domingo, 15 de setembro de 2024

Em Mostardas, árvore sob a qual Anita Garibaldi teria dado à luz seu primeiro filho sobrevive aos séculos

Localizada às margens da RSC-101, no litoral médio do Rio Grande do Sul, figueira é visitada por turistas e moradores do município, que se orgulham da história

Camila Bengo

Em meio à pressa de quem pega a RSC-101 rumo ao Sul do Estado, pode não haver tempo para as histórias. São necessárias mais de três horas para ir de Capivari do Sul a São José do Norte, onde uma balsa leva os viajantes até o porto de Rio Grande, principal destino da rodovia. Apesar da pressa de quem a percorre, a faixa de terra cercada pela Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico abriga histórias que sobreviveram ao tempo.

O percurso é atravessado por quilombos seculares, tradições açorianas que remetem aos primeiros imigrantes do Estado e rastros de episódios que marcaram a Guerra dos Farrapos, entre 1835 e 1845. Em um trecho do distrito de São Simão, em Mostardas, uma porteira na altura do quilômetro 238 da RSC-101 guarda as memórias do primeiro abrir de olhos de Domenico Menotti Garibaldi, primogênito de Giuseppe e Anita Garibaldi, que teria nascido ali em 16 de setembro de 1840, durante o confronto, aos pés de uma figueira ainda preservada. Território de uma história pouco conhecida, o local fica aberto para visitação de quem passa pela rodovia.

A árvore está localizada na propriedade da família Costa, que acolheu Anita nos dias finais da gravidez de Menotti. Em vias de dar à luz, ela já não tinha condições de seguir as tropas farroupilhas que rumavam a São José do Norte na intenção de conquistar o porto da cidade, então tomada pelas forças do Império. Foi ali, no rancho simples dos Costa, que a farrapa encontrou segurança, ainda que em meio à guerra, para trazer ao mundo o primeiro dos quatro filhos que teve com Giuseppe Garibaldi.

— Acolher a Anita foi um ato de coragem da família Costa — avalia Elma Sant'Ana, geógrafa que se dedica a pesquisar os Garibaldi há mais de três décadas. — Naquela época, o distrito de São Simão pertencia a São José do Norte (Mostardas virou município em 1963). Embora toda a região do Litoral Médio fosse simpatizante da causa farroupilha, a cidade era comandada pelo Império. Então, a partir do momento em que eles dão abrigo para Anita Garibaldi, eles se colocam em risco.

As consequências, de fato, vieram. Nove dias após o nascimento de Menotti, o rancho dos Costa foi cercado pelas tropas imperiais. Para escapar do ataque, ela teria se embretado nas matas da região com o filho nos braços, a cavalo, em cena que originou a famosa pintura Fuga de Anita Garibaldi a Cavalo, de Dakir Parreiras.

Há indícios de que a heroína tenha passado três dias escondida na mata com Menotti, conforme explica o historiador Adilcio Cadorin, fundador do Instituto Cultural Anita Garibaldi:

— Esse episódio demonstra a grande mãe que ela foi. Uma mulher determinada, que nunca abdicou dos seus ideais, mas também nunca abdicou da maternidade. Ela fica três dias na mata se alimentando de plantas e raízes para proteger o filho recém-nascido, até que é resgatada pelo Giuseppe.

Acredita-se que o líder farroupilha tenha chegado ao rancho dos Costa somente 12 dias após o nascimento de Menotti. Isso porque, antes do parto, ele rumou a Viamão no intuito de buscar roupas para o bebê que estava por vir. Foi nesse meio tempo que Anita deu à luz e o cerco ao rancho aconteceu, conforme narra Cadorin. Quando o casal finalmente se reencontrou, partiu atrás das tropas farrapas e não mais voltou ao distrito de São Simão, mas não esqueceu a solidariedade encontrada ali.

Uma carta enviada à família Costa em 1841, com a assinatura de Anita, documenta a gratidão da heroína. Naquele mesmo ano, Giuseppe abandonou o exército farroupilha e seguiu com ela para o Uruguai. Depois, Anita rumou à Itália, onde Menotti cresceu, construiu carreira como militar e político e morreu em 1903. O primogênito dos Garibaldi nunca voltou a pisar na terra onde nasceu, mas deixou rastros que ainda marcam a região.

