Ouro Preto – Dois importantes monumentos coloniais de
Minas vão ganhar proteção estadual e, com isso, se livrar da
descaracterização, derrubada ou sanha da especulação imobiliária. O
Colégio Dom Bosco, de 1779, um dos marcos do distrito de Cachoeira do
Campo, em Ouro Preto, na Região Central, e a Fazenda Santa Clara,
construída entre 1760 e 1780 em Santa Rita de Jacutinga, na Zona da
Mata, serão tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
(Iepha-MG). A informação é do presidente da instituição, Fernando
Cabral, que participou nessa cidade do 6º Seminário Patrimônio Cultural –
Conservação e Restauração no Século 21, promovido pela Fundação de Arte
de Ouro Preto (Faop).
Segundo Cabral, já foi feita a licitação para elaboração do dossiê –
documento que representa um raio X da questão, contendo pesquisa
histórica, usos ao longo do tempo, vistoria técnica etc. – sobre o
prédio de Cachoeira do Campo, que foi cavalaria, internato, escola,
hotel e centro de convenções, e a propriedade rural expoente do auge do
período cafeeiro. A expectativa é de que o trabalho fique pronto em 120
dias, para então ser apreciado pelo Conselho Estadual do Patrimônio
Cultural (Conep). No caso específico do Dom Bosco, o tombamento vai
representar, de uma vez por todas, o sepultamento da ideia de se
transformar a área de entorno num condomínio. “A finalidade terá que ser
cultural ou educativa”, disse Cabral.
O dirigente do Iepha destacou que muitas instituições e órgãos como a
Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), a Faop, prefeitura local, a
Secretaria de Estado da Cultura e a Polícia Militar já se interessaram
em adquirir e ocupar o espaço, considerado um ícone do distrito. Na
tarde de ontem, o anúncio do tombamento, comunicado pelo Estado de Minas
aos integrantes da Associação em Defesa da Educação e Patrimônio
Público de Ouro Preto, empenhados na campanha “O Dom Bosco é nosso”,
resultou em euforia. “Essa iniciativa é fundamental para garantir a
preservação da construção, pois evitará que ele perca a sua identidade e
a finalidade primordial de ser um lugar de educação e cultura”, disse o
professor de história José Augusto Conceição, residente em Cachoeira do
Campo e docente em duas escolas. Com entusiasmo, José Augusto, na
companhia dos integrantes da associação Jorge Bréscia, Wanderley Rossi e
Jayme Antônio, esteve em frente ao portão de ferro do colégio.
A defesa do Colégio Dom Bosco, pertencente à Inspetoria São João
Bosco (ISJB), da Congregação dos Salesianos, começou no início do ano
passado, quando os integrantes da associação souberam da intenção de
venda, pelos salesianos, do terreno para construção de um condomínio. De
imediato, para proteger o patrimônio cultural, o então promotor de
Justiça da comarca, Ronaldo Crawford, instaurou inquérito a fim de
apurar as circunstâncias da negociação, “que desperta grande sentimento
na comunidade”, conforme declarou ao EM. Todo o processo teve
acompanhamento do coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do
Patrimônio Cultural e Turístico/MG, Marcos Paulo de Souza Miranda.
Palco de conflitos
Na época, lembra o professor José Augusto, o objetivo da comunidade
era tentar reverter a negociação do prédio do século 18 e terrenos,
ainda sem tombamentos federal, estadual ou municipal. A alegação
principal é de que a congregação, que manteve escola local de 1896 a
1994, recebeu a propriedade em doação feita então governador de Minas,
Affonso Penna (1847–1909), “com o compromisso de manter nas suas
dependências a função educacional – um colégio para meninos pobres da
região”. Além da cessão do imóvel, o governo do estado teria fornecido
recursos financeiros para obras de recuperação e adaptação. Antes, em
1881, o conjunto fora doado ao governo de Minas por dom Pedro II
(1825–1891). “Hoje tememos a degradação do prédio, já que ele vem sendo
usado como alojamento de 450 trabalhadores de uma empresa”, afirma.
“Não podemos perder esse patrimônio, que demanda um trabalho
arqueológico”, diz o professor José Augusto. A área foi palco de
episódios importantes, como a Guerra dos Emboabas, no início do século
18, a Inconfidência Mineira (1789) e a Revolta de Felipe dos Santos, em
1720. Já o prédio foi construído pelo governador dom Antônio de Noronha,
que mandou construir, no local, o quartel para abrigar o recém-formado
Regimento Regular de Cavalaria de Minas, onde serviu o alferes Joaquim
José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746 a 1792), o mártir da
Inconfidência Mineira. Em 1816, a construção foi adaptada para fundação
da Coudelaria Imperial. De grande beleza, a região exibe matas e
cachoeira, estando às margens da Rodovia dos Inconfidentes. A Inspetoria
São João Bosco se limita a informar que “desconhece qualquer
comunicação oficial dos órgãos envolvidos em eventual processo de
tombamento do prédio”.
