Sem políticas públicas ou investimentos privados, o antigo Museu da Varig agoniza à espera de resolução judicial. Acervo pode ir a leilão para pagar dívidas.
Janine Justen
Em meio a um processo de mais de 50 volumes, que envolve credores de
todo o país, está o antigo Museu da Varig. Condenado à parte da massa
falida da empresa, o acervo da companhia corre risco de ser leiloado
para pagar dívidas principalmente trabalhistas. A instituição, que já
foi motivo de orgulho para a memória dos gaúchos, hoje, como diria
Cazuza, é um “maior abandonado”.
“Esse museu resgata a história da aviação comercial brasileira, que se
confunde com a própria história do Estado do Rio Grande do Sul”, afirma o
professor Elones Ribeiro, diretor do curso de Ciências Aeronáuticas da
PUC-RS. O acervo tem atas administrativas e documentos pessoais dos
ex-presidentes da Varig, além de peças de motores antigos, cabines,
protótipos de aparelhos de comunicação, aviões e uniformes. Sua menina
dos olhos - a aeronave DC-3, matrícula PP-ANU, a primeira deste modelo a
ser fabricada no mundo - está passando por maus bocados. “O avião está
jogado ao relento, cheio de ferrugem”, lamenta Ribeiro. Desprotegido da
chuva, sol ou vento, o DC-3 agoniza, sem nenhuma cobertura, em área
externa do prédio, de onde a vegetação toma conta. “O avião está
estragando. Sem contar na possibilidade de entrada de água”, alerta a
professora Cláudia Fay, especialista em história da aviação, também da
PUC-RS.
Pôsteres, quadros e objetos da tripulação estão expostos. “Os papéis
estão se perdendo. Está tudo sujo, acumulando poeira”, relata Fay, que
teve acesso ao interior do local em julho de 2008.
Nem da GOL, nem do Estado
Fechado desde 2006, o antigo centro cultural aparentemente está sem
administração e não consta sequer na lista oficial do Instituto
Brasileiro de Museus (Ibram). A GOL, que comprou ativos da empresa
gaúcha em março de 2007 por R$320 milhões, declara não ter jurisdição
sobre o caso e, tampouco, responsabilidades sobre o acervo da companhia.
Segundo a Prefeitura de Porto Alegre, não há vínculos entre a
Secretaria de Cultura do município e o museu. Mas para Gustavo Licks,
administrador judicial da Varig, a transferência do acervo ao Estado
ainda é uma possibilidade. "Faz-se necessário respeitar os interesses
dos credores, do falido e ouvir o Ministério Público. Mas apesar de
minha expectativa, nenhum órgão público se interessou até agora",
argumenta. Para ele, "o acervo está em local adequado e possui boa
conservação".
Adler Homero, pesquisador da Fundação Cultural Exército Brasileiro,
acredita que apesar de existir variáveis empresariais e pressões
externas, essa não deveria ser uma questão estritamente judicial. “O
Estado deveria tentar sensibilizar o Poder Judiciário para transformar o
material em domínio público e não vendê-lo como patrimônio financeiro”,
critica.
A PUC-RS que o diga. Por iniciativa do professor Elones Ribeiro, em
2008, a universidade tentou trazer parte da coleção da Varig para o
campus de Porto Alegre, mas não obteve sucesso. “O pedido foi negado
pelo gestor da massa falida da empresa. Já que a companhia é devedora e o
acervo faz parte de seus ativos, ele não poderia ser doado a uma
entidade particular”, explica Ribeiro.
O andamento do processo
O processo tramita na 1ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro, sob os cuidados do juiz Luiz Roberto Ayoub, recentemente
acusado de participação em esquema fraudulento.
Ainda que beneficiada pela Lei de Recuperação Judicial, em vigor desde
2005, a dívida da empresa estaria crescendo, tendo aumentado seu valor
em 157%, de R$ 7 bilhões a R$ 18 bilhões em apenas cinco anos.
Foto: Diego Vara / Agencia RBS
Avião DC-3, PP-ANU, o primeiro deste modelo a ser fabricado no mundo está enferrujando ao relento / Foto: Cláudia Musa Fay.
Parte do acervo do antigo museu / Foto: Cláudia Musa Fay.
Material histórico sem cuidados / Foto: Cláudia Musa Fay.
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