
O custo da primeira restauração e dos içamentos do Lami até a Tristeza e da Avenida Otto Niemeyer até a Rua Dr. Mário Totta foi por meio de recurso próprio. Atualmente, a estrutura precisa de um retoque na pintura e alguns reparos para voltar a oferecer atividades à comunidade.
— Quero colocar bancos dentro do bonde. Nós temos um projeto de restauro e de paisagismo para a área onde ele ficará de agora em diante.
Ainda não há data para a inauguração do novo espaço e para o início das atividades abertas ao público. 







Imagens: Camila Domingues / Especial
 

domingo, 8 de janeiro de 2017

Cidade de Goiás recebe Mercado Municipal e celebra 15 anos como Patrimônio Mundial

São vários os bons motivos para se morar ou conhecer a Cidade de Goiás (GO). Entre eles está o de a Cidade ostentar por 15 anos o título de Patrimônio Mundial, completados nesta quinta-feira, 15 de dezembro. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), atuante na preservação do conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico do Centro Histórico de Goiás – protegido pelo órgão desde 1987, participou das festividades do marco histórico, e entregou à população o Mercado Municipal restaurado, pronto para ser reaberto. 

A cerimônia de inauguração do centro comercial de maior destaque do local, inaugurado em 1926, contou com a presença do governador de Goiás, Marconi Perillo, da presidente do Iphan, Kátia Bogéa, acompanhada pelo diretor do PAC Cidades Históricas, Robson de Almeida, pela superintendente do Iphan-GO, Salma Saddi, e pela prefeita da cidade de Goiás, Selma Bastos. 

O processo de restauração ocorreu de portas abertas, possibilitando a presença dos comerciantes e intensa participação da comunidade durante toda a obra. O governador Marconi Perillo agradeceu a parceria e o trabalho realizado pelo Iphan na cidade em Goiás e todo o Brasil. “Presto meu reconhecimento como governador de estado e como cidadão, muito obrigado ao Iphan e ao Ministério da Cultura pelo trabalho de preservação. Obrigado também à Unesco, por ter se lembrado naquela época de uma cidade encrustada no centro do Brasil, e ter nos feito a advertência, de que que foi difícil conquistar o título, mas que ainda mais difícil seria manter o patrimônio”, concluiu. 

Financiada com recursos do PAC Cidades Históricas, custando R$ 10 milhões, a restauração garantiu a revisão completa de todo o sistema elétrico e hidrossanitário do mercado. Entre outros benefícios estão implantação de sistema de proteção contra raios, sistema de proteção contra incêndio, sistema de gás canalizado, sanitários acessíveis e em capacidade de atendimento superior às normas nacionais.

“O Mercado Municipal de Goiás é um claro exemplo de que investir no Patrimônio Cultural Brasileiro é essencial para o fortalecimento das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento socioeconômico do país, além de reforçar o sentimento de pertencimento dos brasileiros em relação aos bens culturais nacionais, tão valorizados pelo instituto desde sua criação, há quase 80 anos”, disse Kátia Bogéa. 

As intervenções duraram cerca de dois anos e preservaram as principais características do Mercado, mantendo os aspectos que o aproximam da arquitetura neoclássica, que era tendência no início do século XX, em Goiás.

Patrimônio Mundial há 15 anos
O conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico do Centro Histórico de Goiás foi tombado pelo Iphan em 1978 e o reconhecimento  como Patrimônio Mundial, pela UNESCO, veio em 16 de dezembro de 2001. E para comemorar os 15 anos de Patrimônio da Humanidade, a Prefeitura de Goiás promove uma programação especial, com atividades que iniciam no dia 15 e vão até o dia 18 de dezembro. 

A cidade de Goiás é testemunha da ocupação e da colonização do Brasil Central nos séculos XVIII e XIX. As origens da cidade estão intimamente ligadas à história das bandeiras que partiram principalmente de São Paulo para explorar o interior do território brasileiro. 

A expansão para o oeste do Brasil exigiu a simplificação dos modelos arquitetônicos vigentes na época, devido à ausência de técnicos, arquitetos e mestres de ofícios na região. Goiás foi o primeiro núcleo urbano oficialmente reconhecido ao oeste da linha de demarcação do Tratado de Tordesilhas, que definiu originalmente as fronteiras da colônia portuguesa. O seu traçado urbano é um exemplo do desenvolvimento orgânico de uma cidade mineradora adaptada às condições do sítio. Apesar de modesta, tanto a arquitetura pública quanto a privada formam um conjunto harmonioso, graças ao coerente uso dos materiais locais e das técnicas aplicadas.