Imponência de mais de dois séculos
Há exatos quatro anos, a Fazenda Santa Clara, em Santa Rita de
Jacutinga, a 355 quilômetros de Belo Horizonte, começou a ser alvo de
uma pesquisa detalhada (levantamento histórico e arquitetônico), por
especialistas do Iepha-MG, para o tombamento que deverá ocorrer no
início do próximo ano. Localizada às margens do Rio Preto, a propriedade
é considerada uma das mais imponentes de Minas – só de janelas, são
365, uma para cada dia do ano, sendo 24 falsas, por estarem localizadas
nas senzalas. Segundo o presidente do Iepha, Fernando Cabral, o imóvel
particular apresenta problemas, em especial na cobertura, e a
recuperação está “nas mãos dos herdeiros”, que somam 38 pessoas.
Grande produtora de café e celeiro de escravos nos séculos 18 e 19, a
Santa Clara demandou, na sua edificação, centenas de cativos. Quem
chega às margens do Rio Preto, que divide parte dos estados de Minas
Gerais e Rio de Janeiro, não deixa de ficar deslumbrado com o casarão de
cor branca, senhor absoluto da região e da mata exuberante que o
circunda. A paisagem serviu de cenário para a novela de televisão Terra
nostra, exibida entre 1999 e 2000, que era ambientada numa fazenda de
café e mostrava a imigração italiana no país.
De acordo com o livro A cidade das cachoeiras, de Laudelina Marinho
Nogueira, o solar conhecido como Mansão dos Fortes foi, originalmente,
residência da família Fortes Bustamante. Em 1824, era ocupada pelo casal
Francisco Fortes e Maria Tereza de Souza Fortes, baronesa de Monte
Verde, que não teve filhos. Hoje moradia, a fazenda guarda detalhes
interessantes. A senzala não tinhas janelas, mas apenas desenhos que
indicavam, com perfeição, a sua presença na fachada. Essa era a forma
encontrada pelos senhores para evitar que os cativos não ficassem
olhando para a casa grande. O artifício permitia também que os
visitantes acreditassem que a senzala tinha, além das portas, as
necessárias janelas para ventilação.
Um dos herdeiros, o advogado José Mendes Honório, lembra que o
casarão é residência, desde 1923, da família, que tem como matriarca a
avó dele, Dolores Mendes Honório, de 104 anos, nascida em Carvalhos, na
Região Sul. Satisfeito com o anúncio do tombamento, ele afirma que “a
maioria esmagadora da família” é contra a proteção estadual. Mas,
decidido e ciente da necessidade de preservar a joia arquitetônica da
Zona da Mata, avisa que vai pedir também o tombamento federal,
responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan). A Santa Clara é tombada pelo município desde o ano
passado.
A fase posterior, adianta, será correr atrás de recursos para
recuperar o prédio. “Recebemos a visita de diversos profissionais, como
arquitetos, restauradores e historiadores, além de estudantes. Trata-se
de um local para pesquisas históricas e científicas e, com o tombamento
estadual, poderemos estreitar os laços com a comunidade e traçar um
esquema, com o Iepha, para visitação pública”, afirma Mendes,
ressaltando o empenho do Ministério Público Estadual (MPE)/Coordenação
das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e
Turístico/MG para preservar o bem cultural.
Esmeraldas também abriga uma relíquia
Na quarta-feira, a direção do Iepha-MG visitou a Fazenda Santo
Antônio, em Esmeraldas, para uma visita técnica. Estiveram no local
Fernando Cabral; o vice-presidente da instituição, Pedrosvaldo Caram dos
Santos; e o diretor de Conservação e Restauração, Renato César de
Souza. De acordo com informações do Iepha, a casa sede, conhecida como
Solar de Santo Antônio, é imponente, sólida e com características
coloniais. O imóvel foi construído nas primeiras décadas do século 19,
conforme data encontrada em peça de moinho de fubá instalado nas
proximidades (1818). A fazenda pertenceu a José Teixeira de Vasconcelos,
que, em 1825, recebeu o título de barão do Caeté. Um ano depois, no dia
de sua posse como senador do Império, foi condecorado visconde de
Caeté. O bem é tombado pelo Iepha desde agosto de 2004.
Por Gustavo Werneck
Colégio datado de 1779, em Ouro Preto, e uma fazenda construída entre 1760 e 1780, em Santa Rita do Jacutinga, duas joias coloniais, serão tombados pelo patrimônio estadual.
O Colégio Dom Bosco, de 1779, será tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG).
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