São Luís completa 400 anos no dia 8 de setembro e vai receber do
governo do Maranhão um presente orçado em nada menos que R$100 milhões: a
chamada Via Expressa, primeira avenida de grande porte da capital, com
cerca de nove quilômetros de extensão. A previsão é que dois quilômetros
já estejam prontos este mês. A festança, no entanto, gera polêmica. A
obra não foi aprovada pelo Conselho Regional de Engenharia (Crea-MA) e
acabou embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan),pois foi iniciada em 2011sem
nenhum estudo arqueológico, como a lei exige. Mesmo assim, os tratores
continuaram a trabalhar, revirando o bairro do Vinhais Velho, onde há
vestígios de ocupação anterior à fundação da cidade.
O caso começou a ser investigado pela Procuradoria da República no
Maranhão em agosto de 2011. Segundo o procurador Alexandre Soares, em
abril deste ano foi estabelecido um acordo indicando as medidas
necessárias de salvamento e proteção do material arqueológico. “A equipe
de arqueólogos contratada pelo estado apresentou um relatório afirmando
que realmente houve dano ao patrimônio durante as obras, mas que agora
as medidas estão sendo cumpridas. As obras na região do Vinhais Velho
deverão ficar paralisadas até que o Iphan apresente um relatório
confirmando essas informações, e que nós realizemos uma audiência com
todos os envolvidos, incluindo moradores”, afirma o procurador.
Os moradores estão envolvidos a fundo nessa história e já conseguiram
algumas vitórias. De acordo com Leopoldo Vaz, vice-presidente do
Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, o traçado da Via Expressa
passaria a poucos metros da Igreja de São João Batista, que é tombada, e
desalojaria mais de trinta famílias no Vinhais Velho. Protestos dos
moradores fizeram o número de casas desapropriadas diminuir para oito e a
via se afastar 100 metros da igreja. “Solicitamos a criação de um museu
para guardar as peças arqueológicas encontradas aqui e estamos
negociando a compensação dos moradores, porque as desapropriações
ficaram muito aquém dos valores dos imóveis”, diz Vaz.
Mesmo com as mudanças, a estrada vai cortar a vila ao meio, e a Igreja
de São João Batista poderá ser prejudicada. “Certamente haverá
prejuízos, mas isso independe da nossa vontade. Já mandamos um documento
para a Secretaria de Infraestrutura, responsável pelas obras, dizendo
que esse patrimônio é tombado e deve ser respeitado”, conta Andrea
Costa, diretora do Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e
Paisagístico do Maranhão. Procurada pela RHBN, a Secretaria de
Infraestrutura do estado (Sinfra) não se manifestou sobre as denúncias.
A igreja tombada tem relação direta com os primórdios do Vinhais Velho.
Ali, em outubro de 1612, os índios tupinambás ergueram uma capela,
benzida pelos padres capuchinhos da missão francesa que colonizava o
Maranhão. É este evento que marca a fundação do bairro. A capela, que
desabou várias vezes, foi sempre reerguida no mesmo lugar.
De acordo com a historiadora Antonia da
Silva Mota, da Universidade Federal do Maranhão, os franceses cederam o
território do Maranhão aos portugueses em 1615. No local onde hoje está
Vinhais Velho foi então organizada a primeira missão jesuítica no norte
da Colônia. “Em 1757, o local ganhou o nome de Vila dos Vinhais.
Acreditamos que durante o século XIX se consolidou o processo de
expulsão das populações indígenas. Poucos descendentes resistiram. Entre
eles, a família Ribeiro, que tem cerca de 50 membros no Vinhais Velho”,
diz Antonia. Segundo ela, há duas cartas no Arquivo Histórico
Ultramarino, em Lisboa, enviadas pelo índio Manoel Ribeiro, da Vila de
Vinhais, em 1782 e 1790. Ele seria ancestral da família de mesmo
sobrenome que vive hoje no bairro. “Além dos traços físicos inegáveis,
os mais velhos da família Ribeiro contam que seus avós e bisavós estão
enterrados no cemitério da comunidade, fundado pelos jesuítas”.
Outros moradores, como Carlos Jacinto Penha, mudaram-se para o Vinhais
Velho há cerca de 30 anos, quando o bairro passou a ser menos isolado. O
comerciante é dono de uma das 35 residências que o governo havia
decidido desapropriar. Depois das negociações, ele se livrou de parte do
problema, mas o quintal da casa ainda está no trajeto da via expressa.
“Soubemos disso tudo em setembro de 2011. Os engenheiros da Sinfra
diziam que, como é uma obra pública, não teríamos como evitar o despejo.
Um dos moradores tentou explicar para uma engenheira a importância das
casas, mas ela respondeu que o governo não avalia valor sentimental”,
lembra Carlos Jacinto.
Pelo visto, tampouco avalia valor arqueológico. Segundo Kátia
Bogéa,superintendente do Iphan no Maranhão, foi preciso entrar na
Justiça para ter acesso ao licenciamento ambiental da obra. “Nós
pedimos, mas eles não mandaram o licenciamento e iniciaram as obras
mesmo assim. Quando finalmente recebemos o material, não tinha uma
palavra sequer sobre o patrimônio cultural, que inclui o patrimônio
arqueológico. Depois de nos pronunciarmos no Ministério Público Federal,
ficou definido que o trecho do Vinhais Velho em diante só poderia
passar por obras depois do estudo arqueológico. Ainda assim, as máquinas
entraram no bairro”, denuncia Kátia.
Arqueólogos só foram contratados em fevereiro deste ano, depois de nova
intervenção do Iphan. A equipe, chefiada por Cínthia Moreira, encontrou
mais de 80 peças. “Muito material já estava revirado. Se as obras não
tivessem sido iniciadas, teríamos encontrado o sítio com as peças ainda
no subsolo. Só conseguimos fazer isso nos quintais das casas, onde havia
peças de até 20 centímetros”, conta Cínthia. Em um mês de trabalho, a
equipe encontrou artefatos de cerâmica tupinambá e faianças. Ainda não
foi feito um estudo para confirmar a datação, mas algumas peças podem
ser anteriores à ocupação francesa.
Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/em-dia/presente-de-grego
Bairro do Vinhais Velho pode ter patrimônio histórico danificado por obras irregulares
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