Por Laura Monsores
“Aqui é, literalmente, o CTI do papel”. As palavras do restaurador
Fernando Amaro definem bem o trabalho feito no Laboratório de
Restauração da Biblioteca Nacional. Como pacientes em estado grave, é
para lá que vão obras centenárias danificadas pela ação do tempo. Foi o
que aconteceu com os seis códices de aproximadamente 3.000 folhas do Arquivo Inquisição de Goa,
sobre a atuação do tribunal inquisitorial na Índia portuguesa,
incorporado ao acervo da Real Biblioteca em 1809 e recuperado
recentemente pela equipe de restauradores da BN chefiada por Fernando.
Quando o documento chega ao laboratório, o primeiro passo é o
diagnóstico. “No caso dos manuscritos de Goa, o papel apresentava muitas
corrosões decorrentes da escrita com tinta ferrogálica, composta
predominantemente por ferro. É natural que, com o passar do tempo, o
processo de enferrujamento cause a fragmentação do papel”, explica o
restaurador. Após a identificação dos principais danos, a obra passa por
uma série de etapas de restauração que inclui limpezas manuais, banhos,
tratamento da fibra e da colagem, encadernamento e acondicionamento,
até retornar ao setor de origem. Depois de tratada, é submetida ainda a
um processo de digitalização, sendo registrada em fotografia, além de
ser microfilmada. Essas operações são feitas para manter a integridade
física do acervo, já que um dos maiores problemas de conservação é o
manuseio indevido dos documentos. “O objetivo é recuperar forma,
conteúdo, e dar longevidade à obra”, diz Fernando.
Os manuscritos da Inquisição de Goa acabaram de passar por todas essas
etapas e, depois de um ano, estão novamente disponíveis para o público.
Pesquisadora do assunto, Célia Tavares, professora da Faculdade de
Formação de Professores da Uerj, destaca o caráter raro desses
documentos: “Há um fato que faz este acervo ser único no mundo: boa
parte da documentação sobre a Inquisição de Goa foi destruída no século
XIX”. Segundo ela, o arquivo sob a guarda da Biblioteca Nacional traz
algumas pérolas, como textos de Roberto de Nobili, jesuíta italiano que
foi missionário na Índia, suspeito de heresia pela Inquisição.
Com a conclusão da restauração, Célia afirma que poderá dar seguimento à
sua pesquisa: “Estamos desenvolvendo um banco de dados que pretende
reunir o máximo de informações retiradas da leitura paleográfica dos
documentos deste acervo. É fundamental resguardá-lo pela riqueza de
informações, além de sua própria raridade”.
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