A cidade desenvolveu-se entre morros, ao longo do Rio Vermelho. A sua margem direita possui ocupação de caráter popular, onde se destacam as igrejas do Rosário, originalmente reservada aos escravos, de Santa Bárbara, de Nossa Senhora do Carmo e de Nossa Senhora da Abadia. Na sua margem esquerda encontram-se os edifícios oficiais mais representativos, como a Igreja Matriz de Santana (hoje Catedral), o Palácio do Governo (Conde dos Arcos), o Quartel do Vinte, a Casa de Fundição, a Casa de Câmara e Cadeia (hoje Museu das Bandeiras) e o Chafariz de Cauda.

PAC Cidades Históricas
O PAC Cidades Históricas está sendo implantado em 44 cidades de 20 estados da federação. O investimento em obras de restauração é de R$ 1,6 bilhão, destinado a 425 obras de restauração de edifícios e espaços públicos. Em Goiás, além do Mercado Municipal, já foram entregues as obras do Casarão da Escola de Artes Veiga Valle, da Ponte da Cambaúba e o Arquivo Diocesano Dom Tomás Balduíno, da Sede da Diocese de Goiás. Atualmente mais duas obras estão em andamento na cidade, a restauração do Cine Teatro São Joaquim e a sede da Prefeitura Municipal, com previsão de investimento de R$ 28 milhões. 


Fonte das Imagens: Site Iphan




quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Fundação Iberê Camargo organiza força-tarefa para superar crise e aproximar-se do grande público

Redução de financiamento levou a instituição a restringir a programação

Por: Luiza Piffero


No meio da semana, a Fundação Iberê Camargo (FIC) é um enorme e sofisticado edifício com as luzes apagadas. O site está calado, sem indício de programação nem notícias publicadas desde 28 de agosto. São tão poucos sinais de vida que se multiplicaram rumores sobre o fechamento definitivo do prédio, que desde 23 de agosto funciona apenas dois dias por semana e com equipe reduzida.

