quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Fundação Iberê Camargo organiza força-tarefa para superar crise e aproximar-se do grande público

Redução de financiamento levou a instituição a restringir a programação

Por: Luiza Piffero


No meio da semana, a Fundação Iberê Camargo (FIC) é um enorme e sofisticado edifício com as luzes apagadas. O site está calado, sem indício de programação nem notícias publicadas desde 28 de agosto. São tão poucos sinais de vida que se multiplicaram rumores sobre o fechamento definitivo do prédio, que desde 23 de agosto funciona apenas dois dias por semana e com equipe reduzida.

Em dezembro, veio o primeiro esboço de uma reação: a FIC lançou uma campanha para receber doações do Imposto de Renda do público. Foi uma pista do novo objetivo da instituição: dialogar mais com a comunidade. O comunicado também trazia a notícia de que Justo Werlang agora é o diretor-presidente da FIC. Chamado para substituir Rodrigo Vontobel, o executivo assumiu em 7 de dezembro. Está à frente de uma força-tarefa de diretores e conselheiros que se mobiliza para angariar patrocínios, cortar custos e desenhar uma nova FIC.
Werlang recebeu ZH para duas conversas nas quais a incerteza deu o tom. Ficou claro que não há previsão para que a instituição volte a abrir seis dias por semana. Aliás, a possibilidade de a sede fechar as portas não foi efetivamente descartada. Também não foram divulgados dados financeiros de 2016, tampouco os patrocinadores atuais.
— Estamos buscando ampliar o número de patrocinadores no sentido de gerar sustentabilidade ao projeto — afirma Werlang. — Não podemos divulgar nomes porque esses contratos não estão fechados. Assim que tivermos fechado o volume de recursos necessários para abrir a instituição seis dias por semana, isso será feito.
Atualmente, apenas um dos três andares da FIC está ocupado com uma mostra, Iberê Camargo: Diálogos no tempo. A programação de 2016 ainda previa exposição sobre o espaço cultural Torreão, que foi adiada para 2017.
— A FIC era uma das poucas instituições no Brasil que trabalhavam com três anos de programação. As pessoas entendiam que a FIC era um paradigma, o que ocorreu foi uma alteração muito drástica no financiamento, que determinou a derrubada da programação. A instituição tinha programado exposições no Exterior inclusive, tudo caiu — explica Werlang, relacionando o momento da instituição à crise econômica.
Hoje, cerca de 75% do orçamento da FIC depende da Lei Rouanet, que teve seu pior ano desde 2008. O superintendente cultural Fábio Coutinho chama a atenção para o agravamento da crise econômica nacional:
— O Brasil de agora está pior do que o de agosto. Sabendo que vários museus estão fechando, pode sim haver uma interrupção. Mas não acredito que vá acontecer. Acho que já passamos do pior. Uma instituição como a FIC não tem nada para vender, não tem como fazer uma liquidação, nós precisamos que o país e o Estado estejam bem.
A Fundação quer se aproximar do público
Em 2016, a empresa Edelman Significa realizou um estudo que está servindo de base para o reposicionamento da Fundação Iberê Camargo (FIC). A instituição quer se distanciar da imagem elitista e tornar-se mais convidativa ao público. Nesse sentido, não falta experiência a Justo Werlang, que fez parte do conselho da 10ª Bienal do Mercosul e está na diretoria da Bienal de São Paulo.
— De tanto em tanto, é necessário que as instituições que dependem de recursos privados façam uma revisão. Se ela não é feita, pode acontecer o que aconteceu no Masp, na Bienal de SP, o que aconteceu em 2015 na Bienal do Mercosul e também na Iberê Camargo. As instituições na década de 1990 tinham um formato que, para a FIC, não serve mais — diz Werlang.
