domingo, 27 de setembro de 2015

O que prevê o projeto de revitalização do Cais Mauá e quem está contra

O que prevê o projeto de revitalização do Cais Mauá e quem está contra

Zero Hora ouviu o movimento, que é apoiado por intelectuais, artistas e comunicadores, e especialistas em urbanismo

Por: Paulo Germano
26/09/2015 - 15h09min | Atualizada em 26/09/2015 - 17h34min




Apoiado por intelectuais, comunicadores, artistas e arquitetos, um movimento que pretende derrubar o projeto de revitalização do Cais Mauá ganha corpo a cada dia. A obra que promete devolver à população o abandonado porto da Capital já ingressa na fase final de licenciamento: seu início está previsto para daqui a cinco meses.
– A única solução é rescindir o contrato – resume o sociólogo João Volino, um dos líderes do grupo Cais Mauá de Todos, que na semana passada teve nova audiência com o Ministério Público para buscar o embargo da obra na Justiça.

Contrariados com a exploração imobiliária e comercial que consideram excessiva, expoentes da comunidade cultural do Estado vêm aderindo ao movimento quase que diariamente. Os cineastas Carlos Gerbase e Jorge Furtado, a comunicadora Katia Suman, o músico Nei Lisboa, a artista visual Zoravia Bettiol e o jornalista Eduardo “Peninha” Bueno, além de professores universitários como Luís Augusto Fischer e Francisco Marshall, estão entre os críticos do projeto encabeçado pela empresa Cais Mauá do Brasil SA, vencedora da licitação em 2010.

Zero Hora ouviu as contestações do grupo e as confrontou com especialistas em urbanismo e em parcerias público-privadas. A reportagem também recolheu opiniões de entidades de classe afetadas pela obra e entrevistou representantes da empresa e do poder público – o governo estadual é o responsável pelo contrato, enquanto a prefeitura concede as licenças.
A maior crítica dos opositores refere-se à construção de três torres para escritórios e hotel – elas poderão atingir 100 metros de altura, apenas três metros a menos do que a chaminé do Gasômetro – e de um centro comercial (a empresa resiste em chamar de shopping) à beira do Guaíba.
– Se para a viabilidade financeira do projeto é necessário destruir a paisagem, então esse modelo não serve – avalia o presidente da seccional gaúcha do Instituto de Arquitetos do Brasil, Tiago Holzmann da Silva, simpatizante do movimento Cais Mauá de Todos.

Coordenador do Núcleo de Tecnologia Urbana da UFGRS, o arquiteto Benamy Turkienicz tem outra visão. Afirma que grande parte dos portos revitalizados recentemente, apontados como exemplos de beleza urbanística, abrigam torres altas e grandes centros comerciais:
– Talvez eles estejam desatualizados. Toda a margem do Rio Tamisa (em Londres) está crivada de torres, Manhattan (Nova York) tem edificações imensas, o Porto de Roterdã (na Holanda) também, todos eles.

Shopping center ou área aberta?
Mas Benamy concorda com os críticos em um ponto. Já era para a população saber exatamente como se dará a circulação de pessoas no futuro shopping e no térreo dessas torres.
– Não há problema algum em haver torres ou grandes áreas de comércio, desde que reproduzam a ideia de centro de uma cidade, que envolve movimento e animação. Se houver paredes no centro comercial, impedindo as pessoas de acessarem livremente o local a partir das ruas, aí vira um shopping. E isso é péssimo – analisa o urbanista da UFRGS. – Porque a humanização de um empreendimento ocorre no térreo, e não no topo de um prédio. Se no térreo das torres houver lojas, bares e praças, tudo bem. Agora, se o térreo for estéril nessas áreas, aí estarão privatizando um espaço público.
A presidente da Cais Mauá do Brasil, Julia Costa, não detalha como será a interação das pessoas com essas áreas. Conforme ela, só depois que a primeira fase da obra começar – a reforma dos armazéns –, em fevereiro, é que os estudos sobre as torres e o centro comercial terão início.
O urbanista paranaense Jaime Lerner, ex-presidente da União Internacional de Arquitetos, contratado para conceber o projeto arquitetônico, reconhece que “ninguém quer uma caixa fechada na frente do Guaíba”.
– Não faremos nada parecido com o que hoje se conhece por shopping center. A tendência é de que seja uma área aberta, com vista para a orla, até porque esse conceito de shopping fechado está caindo em desuso – garante Jaime Lerner, sem esmiuçar muita coisa.
Katia Suman lembra que justamente alguns dos melhores pontos do projeto original foram alterados. Entre eles, o rebaixamento da Avenida Mauá nas proximidades do Gasômetro, transformando a Praça Brigadeiro Sampaio, do outro lado da via, em um prolongamento da orla. Seria uma esplanada verde para pedestres – e, por baixo dela, os carros passariam em um túnel.
– Queríamos que isso ocorresse, mas os tempos mudaram de 2010 (quando o contrato foi assinado) para cá. Com as obras da Copa, houve um alargamento da Mauá, e o custo atual do rebaixamento seria uma fortuna – diz o secretário municipal de Desenvolvimento e Assuntos Especiais, Edemar Tutikian.
Economista da Fundação Getúlio Vargas especializado em parcerias público-privadas, Robson Gonçalves observa que, ainda que não houvesse obrigação contratual de fazer o rebaixamento (e não havia), a mudança “é um problema”:
– Cria-se uma expectativa falsa na população. Não é o ideal.
Embora garanta que sempre esteve aberto ao diálogo, o consórcio Cais Mauá do Brasil mudou sua estratégia de comunicação de algumas semanas para cá. Antes da entrega do Estudo de Impacto Ambiental, para evitar informações desencontradas, seus executivos não davam entrevistas, e a empresa nem existia nas redes sociais. Agora, publica vídeos e responde a todos por Twitter, WhatsApp, Instagram e telefone 0800. São quase 3 mil seguidores no Facebook. É bom correr: o grupo Cais Mauá de Todos tem quase 9 mil.