Orgulho

O contexto do nascimento de Menotti Garibaldi é motivo de orgulho para Antonio Dias Chaves, 71 anos, descendente da família Costa. O agricultor ainda vive na propriedade onde Anita se exilou e se lembra de, na infância, ouvir a história familiar da guerrilheira farrapa que deu à luz naquelas terras.

— No colégio, não falavam nada disso, mas meu avô, meu pai e meus tios sempre falaram dessa guerrilheira que teve o filho na sombra da figueira dos Costa. Depois é que fui entender que a guerrilheira era a Anita Garibaldi — conta o descendente. — Foi uma boa ação que eles tiveram, né? Eu fico orgulhoso.

Apesar de a história atravessar gerações dentro da família Costa, não há registro documental de que Anita tenha dado à luz especificamente sob a figueira. O que se sabe é que o parto de Menotti Garibaldi ocorreu naquela cercania, mas pode ter sido realizado, por exemplo, dentro de um galpão que ficava localizado junto à árvore.

Marisa Guedes, historiadora responsável pela Casa de Cultura de Mostardas, explica que a história de Anita Garibaldi é construída a partir de diferentes narrativas:

— Há a versão que pode ser comprovada pelos registros históricos; a versão que se espalha através da história oral, daquilo que os antigos contavam; e o que foi inventado, fruto de uma tentativa de romantizar a Guerra dos Farrapos e o militarismo.

O detalhe sobre a localização exata do nascimento de Menotti Garibaldi circula entre esses diferentes territórios narrativos. Prevalece, então, a história oral que se perpetuou através da família Costa — de que a guerrilheira farrapa Anita Garibaldi deu à luz aos pés da figueira. A versão é cultuada pela população de Mostardas e carimbada pela prefeitura, que transformou a árvore em ponto turístico da cidade.

Uma placa sinalizando a importância histórica da figueira foi instalada pela administração do município em 1996, sobre uma pedra colocada na raiz do tronco. O local ficou conhecido na cidade como Pedra de Anita e passou a ser visitado por turistas e mostardenses como a servidora pública Luiza da Costa Lemos, a dona Luizinha, moradora de Mostardas que costuma visitar a árvore sempre que possível. Aos 70 anos, ela integra o chamado Grupo das Anitas, que reúne mulheres que se identificam com a história de Anita Garibaldi.

— Ela ter tido o filho dela aqui é um orgulho para a nossa cidade. Eu me sinto muito honrada de saber que nós fizemos parte dessa história, que Anita, Giuseppe e Menotti passaram pelos campos de Mostardas — afirma Luizinha. — Para mim, a Anita representa as mulheres e a nossa luta por igualdade. Eu gosto muito de vir aqui (na árvore) porque é um lugar bonito e de uma energia muito forte. A gente se sente bem de estar aqui.

Andar pelo local é, de fato, uma experiência sui generis. Placas guiam o caminho da porteira da propriedade até a figueira. Chegando lá, vê-se uma árvore de mais de cinco metros de altura cercada por outras vegetações que, juntas, formam uma espécie de bosque, limitando a entrada da luz solar e criando uma ambiência capaz de envolver totalmente quem ali chega. A figueira é tão imponente que faz com que o visitante se sinta pequeno, enquanto o canto dos pássaros que sobrevoam o local abafa qualquer eventual distração.

É impossível estar ali e pensar em outra coisa que não a história testemunhada por aquele pedaço da propriedade dos Costa. Quantas provações Anita Garibaldi não teria passado ali? Como teria sido seu parto? Será que alguém lhe segurava a mão nos momentos de dor? Será que Menotti, o bebê farrapo, choramingou ao abrir os olhos pela primeira vez? Ou teria precisado de uma palmada para induzir o choro? Tantas inquietações surgem que somente depois, já tendo deixado o local, percebe-se a roupa tomada por pega-pegas e as picadas de mosquito pelo corpo.

A natureza deixa suas marcas, mas o ambiente é agradável. Quando a reportagem visitou a figueira, dançarinos do Grupo de Artes Nativas Anita Garibaldi, de Encantado, também excursionavam por ali. Valéria Maria Bertamoni Belotti, patroa da entidade, arrependeu-se de não ter levado cadeiras e chimarrão para confraternizar. Sentiu-se à vontade no local.

