Em pauta na Conferência das
Nações Unidas sobre o meio ambiente – a Rio+20 – a preservação do patrimônio
cultural aliada ao desenvolvimento sustentável vem encontrando alguns problemas
estruturais para ser colocada em prática, conforme mostra a reportagem “Memória
sustentável” publicada neste mês, na RHBN. No texto, Ouro Preto é citada como
um exemplo positivo desta união. Mas nem tudo são flores: o município mineiro
ainda tem problemas que o distanciam de uma harmonia plena entre crescimento e
preservação.
Um caso que vem dando o que
falar é a ocupação irregular das encostas da cidade, principalmente no Morro da
Queimada, onde será fundado o Parque Arqueológico da Queimada – que possui
vestígios de um dos primeiros arraiais da região, surgido no início do século
XVIII. Durante anos a cidade expandiu para o lado do morro e dezenas de
famílias construíram casas sobre as ruínas arqueológicas. O projeto do parque
vem sendo pensado desde 2005 e deve ser concluído em 2013.
O arquiteto Benedito Tadeu de
Oliveira, responsável pelo projeto, é muito cético com relação ao progresso da
cidade em harmonia com o desenvolvimento sustentável. Para ele, que já foi
diretor do Iphan em Ouro Preto, o patrimônio histórico da região das Minas está
fadado a desaparecer em algumas décadas. “O risco de descaracterização do
centro histórico se deve às obras irregulares e a uma legislação permissiva
aprovada recentemente que não garante mais ao Iphan o controle total da
situação”.
Segundo Oliveira, a cena
estaria calamitosa no Morro de Santa Cruz e na Vila Aparecida. Isso sem contar
outas cidades históricas mineiras, como Mariana, Congonhas e Conceição de Mato
Dentro, onde o patrimônio histórico estaria sendo invadido pelo crescimento das
cidades e também por atividade de mineração. Com relação ao Morro da Queimada,
ele diz que o avanço está sendo controlado e projetos de habitação envolvendo a
UFMG, o Iphan e a prefeitura estão realocando as famílias.
Em alerta
Em 2003, representantes da
Unesco alertaram a prefeitura sobre a falta de controle da ocupação das
laterais da serra – o conjunto arquitetônico e a paisagem são tombados como Patrimônio
Cultural da Humanidade pela organização desde os anos 1970.
Jurema Machado, coordenadora
de cultura da Unesco no Brasil, diz que o município atendeu a muitas
recomendações feitas na época, como a restauração urgente de alguns casarões
coloniais em perigo, mas nem tudo foi resolvido. “Há uma ocupação grande da
área de encosta. Elas são áreas de risco, e não só comprometem a paisagem como
a infraestrutura, que é difícil de resolver com aquela topografia. O que se
pode fazer e vem sendo feito nos últimos anos é controlar para que isso não
avance mais. Esta ocupação não é adequada mesmo à vida, não só à estética”.
Os desabamentos por conta da
topografia irregular agravada pelas fortes chuvas de verão podem gerar
desastres. Principalmente porque as pedreiras do entorno possuem galerias
subterrâneas que podem ceder com a pressão. “O topo da serra é uma área muito
densa... O que melhorou de algum tempo pra cá é o controle da região, mas não
se fez uma interação mais definitiva no sentido de remover algumas áreas de
risco extremo, realocando a estrutura. É problema que existe em várias cidades
brasileiras e ali é agravado pela condição topográfica”, acrescenta Jurema.
Muitas pedras vão
rolar
O prefeito da cidade, Ângelo
Oswaldo Santos, diz que há planos de habitação em andamento, principalmente no
que diz respeito ao Morro da Queimada. “Houve uma ocupação ali durante décadas.
Uma ocupação irregular. Hoje, a prefeitura desapropriou e demoliu 15 casas para
a implementação do parque arqueológico. Compramos as casas, as pessoas foram
indenizadas”. Segundo ele, Ouro Preto precisa lidar com o crescimento
populacional que acontece em todas as grandes cidades brasileiras. O caso de um
sítio histórico é mais difícil. “Em 1897 a capital de Minas mudou para Belo
Horizonte porque Ouro Preto não podia mais absorver pessoas. Precisamos ter uma
disciplina inflexível para que possamos resguardar a cidade da pressão que
desaba sobre ela”. Para ele, a saída é o turismo sustentável, capaz de aliar
conservação e consciência histórica e ambiental.
Um
relatório emitido pelo Ministério das Cidades, em conferência na Bahia, em
novembro de 2011, informa que a única forma de evitar deslizamentos de encostas
em área de risco é por meio da universalização do acesso ao saneamento
ambiental e a implementação de uma política municipal de prevenção de riscos.
Remover e realocar são apenas parte das medidas necessárias nestes casos.
Remoção
e reestruturação
O
projeto do Parque Arqueológico da Queimada vem tentando colocar isso em
prática. Se inaugurado em 2013, o parque vai abranger uma área de 124,88
hectares e vai contar com centros comunitário e de pesquisa, áreas verdes
reflorestadas, trilhas de ecoturismo e locais de contemplação dos resquícios
históricos. Para que isso tudo seja feito, um plano de habitação (remoção e
regularização de casas) em parceria com alunos de arquitetura e urbanismo da
UFMG precisa ser concluído, já que, conforme mostra o mapa ao lado, grande
parte da área do sítio está ocupada por residências. O chamado Programa de
Arquitetura Pública concluiu 50% dos casos apresentados no relatório inicial
para implantação do parque, segundo informa um documento emitido pela Escola de
Arquitetura da UFMG, disponível no site do sítio.
O
Morro da Queimada nasceu, com este nome, em 1720, após um incêndio que destruiu
o Arraial de Ouro Podre, um dos primeiros da região. No local foi deflagrada
uma revolta que durou 18 dias e culminou na prisão de seus líderes. Na ocasião,
os manifestantes protestavam contra os aumentos dos impostos sobre os metais
preciosos e a proibição da circulação de ouro em pó pela Coroa Portuguesa.
O que sobra desta época hoje e que está sendo preservado com apoio do
Iphan e mesmo da Unesco são abrigos escavados na rocha, galerias, bocas das
antigas minas de ouro e sarilhos para suas ventilações; pequenos açudes,
fragmentos de canais de captação de água da época. Os criadores do projeto do
parque ainda não terminaram o levantamento total dos bens do lugar.
Ouro Preto vista do Morro da Queimada / Foto: equipe do projeto Morro da Queimada
Nenhum comentário:
Postar um comentário