Enquanto Manaus convive com situação de abandono do patrimônio histórico, um movimento pacífico surge para cobrar as autoridades, que seguem descumprindo seus próprios prazos
Gabriela Nogueira Cunha
Quanto reboliço um abraço é capaz de provocar? Em Manaus, o gesto
causou um bocado, quando um grupo de pessoas realizou um ato de protesto
(e saudade) em pleno centro histórico da capital amazonense. Em meados
de julho passado, organizadores e simpatizantes de um movimento que
ficou conhecido como “Abre Biblioteca” – pela devolução da Biblioteca
Pública do Estado à sociedade – resolveram abraçar o monumento e, assim,
questionar o descumprimento de prazos, bem como o descaso e a
irresponsabilidade dos governantes para com o patrimônio histórico.
Procurada pela Revista de História em agosto, a Secretaria
Estadual de Infraestrutura – responsável pelas obras na biblioteca
fechada há mais de cinco anos – justificou o atraso e estabeleceu novos
prazos. Segundo a assessoria de imprensa, o problema estava no telhado,
que não ficou pronto a tempo: “As telhas originais da biblioteca não são
mais fabricadas. Foi preciso providenciar um novo molde para a
fabricação de 15.000 novas telhas, fiéis ao modelo do século passado”.
Passados alguns meses, o panorama continua o mesmo: portas fechadas. Mas
os manifestantes não mostram sinais de cansaço.
A data prevista para devolução do prédio é, ou pelo menos era, dia 30
de outubro. No entanto, a bibliotecária Soraia Magalhães, líder do
movimento que promoveu o abraço coletivo meses atrás, teme que o prazo
seja descumprido novamente e já planeja novas ações para a data. “Desde
que começamos a mobilização e abraçamos a Biblioteca Pública, outros
grupos começaram a se mobilizar, um grupo abraçou o Mercado Municipal,
entre outros locais. Dia 15, deste mês, fizemos uma arte nos tapumes [da
biblioteca], visando lembrar o poder público de que a data se aproxima.
Agora a ideia é gerar mais visibilidade”.
Gerando visibilidade
O movimento “Abre Biblioteca” deu o ar de sua graça pela primeira vez
durante uma bienal do livro, com uma coleta de assinaturas, em abril.
Nada mais propício. A doutoranda em artes Evany Nascimento – que se
sente particularmente prejudicada pela situação, já que sua pesquisa
depende de periódicos que pertencem ao acervo da biblioteca – conta que
foi por volta desta data que se juntou ao grupo de manifestantes, quando
foram criadas petição online e páginas no Facebook e a coisa começou a
ganhar forma. Hoje, mais de 2 mil pessoas já aderiram ao movimento e
pelo menos 4 mil o acompanham nas redes sociais. “Aqui em Manaus a
adesão tem sido boa nas internet, o abraço teve o maior público. As
pessoas estão vendo vários prédios fechados e ninguém faz nada, ninguém
cobra nada, ninguém dá uma posição. Então eles veem no ‘Abre Biblioteca’
uma chance”.
Outro manifestante que não vê a hora de voltar para a Biblioteca
Pública do Estado é Thiago Siqueira, estudante de Biblioteconomia da
Universidade Federal do Amazonas e um dos fundadores do movimento pela
reabertura do prédio histórico. Suas inquietações a respeito da pouca
atenção que é dada à leitura o levaram a entrar em contato com Soraia,
sua antiga professora da faculdade, e juntos eles criaram o então
desconhecido movimento. É claro que a beleza abandonada do prédio
entristece, mas as preocupações vão além disso: “O que mais me afetou
com o fechamento da biblioteca é o fato de saber que os alunos das
escolas públicas próximas ficaram órfãos de um ambiente de estudo
adequado e de material para consulta; das poucas escolas que possuem
bibliotecas, raramente elas conseguem suprir a necessidade desses
usuários”.
Para marcar a possível data em que o prédio finalmente será entregue,
de volta, à população amazonense, a quem ele pertence de fato, uma
comemoração daquelas foi planejada. A expectativa é grande, pois a
hipótese de mais um prazo queimado paira sobre as cabeças dos
responsáveis pelas manifestações, mas eles ainda preferem o otimismo.
“Sempre que possível fazemos alguma mobilização para que a Biblioteca
não caia no esquecimento do povo. Mas se não for reaberta, vamos
intensificar as atividades, sempre de cunho cultural. Como foram o
“Biblioteca Vai à Rua” e o “Mural Abre Biblioteca”, onde fizemos
colagens e arte de grafite com a temática para incentivo a leitura nos
tapumes. A sociedade amazonense merece ter acesso à informação e
cultura, já!”, conclui o estudante Thiago Siqueira.
Se não forem cumpridos os prazos, a festa se transforma em mais um ato de protesto e eles prometem fazer barulho.
Outros patrimônios em perigo
Por muito tempo o Amazonas sofreu com a falta de um porto amplo na
capital, que só veio a ser construído entre 1869 e 1910, para dar
suporte à crescente exportação de borracha. O prédio onde hoje funciona o
Museu do Porto data de 1905 e é tombado pelo Iphan, como todo o
conjunto arquitetônico portuário. Mas “funciona” não é bem o termo. O
museu está fechado há seis anos, com parte do acervo trancado lá dentro.
São cerca de 300 peças ligadas à história do comércio e das atividades
portuárias desde o início do século XX.
O porto encontra-se atualmente sob a tutela da União, que reassumiu a
condição de Autoridade Portuária, após um período nas mãos da
Administração do Porto Privatizado de Manaus. Segundo Luciano Moreira,
especialista em infraestrutura do Ministério dos Transportes, que
trabalha no agora Porto Público de Manaus, o acervo não corre riscos,
mas ainda não há solução para o problema do prédio “abandonado”:
“Estamos numa fase de transição. Estamos tratando de alguns assuntos
para os quais não temos solução definida. O museu é um desses assuntos”.
Construído no século XIX, período áureo da borracha, o Mercado
Municipal Adolpho Lisboa não fica atrás em matéria de prazos vencidos:
fechado há mais de seis anos, tem as obras repetidamente paralisadas
pelo Iphan. Segundo a assessoria de imprensa do Ministério Público do
Amazonas, desde 2008 tramita um inquérito para apurar as condições de
funcionamento da feira ao lado do Mercado. A situação é intrigante, já
que os comerciantes tiveram que sair justamente por causa das obras. Uma
inspeção realizada em maio deste ano ainda encontrou irregularidades na
execução da reforma.
A Secretaria Municipal de Infraestrutura, por meio de sua assessoria,
disse não ter conhecimento do processo envolvendo os feirantes, mas
afirmou que as obras devem ser concluídas ainda este ano e explica a
lentidão: “Trata-se de espaço do século passado, que precisa de mais
cuidado”.
Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/reportagem/abre-biblioteca
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