O projeto pode parar?
- Se depender do governo do Estado, da prefeitura ou do consórcio responsável pelo projeto, não.
- O movimento Cais Mauá de Todos acionou o MP para impedir o início da obra, alegando supostas irregularidades como direcionamento da licitação e invalidade da lei que rege as construções no cais.
- O MP investiga o caso. Se decidir apresentar denúncia, a Justiça tem poder de embargar o projeto.
Colaborou Juliana Forner
Os Pontos Controversos

• Golpe no comércio: 
- O que dizem os críticos: o grupo Cais Mauá de Todos afirma que o shopping próximo à Usina do Gasômetro vai desvalorizar o comércio de porta de rua do Centro e prejudicar a economia dos pequenos comerciantes da região.
- O que ZH apurou: tanto a Câmara de Dirigentes Lojistas quanto o Sindicato dos Empregados no Comércio afirmam que o consumidor do Centro tem perfil diferente do cliente de shopping. Um grande empreendimento no cais, segundo as duas entidades, aumentará o movimento em toda a região, inclusive nas lojas de porta de rua.

• Falta de transparência: 
- O que dizem os críticos: embora o projeto já esteja em fase avançada, não há maiores detalhes sobre como será o shopping à beira do Guaíba, qual será o perfil das lojas e restaurantes dos armazéns, que acesso o público terá à área das torres comerciais.
- O que ZH apurou: urbanista e professor da UFRGS, Benamy Turkienicz concorda que a prefeitura e o governo do Estado já deveriam ter apresentado, desde que o edital foi lançado, um conceito mais claro de como será a relação entre o espaço público e o espaço privado.

• Rebaixamento da Mauá: 
- O que dizem os críticos: o consórcio e a prefeitura jamais poderiam ter desistido do rebaixamento da Avenida Mauá, porque ele está previsto em lei. Esse era um dos principais atrativos do projeto original: a orla seria conectada à Praça Brigadeiro Sampaio, situada do outro lado da Mauá, ampliando a área verde e a circulação de pedestres.
- O que ZH apurou: a Lei Complementar 638/2010, que estabelece as regras para construção no Cais Mauá, exige do consórcio “um estudo de ligação aérea ou em nível” para integrar a praça ao cais. “Ligação aérea” é uma passarela, equipamento que hoje está previsto no lugar do rebaixamento da avenida.

• Carro em primeiro lugar: 
- O que dizem os críticos: na contramão de uma tendência mundial que prioriza ciclistas e pedestres, o projeto estimula o aumento do tráfego de automóveis ao oferecer 4 mil vagas de estacionamento.
- O que ZH apurou: o Plano Diretor de Porto Alegre exige uma vaga de estacionamento para cada 25 metros quadrados. Portanto, o empreendimento atende à lei. Por outro lado, o urbanista Benamy Turkienicz afirma que os pedestres e a cidade perdem com a desistência do rebaixamento da Mauá.

• Fora da lei: 
- O que dizem os críticos: na lei que estabelece as diretrizes para as construções no Cais Mauá, sancionada em 2010, o artigo 17 afirma que as regras “vigorarão até o dia 31 de dezembro de 2012”. Portanto, não haveria amparo legal para as torres de até 100 metros de altura, por exemplo, saírem do papel.
- O que ZH apurou: de fato, a caducidade da lei faz sentido. O promotor Heriberto Roos Maciel, da promotoria de Habitação e Urbanismo do Ministério Público, investiga o caso para avaliar se a prefeitura precisará encaminhar um novo projeto à Câmara de Vereadores.

• Elitização da orla: 
- O que dizem os críticos: a excessiva exploração imobiliária e comercial do cais, que envolve a construção de shopping e torres de escritórios, evidencia o processo de elitização dos frequentadores (vide propagandas do consórcio estreladas por “patricinhas”).
- O que ZH apurou: o economista Robson Gonçalves, especialista em urbanismo da Fundação Getúlio Vargas, não acredita que um shopping – que é aberto ao público – possa representar uma separação social. Segundo ele, isso deve ocorrer nas torres de escritórios. Portanto, é fundamental que o projeto atenda a todos os públicos na região dos armazéns.


















Foto: Bruno Alencastro / Agencia RBS

















Fonte, mais informçaões e infográfico do projeto no link da matéria: http://zh.clicrbs.com.br/rs/porto-alegre/noticia/2015/09/o-que-preve-o-projeto-de-revitalizacao-do-cais-maua-e-quem-esta-contra-4856991.html

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