“Definir o que seja bem cultural
implica por princípio numa antidefinição, dada a multiplicidade das
manifestações que emergem das estruturas sociais formadoras da civilização brasileira.
Assim, chegaríamos a tantos
conceitos de bem cultural quantas fossem as situações específicas geradoras de
cultura. Cultura entendida aqui como o processo global que não separa as
condições do meio ambiente daquelas do fazer do homem. Que não privilegia o
produto – habitação, templo, artefato, dança, canto, palavra – em detrimento
das condições do espaço ecológico em que tal produto se encontra densamente
inserido.
Dessa forma, cultura e educação
evidenciam também a sua indissolubilidade, uma vez que a formação erudita do
profissional que projeta a casa, a escola, a igreja, a cidade, tem o seu
equivalente na aprendizagem só aparentemente informal do artífice popular, que
desde a infância absorve dos mestres locais a elaborada tecnologia ligada à
atividade da agricultura, da pesca, e à produção de olaria, de trançado, de
tecelagem.
Já em 1937 Mário de Andrade,
autor do anteprojeto que deu origem a Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, propunha a superação do “sofisma sentimental do ensino
primário” e acrescentava: “Ele é imprescindível, mas são imprescindíveis
igualmente os institutos culturais em que a pesquisa vá de mãos dadas com a
vulgarização, com a popularização da inteligência.” Enfatizando que “defender o
nosso patrimônio histórico e artístico é alfabetização” , Mário insistia também
num “maior entendimento mútuo”, num “maior nivelamento geral da cultura que...
a torne mais acessível a todos, e em consequência lhe dê uma validade
verdadeiramente funcional.” Reivindicava ainda um movimento recíproco de maior
conhecimento entre saber erudito e saber popular através de uma atividade que
provocasse “o erguimento das partes que
estão na sombra, pondo-as em condição de receber mais luz”.
O pensamento de Rodrigo Mello
Franco de Andrade encontrava-se em perfeita consonância com o de Mário. No “Programa”
da revista do novo órgão, lançada em 1937, Rodrigo ressaltava: “O presente
número desde logo se ressente de grandes falhas, versando quase todo sobre
monumentos arquitetônicos como se o patrimônio histórico e artístico nacional
consistisse principalmente nestes. A verdade, entretanto, é que, tal como foi
definido pelo decreto-lei de 30 de novembro, aquele patrimônio se constitui do ‘conjunto
dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de
interesse público, quer por se acharem vinculados a fatos memoráveis da história
do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico,
bibliográfico ou artístico’. Equiparam-se ainda a esses valores ‘os monumentos
naturais, bem como sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela
feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela
indústria humana’.” Era de esperar a ênfase conferida, na época, aos bens
monumentais arquitetônicos. Fazia-se realmente necessária uma política de
proteção, com caráter de emergência, diante da ameaça de total destruição a que
achavam expostos aqueles bens na década de 30. E o Serviço do patrimônio teve o
descortino de não só tomar consciência das prioridades de ação exigidas pelo
momento como também de efetivamente atuar para atende-las. A geração de Rodrigo
e de Mário preservou pra nós os monumentos expressivos do passado ainda
existentes no território nacional, quando assumiu essa responsabilidade.
Contradiz também a auto-exigência
e o rigoroso escrúpulo de Rodrigo Quanto às
“grandes falhas” da primeira publicação, o fato de constarem dela, e das
subsequentes, ensaios sobre a proteção à natureza, culturas indígenas,
arquitetura popular, pesca, arqueologia.
Diante de uma sociedade em
permanente e desigual transformação, num momento histórico diverso, é nossa
tarefa procurar adequar os serviços deste Instituto às solicitações do nosso
tempo.
Inscrevem-se nessa preocupação os
estudos atualmente em curso objetivando integrar ao IPHAN dois outros órgãos
que nos últimos anos vêm ampliando nosso envolvimento com os bens culturais
brasileiros: o Programa de Cidades Históricas e o Centro Nacional de Referência
Cultural. A fusão desses esforços nos permitirá enfrentar o desafio de hoje com
a esperança de acerto que nos compele a solicitar a participação de todos – do indivíduo
à comunidade – para o diálogo contínuo e aberto, imprescindível e contemporâneo
a qualquer ação que se faça sentir sobre um patrimônio cultural comum.
Esta publicação é um primeiro
passo nesse sentido.
Terá cumprido a sua função quando
as respostas e iniciativas que suscitar venham integrar-se a uma prática
coletiva, elaborada continuamente, que entenda os bens culturais como expressão
completa da qualidade de vida do homem.”
( Aloísio Magalhães Diretor-Geral do IPHAN – Editorial do
n.º0 Publicação IPHAN – 1979)
Fonte: http://proteuseducacaopatrimonial.blogspot.com.br/2012/12/aloisio-magalhaes.html
Nuvem de palavras produzida a partir do conceito de bem cultural construído coletivamente na eletiva Memória e bens culturais
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