segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Minas de Encruzilhada: uma história esquecida?

Poucos encruzilhadenses sabem, mas nosso município já teve importância de nível mundial em mineração e metalurgia. O Brasil foi o primeiro país da América do Sul a produzir e exportar minério de tungstênio em escala comercial. Essa exploração aconteceu em Encruzilhada do Sul, entre os anos de 1890 e 1914, nas minas da Sanga Negra e Cerro da Árvore (Mina Velha), por uma empresa alemã que enviava para a Europa cerca de 3 toneladas de concentrado de minério por mês. O tungstênio, fundido com o ferro, forma a liga de aço mais resistente ao calor que existe: o aço tungstênico. Ao chegar na Alemanha, o tungstênio encruzilhadense era processado pela empresa Krupp, maior fabricante de armas daquela época. A Krupp fabricava metralhadoras, canhões, tanques, e até submarinos. Com o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, a mina de Encruzilhada perdeu o contato com sua matriz europeia e foi abandonada.

Anos mais tarde, já na década de 1940, a mina da Sanga Negra foi reativada por iniciativa da Companhia Nacional de Mineração e Força, com sede em São Paulo, com aval do então presidente Getúlio Vargas. Além do tungstênio, essa empresa passou a explorar também a cassiterita (estanho), que era minério abundante nas aluviões (sangas) da região. Outras minas do município entraram em grande atividade nesta época, como as do Tabuleiro, Campinas e Seival, entre outras. Estávamos em plena Segunda Guerra Mundial e o tungstênio e o estanho eram considerados metais estratégicos para os Estados Unidos, que não conseguiam trazê-los de seu maior fornecedor estrangeiro, a Malásia. Havia, portanto, uma grande expectativa do Brasil com relação à exportação desses minérios. Na Mina da Sanga Negra foi construída uma suntuosa usina (foto), bem como uma pequena vila, com igreja, escola, hospital, além de dezenas de casas de moradia, para atender todos os seus trabalhadores. Entretanto, com o fim da Segunda Guerra, em 1945, houve queda expressiva no preço internacional dos minérios, que culminou com a falência da mina, no início da década de 1950. Desde então, só permaneceram alguns trabalhos em pequena escala, na forma de garimpo, tendo todos eles cessado em definitivo no final da década de 1980.

O atual proprietário da Sanga Negra, Dr. Roberto Trindade, está trabalhando desde o ano de 2001 num projeto de resgate da história da mineração em Encruzilhada do Sul. De lá para cá, já percorreu as bibliotecas das principais universidades brasileiras e órgãos governamentais, em busca de informações. “É lamentável a falta de interesse do brasileiro por sua própria história”, afirma. Em consulta ao Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia, foi informado que todos os documentos relativos àquela época foram incinerados. Por outro lado, o pesquisador diz que encontrou diversas referências bibliográficas sobre as minas de Encruzilhada nas bibliotecas universitárias, especialmente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Segundo ele, “existem muitos registros acadêmicos sobre as minas, mas a maioria trata de aspectos geológicos da região, falando muito pouco sobre a história da mineração. Além disso, a maioria dos trabalhos foi realizada antes da década de 1940, e pouco ou nada se fala sobre o que aconteceu depois”.

Apesar das dificuldades na pesquisa, Roberto afirma já ter dados suficientes para elaborar um “esboço histórico” da mineração no nosso município e pretende, a partir do ano que vem, abrir a Mina da Sanga Negra para visitação pública (por enquanto, somente alunos da UFRGS e Unisinos têm acesso ao local). Ele também está montando, na propriedade, um pequeno museu com fotos, documentos e objetos da época.

Entre as ruínas que restaram do grande ciclo mineiro da década de 1940, destacam-se algumas obras que permanecem preservadas até hoje. A principal delas é a grande chaminé da Sanga Negra, visível de longe por quem passa pelas estradas do Pinheiro e do Marinheiro. Situada entre o Cerro Comprido e o Arroio das Pedras, a chaminé é muitas vezes confundida com uma velha olaria. Por outro lado, quem sabe da existência da antiga mina acaba por imaginá-la como pertencente a um grande forno de fundição que eventualmente tenha existido ali. Entretanto, nenhuma dessas hipóteses está correta.

A velha chaminé é, na verdade, o que restou de uma grande usina termoelétrica que foi ali instalada em 1942. Equipada com quatro caldeiras e uma enorme turbina de 250HP, a usina fornecia energia para o funcionamento do pesado maquinário para beneficiamento do minério, bem como luz elétrica para toda a vila mineira e suas dezenas de casas. Funcionando como uma gigante “locomóvel”, produzia energia elétrica através do calor, com uso de lenha e água. O vapor resultante, após movimentar a turbina, era dispensado na atmosfera através da chaminé. Tinha capacidade de produção de 600KW até 2.000KW e consumia, em baixa rotação, 2 metros cúbicos de lenha por hora. Embora sua produção fosse dedicada exclusivamente à mina, a usina poderia ter fornecido energia elétrica para toda a cidade de Encruzilhada àquela época.

Antes de ser adquirida e instalada na mina pela Companhia Nacional de Mineração e Força, em 1942, esse grupo gerador funcionava na cidade Rio Grande onde era responsável pelo fornecimento de energia elétrica daquele município até o ano 1934, quando foi substituído por equipamentos maiores. Com o fechamento da mina de Encruzilhada, já no fim da década de 1940, todo o maquinário da usina - com exceção da chaminé, obviamente - foi vendido ao município de Venâncio Aires, onde passou a produzir toda energia elétrica daquela cidade nas décadas seguintes.

Fonte do Texto e imagens antigas: Jornal do Sudeste de Encruzilhada do Sul – Texto copiado igual a publicação na rede social Facebook, em junho de 2019. Texto de autoria do advogado Roberto Trindade. O autor é natural de Porto Alegre, advogado formado pela PUC-RS, pós-graduado (MBA) em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em Relações Internacionais pela Columbia University, de Nova York. É também produtor rural em Encruzilhada do Sul (Fazenda Sanga Negra) e, nas horas vagas, atua como comandante de veleiros oceânicos no litoral brasileiro e no exterior.

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Fonte das imagens atuais da localidade: do autor e de ciclista da Associação de Ciclismo Pedal Livre de Encruzilhada do Sul – Setembro de 2025.








1° Foto: Visita à Usina em 1945
2° Foto: Vila da Sanga Negra em 1944
3° Foto: Trabalhadores da SN em 1943
4° Foto: Cerimônia cívica em frente à capela (1944)
5° Foto: Usina termoelétrica da Sanga Negra em 1943
























Imagens produzidas pelos Ciclistas da Associação de Ciclismo Pedal Livre e pelo fotógrafo Rafael Silveira, durante visita ao local - Setembro 2025.

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