segunda-feira, 28 de maio de 2012

Possível demolição de imóvel do século XVIII gera polêmica no Rio de Janeiro

Sob o pretexto de reestruturar a Polícia Militar, o governo do estado do Rio de Janeiro anunciou, na segunda-feira passada (21), a venda do terreno do Quartel General da corporação na cidade à Petrobras, por R$ 336 milhões. Os papéis ainda não foram assinados, mas a polêmica em torno da transação é grande, já que o acordo implica na demolição imediata do imóvel do século XVIII para que seja construído no espaço de 13,5 mil m² um arranha-céu.  Além disso, a venda do terreno público localizado na Lapa - Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) - não passou por aprovação ou discussão na Alerj, conforme exige a Lei de Licitações. O desvio da norma inclusive incitou o Ministério Público a investigar o processo.
Para além das discussões sobre a obediência às leis do Estado ou o uso que será feito do dinheiro gerado com a venda do terreno, a situação abre portas para que se pense a maneira como a memória institucional é tratada no país. O historiador Marcos Bretas, professor da UFRJ e especialista no assunto, diz que no Brasil, em geral, não se tem interesse em preservar monumentos ligados à polícia ou às Forças Armadas. “A grande pergunta é: o que se quer lembrar? Porque parece que, depois dos governos militares, a história da polícia se confunde com a história da repressão. Há uma tensão nestes lugares e a opção encontrada é sempre passar uma borracha e esquecer o passado”. Uma forma menos dolorosa de lidar com a memória.

Apagando a história
Para o pesquisador, um dos exemplos mais marcantes deste esquecimento foi a demolição do presídio de Ilha Grande, em Angra dos Reis, em 1994. “Aquele foi um exemplo claro de apagamento da história. A demolição foi quase uma vingança à ditadura e aos torturadores políticos, mas o prédio era uma construção do início do século XX que representa uma forma de como o Estado se organizava nessa área”.
No caso dos batalhões do Rio de Janeiro – incluindo os de Botafogo, Leblon e Tijuca – o fator da valorização imobiliária do terreno pesa na hora de se levar em conta a preservação ou não dos imóveis como centros de referência para a história da polícia. Em nota emitida pela assessoria de imprensa do governo, o caso inclusive é citado como um dos fatores que possibilitam a reestruturação dos aparatos da PM no estado. “O objetivo do projeto é dotar a Polícia Militar de instalações modernas e mais adequadas a seu trabalho. Como a atual sede do QG está situada em terreno de alto valor de mercado, essa venda, após concretizada, permitirá a entrada de recursos financeiros que serão utilizados na viabilização de uma nova sede administrativa”.
Mas não há como modernizar e ao mesmo tempo preservar? “Não se pode preservar tudo, claro, a memória é uma seleção, mas também não dá para se desfazer de todos os batalhões históricos da polícia”, comenta Bretas. Para ele, uma opção melhor seria criar algum museu que concentrasse a história da corporação em alguns dos prédios, ainda que se optasse por demolir os outros. Seria um meio termo necessário.

Proteção do patrimônio
Mas nem tudo está perdido. Como foi dito, a venda não foi oficializada e dois projetos de tombamento do QG estão correndo – um movido pelo vereador Carlo Caiado (DEM) na Câmara; e outro pelo deputado Paulo Ramos (PDT) na Alerj – ambos políticos de oposição ao governo peemedebista estadual e municipal. Os projetos serão votados na semana que vem e têm o apoio da Associação de Policiais Militares do Rio de Janeiro (AME/RJ) que, em março passado, enviou um ofício aos legisladores falando sobre a importância administrativa e histórica do prédio para a PM. “A iniciativa tem por fim a preservação de um patrimônio de características arquitetônicas únicas, cujo valor histórico e cultural paraleliza a importância estratégica-funcional que sempre representou o referido prédio”, diz o documento assinado pelo presidente da AME/RJ, Carlos Belo.

 De hospício à QG
Ocupando um quarteirão inteiro na rua Evaristo Veiga, 78, o Quartel General da PM do Rio nasceu como uma hospedaria de frades italianos, em 1740. Em 1828, passou a ser o Quartel de Granadeiros, tornando-se Comando-Geral dos Guardas Permanentes da Corte, poucos anos depois. Foi do pátio interno de onde saiu o 31º Corpo de Voluntários da Pátria para lutar na Guerra do Paraguai. Nos anos 80 do século XIX, D. Pedro II incentivou a construção da Capela de Nossa Senhora das Dores no interior da sede, espaço de culto que funciona até hoje – e que recebeu a promessa do governo de permanecer de pé, quando o prédio ruir. Sobre os fantasmas do passado será erguido um prédio imponente, para concentrar os funcionários da Petrobras, distribuídos em diversos prédios alugados pela cidade.


 

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