O reposicionamento vai na direção da democratização de acesso e da diversificação da programação, que pode ganhar dinamismo ao promover conversas entre artes visuais e artes cênicas, música e literatura, tornando a FIC um "espaço de convivência". Para facilitar o diálogo com a cidade, a FIC pretende contratar um curador-residente. Seu principal papel será detectar as necessidades do público.
— Por que recebemos muita gente na Noite dos Museus e menos durante uma exposição? Por que não aproveitar e fazer outros eventos do tipo? — questiona Werlang.
No último dia 10, a FIC deu um passo nessa direção, ao ceder espaço para a festa do aplicativo Onni. Foi uma tática para atrair público à sede, que poderá ser repetida inclusive como fonte alternativa de renda.
A força-tarefa da FIC também olha para o passado da instituição e considera resgatar ações antigas, como seminários e itinerâncias.
— Antes de abrirmos o prédio, de 1998 a 2006, a instituição tinha um programa de itinerâncias, outro no qual curadores do Instituto de Artes eram chamados para curadorias, outro de seminários anuais. As conversas com a cidade ocorreram talvez mais antes da construção da sede — pondera Werlang.
A nova FIC não quer só receber públicos diversos, mas expandir sua atuação para além do prédio da Fundação. Esse processo seria ligado a ações educativas, que por meio de parcerias poderiam promover a inserção social pela arte.
— Muitos chamam a FIC de museu. Isso é um equívoco. A Iberê Camargo é uma Fundação. Seu escopo de trabalho é muito maior do que esse pequeno departamento que tem acervo e área expositiva — afirma o diretor-presidente da FIC.
Programação de 2017 está alinhavada
Não há apenas uma instituição que materialize o modelo que a FIC quer incorporar, mas Werlang faz referência à 6ª Bienal do Mercosul, reconhecida pela ênfase no programa educativo. Quando perguntado se o programa educativo será prioridade da FIC em 2017, Werlang recua até a época em que a sede estava sendo construída, período no qual recebeu 5 mil visitas de estudantes e profissionais de arquitetura e construção. Depois recua mais ainda, até a criação do Atelier Livre de Porto Alegre proposta por Iberê Camargo, em 1960.
— A FIC tem a vocação de oferecer oportunidades. A educação é a prioridade. Isso acontece na medida em que a Iberê esteja junto da cidade, em vez de dar as costas para ela.
O plano anual de captação de recursos da Fundação para 2017, já aprovado pelo Ministério da Cultura (MinC), prevê cinco exposições e tem custo de R$ 6,5 milhões. Esse valor, caso seja captado por meio da Lei Rouanet, possibilitaria a realização das mostras e o pleno funcionamento da FIC, com o retorno de projetos interrompidos em 2015 e 2016 (Artista Convidado, Bolsa Iberê Camargo e o catálogo raisonné de Iberê). A primeira exposição é herdada de 2016 e foi remarcada para 16 de março: Torreão: O tempo é onde, o lugar é quando, com curadoria de André Severo. Como em todos os anos, uma nova exposição de Iberê está prevista, mas pela primeira vez com curadoria de um artista — Paulo Pasta. A abertura está marcada para 29 de abril.
Entre 23 de julho e 29 de outubro, viriam duas exposições apresentadas em 2016 no centro do país: a retrospectiva da obra gráfica de Millôr Fernandes, realizada no Instituto Moreira Salles, no Rio, e uma mostra sobre livros de artistas apresentada no Itaú Cultural, em São Paulo. O ano fecharia com uma mostra programada para 9 de novembro que propõe uma conversa entre as gravuras de Iberê e as gravuras de mais 39 artistas que participaram do Programa Artista Convidado do Ateliê de Gravura da Fundação.
Essa programação pode ser ampliada e modificada para entrar em consonância com o reposicionamento da Fundação.
Fachada do prédio que sedia a Fundação Ibeê Camargo sofre com a redução dos serviços de manutenção Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS





Empresário e colecionador Justo Werlang está à frente da força-tarefa contra a crise: Carlos Macedo / Agencia RBS

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