Em dezembro, veio o primeiro esboço de uma reação: a FIC lançou uma campanha para receber doações do Imposto de Renda do público. Foi uma pista do novo objetivo da instituição: dialogar mais com a comunidade. O comunicado também trazia a notícia de que Justo Werlang agora é o diretor-presidente da FIC. Chamado para substituir Rodrigo Vontobel, o executivo assumiu em 7 de dezembro. Está à frente de uma força-tarefa de diretores e conselheiros que se mobiliza para angariar patrocínios, cortar custos e desenhar uma nova FIC.
Werlang recebeu ZH para duas conversas nas quais a incerteza deu o tom. Ficou claro que não há previsão para que a instituição volte a abrir seis dias por semana. Aliás, a possibilidade de a sede fechar as portas não foi efetivamente descartada. Também não foram divulgados dados financeiros de 2016, tampouco os patrocinadores atuais.
— Estamos buscando ampliar o número de patrocinadores no sentido de gerar sustentabilidade ao projeto — afirma Werlang. — Não podemos divulgar nomes porque esses contratos não estão fechados. Assim que tivermos fechado o volume de recursos necessários para abrir a instituição seis dias por semana, isso será feito.
Atualmente, apenas um dos três andares da FIC está ocupado com uma mostra, Iberê Camargo: Diálogos no tempo. A programação de 2016 ainda previa exposição sobre o espaço cultural Torreão, que foi adiada para 2017.
— A FIC era uma das poucas instituições no Brasil que trabalhavam com três anos de programação. As pessoas entendiam que a FIC era um paradigma, o que ocorreu foi uma alteração muito drástica no financiamento, que determinou a derrubada da programação. A instituição tinha programado exposições no Exterior inclusive, tudo caiu — explica Werlang, relacionando o momento da instituição à crise econômica.
Hoje, cerca de 75% do orçamento da FIC depende da Lei Rouanet, que teve seu pior ano desde 2008. O superintendente cultural Fábio Coutinho chama a atenção para o agravamento da crise econômica nacional:
— O Brasil de agora está pior do que o de agosto. Sabendo que vários museus estão fechando, pode sim haver uma interrupção. Mas não acredito que vá acontecer. Acho que já passamos do pior. Uma instituição como a FIC não tem nada para vender, não tem como fazer uma liquidação, nós precisamos que o país e o Estado estejam bem.
A Fundação quer se aproximar do público
Em 2016, a empresa Edelman Significa realizou um estudo que está servindo de base para o reposicionamento da Fundação Iberê Camargo (FIC). A instituição quer se distanciar da imagem elitista e tornar-se mais convidativa ao público. Nesse sentido, não falta experiência a Justo Werlang, que fez parte do conselho da 10ª Bienal do Mercosul e está na diretoria da Bienal de São Paulo.
— De tanto em tanto, é necessário que as instituições que dependem de recursos privados façam uma revisão. Se ela não é feita, pode acontecer o que aconteceu no Masp, na Bienal de SP, o que aconteceu em 2015 na Bienal do Mercosul e também na Iberê Camargo. As instituições na década de 1990 tinham um formato que, para a FIC, não serve mais — diz Werlang.
O reposicionamento vai na direção da democratização de acesso e da diversificação da programação, que pode ganhar dinamismo ao promover conversas entre artes visuais e artes cênicas, música e literatura, tornando a FIC um "espaço de convivência". Para facilitar o diálogo com a cidade, a FIC pretende contratar um curador-residente. Seu principal papel será detectar as necessidades do público.
— Por que recebemos muita gente na Noite dos Museus e menos durante uma exposição? Por que não aproveitar e fazer outros eventos do tipo? — questiona Werlang.
No último dia 10, a FIC deu um passo nessa direção, ao ceder espaço para a festa do aplicativo Onni. Foi uma tática para atrair público à sede, que poderá ser repetida inclusive como fonte alternativa de renda.
A força-tarefa da FIC também olha para o passado da instituição e considera resgatar ações antigas, como seminários e itinerâncias.
— Antes de abrirmos o prédio, de 1998 a 2006, a instituição tinha um programa de itinerâncias, outro no qual curadores do Instituto de Artes eram chamados para curadorias, outro de seminários anuais. As conversas com a cidade ocorreram talvez mais antes da construção da sede — pondera Werlang.
A nova FIC não quer só receber públicos diversos, mas expandir sua atuação para além do prédio da Fundação. Esse processo seria ligado a ações educativas, que por meio de parcerias poderiam promover a inserção social pela arte.
— Muitos chamam a FIC de museu. Isso é um equívoco. A Iberê Camargo é uma Fundação. Seu escopo de trabalho é muito maior do que esse pequeno departamento que tem acervo e área expositiva — afirma o diretor-presidente da FIC.
Programação de 2017 está alinhavada
Não há apenas uma instituição que materialize o modelo que a FIC quer incorporar, mas Werlang faz referência à 6ª Bienal do Mercosul, reconhecida pela ênfase no programa educativo. Quando perguntado se o programa educativo será prioridade da FIC em 2017, Werlang recua até a época em que a sede estava sendo construída, período no qual recebeu 5 mil visitas de estudantes e profissionais de arquitetura e construção. Depois recua mais ainda, até a criação do Atelier Livre de Porto Alegre proposta por Iberê Camargo, em 1960.
— A FIC tem a vocação de oferecer oportunidades. A educação é a prioridade. Isso acontece na medida em que a Iberê esteja junto da cidade, em vez de dar as costas para ela.
O plano anual de captação de recursos da Fundação para 2017, já aprovado pelo Ministério da Cultura (MinC), prevê cinco exposições e tem custo de R$ 6,5 milhões. Esse valor, caso seja captado por meio da Lei Rouanet, possibilitaria a realização das mostras e o pleno funcionamento da FIC, com o retorno de projetos interrompidos em 2015 e 2016 (Artista Convidado, Bolsa Iberê Camargo e o catálogo raisonné de Iberê). A primeira exposição é herdada de 2016 e foi remarcada para 16 de março: Torreão: O tempo é onde, o lugar é quando, com curadoria de André Severo. Como em todos os anos, uma nova exposição de Iberê está prevista, mas pela primeira vez com curadoria de um artista — Paulo Pasta. A abertura está marcada para 29 de abril.
Entre 23 de julho e 29 de outubro, viriam duas exposições apresentadas em 2016 no centro do país: a retrospectiva da obra gráfica de Millôr Fernandes, realizada no Instituto Moreira Salles, no Rio, e uma mostra sobre livros de artistas apresentada no Itaú Cultural, em São Paulo. O ano fecharia com uma mostra programada para 9 de novembro que propõe uma conversa entre as gravuras de Iberê e as gravuras de mais 39 artistas que participaram do Programa Artista Convidado do Ateliê de Gravura da Fundação.
Essa programação pode ser ampliada e modificada para entrar em consonância com o reposicionamento da Fundação.
Fachada do prédio que sedia a Fundação Ibeê Camargo sofre com a redução dos serviços de manutenção Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS





Empresário e colecionador Justo Werlang está à frente da força-tarefa contra a crise: Carlos Macedo / Agencia RBS