quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

ALOÍSIO MAGALHÃES - O Bem Cultural

“Definir o que seja bem cultural implica por princípio numa antidefinição, dada a multiplicidade das manifestações que emergem das estruturas sociais formadoras da civilização brasileira.
Assim, chegaríamos a tantos conceitos de bem cultural quantas fossem as situações específicas geradoras de cultura. Cultura entendida aqui como o processo global que não separa as condições do meio ambiente daquelas do fazer do homem. Que não privilegia o produto – habitação, templo, artefato, dança, canto, palavra – em detrimento das condições do espaço ecológico em que tal produto se encontra densamente inserido.
Dessa forma, cultura e educação evidenciam também a sua indissolubilidade, uma vez que a formação erudita do profissional que projeta a casa, a escola, a igreja, a cidade, tem o seu equivalente na aprendizagem só aparentemente informal do artífice popular, que desde a infância absorve dos mestres locais a elaborada tecnologia ligada à atividade da agricultura, da pesca, e à produção de olaria, de trançado, de tecelagem.
Já em 1937 Mário de Andrade, autor do anteprojeto que deu origem a Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, propunha a superação do “sofisma sentimental do ensino primário” e acrescentava: “Ele é imprescindível, mas são imprescindíveis igualmente os institutos culturais em que a pesquisa vá de mãos dadas com a vulgarização, com a popularização da inteligência.” Enfatizando que “defender o nosso patrimônio histórico e artístico é alfabetização” , Mário insistia também num “maior entendimento mútuo”, num “maior nivelamento geral da cultura que... a torne mais acessível a todos, e em consequência lhe dê uma validade verdadeiramente funcional.” Reivindicava ainda um movimento recíproco de maior conhecimento entre saber erudito e saber popular através de uma atividade que provocasse  “o erguimento das partes que estão na sombra, pondo-as em condição de receber mais luz”.
O pensamento de Rodrigo Mello Franco de Andrade encontrava-se em perfeita consonância com o de Mário. No “Programa” da revista do novo órgão, lançada em 1937, Rodrigo ressaltava: “O presente número desde logo se ressente de grandes falhas, versando quase todo sobre monumentos arquitetônicos como se o patrimônio histórico e artístico nacional consistisse principalmente nestes. A verdade, entretanto, é que, tal como foi definido pelo decreto-lei de 30 de novembro, aquele patrimônio se constitui do ‘conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por se acharem vinculados a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico’. Equiparam-se ainda a esses valores ‘os monumentos naturais, bem como sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana’.” Era de esperar a ênfase conferida, na época, aos bens monumentais arquitetônicos. Fazia-se realmente necessária uma política de proteção, com caráter de emergência, diante da ameaça de total destruição a que achavam expostos aqueles bens na década de 30. E o Serviço do patrimônio teve o descortino de não só tomar consciência das prioridades de ação exigidas pelo momento como também de efetivamente atuar para atende-las. A geração de Rodrigo e de Mário preservou pra nós os monumentos expressivos do passado ainda existentes no território nacional, quando assumiu essa responsabilidade.
Contradiz também a auto-exigência e o rigoroso escrúpulo de Rodrigo Quanto às  “grandes falhas” da primeira publicação, o fato de constarem dela, e das subsequentes, ensaios sobre a proteção à natureza, culturas indígenas, arquitetura popular, pesca, arqueologia.
Diante de uma sociedade em permanente e desigual transformação, num momento histórico diverso, é nossa tarefa procurar adequar os serviços deste Instituto às solicitações do nosso tempo.
Inscrevem-se nessa preocupação os estudos atualmente em curso objetivando integrar ao IPHAN dois outros órgãos que nos últimos anos vêm ampliando nosso envolvimento com os bens culturais brasileiros: o Programa de Cidades Históricas e o Centro Nacional de Referência Cultural. A fusão desses esforços nos permitirá enfrentar o desafio de hoje com a esperança de acerto que nos compele a solicitar a participação de todos – do indivíduo à comunidade – para o diálogo contínuo e aberto, imprescindível e contemporâneo a qualquer ação que se faça sentir sobre um patrimônio cultural comum.
Esta publicação é um primeiro passo nesse sentido.
Terá cumprido a sua função quando as respostas e iniciativas que suscitar venham integrar-se a uma prática coletiva, elaborada continuamente, que entenda os bens culturais como expressão completa da qualidade de vida do homem.”
( Aloísio Magalhães Diretor-Geral do IPHAN – Editorial do n.º0 Publicação IPHAN – 1979)

Fonte: http://proteuseducacaopatrimonial.blogspot.com.br/2012/12/aloisio-magalhaes.html 












 Nuvem de palavras produzida a partir do conceito de bem cultural construído coletivamente na eletiva Memória e bens culturais

Nenhum comentário:

Postar um comentário