— A gente fica imaginando quantas vivências esse lugar abrigou. Dá uma emoção e uma vontade louca de ficar mais tempo aqui, de passar horas embaixo dessa árvore — diz Valéria. — Para um grupo como o nosso, que carrega o nome de Anita Garibaldi há 30 anos, é muito significativo e muito forte pisar nesse local. É surpreendente como ver uma expressão concreta da história que a gente conhece pelos livros.

A intenção do município de Mostardas é deixar cada vez mais pessoas surpresas. A cidade guarda riquezas culturais ímpares e trabalha para mostrar ao restante do Estado os seus atrativos, que vão muito além da história em torno do nascimento de Menotti Garibaldi. Mas este é um excelente ponto de partida. Após a visita à figueira, vale estender o percurso até a Casa de Cultura do município, aberta de segunda a sábado, das 9h às 17h, e descobrir os demais tesouros escondidos na cidade de 12 mil habitantes.

 

















Em Mostardas, árvore onde se acredita que Anita Garibaldi deu à luz seu primeiro filho segue preservada. Camila Hermes / Agencia RBS


























A árvore está localizada na propriedade da família Costa, que acolheu Anita nos dias finais da gravidez de Menotti. Camila Hermes / Agencia RB


















Uma placa sinalizando a importância histórica da figueira foi instalada pela administração do município em 1996. Camila Hermes / Agencia RBS



















Certidão de nascimento de Menotti Garibaldi foi feita pelo município de Mostardas.
Camila Hermes / Agencia RBS

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

FAZENDA DA ATAFONA/TAFONA


A Fazenda São José, no município de Cachoeira do Sul, é também denominada Fazenda da Atafona (ou Tafona), nome que remete ao engenho de farinha de mandioca localizado ao lado da casa principal, mantido com todos os equipamentos usados no beneficiamento do produto.

A fazenda é remanescente de antiga sesmaria, e a construção da sede, segundo pesquisa dos herdeiros atuais, data do século XIX (aproximadamente 1813). A propriedade era usada para a criação de gado e para atividades agrícolas, incluindo a produção de farinha de mandioca. A atafona, onde era produzida a farinha, consistia em um grande espaço coberto, com um conjunto de instrumentos artesanais movidos por tração animal.

A Fazenda da Tafona possui valores históricos e arquitetônicos que revestem o exemplar de autenticidade e originalidade. O tombamento estadual inclui a volumetria original da edificação, a modenatura das fachadas, os vãos e esquadrias originais, internas e externas, demais detalhes construtivos da edificação e todo o mecanismo original da atafona.

O valor arquitetônico do bem está nas suas técnicas construtivas de origem luso-brasileira, e o conjunto de bens móveis agregados ao edifício complementa a narrativa iconográfica da época. O mobiliário autêntico e o mecanismo completo da atafona, com suas peças artesanais em madeira, mantidas no local da produção, reforçam o valor estético do local, dando sentido à narrativa arquitetônica.

A edificação tombada possui planta em U, formando pátio interno. Uma das alas é a casa principal, a segunda funciona como cozinha e churrasqueira, sendo ligada ao terceiro volume, que constitui a atafona. As paredes são de alvenaria, forros e pisos de madeira. As portas têm bandeiras envidraçadas e as janelas são de duas folhas ou guilhotina, com postigos internos. A cobertura é de telhas de barro tipo capa-e-canal, galbada e com estrutura em madeira. A atafona tem piso em chão batido e estrutura da cobertura aparente, sem forro.

Recentemente, alguns ciclistas de Cachoeira do Sul e cidades da região refizeram o trajeto dos primeiros ciclistas que visitaram a fazenda. No local, os cicloturistas conheceram a história e estrutura da fazenda, sendo acolhidos com água saborizada, café e chá, pastel, torrada e bolos. Finalizando a vivência na Fazenda Tafona, houve um brinde com licor, homenageando os primeiros ciclistas que lá estiveram em passeio no ano de 1900, conforme registrado no blog https://historiadecachoeiradosul.blogspot.com/2015/03/excursao-de-ciclistas.html, de responsabilidade da pesquisadora Mirian Ritzel.

O autor deste blog também participou do passeio. Algumas das fotos são de sua autoria, e outras dos demais ciclistas que participaram do evento.

Link para conhecer a história da Fazenda nas Redes Sociais:



Fonte da Pesquisa sobre a Fazenda: Fontes: processo de tombamento estadual e arquivos IPHAE.