quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Um, dois: feijão com arroz

Os ingredientes do maior símbolo da culinária nacional tiveram origens e trajetórias diferentes, antes do casamento perfeito

Fabiano Dalla Bona

O que há de mais popular em nossa culinária do que um bom prato de feijão com arroz? Para os brasileiros, é um casamento tão perfeito que nem dá para imaginar esses dois ingredientes separados por um oceano e milhares de anos, nem isolados em pratos diferentes já em pleno período colonial. Entretanto, cada um teve sua própria história, e há versões conflitantes e surpreendentes para os usos e os hábitos em torno do arroz e do feijão antes de virarem arroz-e-feijão.
O arroz foi provavelmente a primeira planta cultivada na Ásia. Os registros mais antigos encontrados sobre o cereal aparecem na literatura chinesa há cerca de 5 mil anos. O sudeste da Ásia é apontado como seu local de origem, especificamente as províncias indianas de Bengala, Assam e Miamar, onde se conta com a maior variedade de tipos de arroz. Foi da Índia que a cultura se estendeu à China e à Pérsia, difundindo-se mais tarde para o sul e o leste, alcançando a Indonésia. O cultivo do arroz também é muito antigo nas Filipinas e no Japão. O cereal não era conhecido nos países do Mediterrâneo até que os árabes passaram a cultivá-lo no delta do rio Nilo. Depois o levaram à Espanha, de onde chegou à Itália, por volta do século VIII. Os portugueses provavelmente introduziram o arroz na África Ocidental, enquanto os espanhóis teriam sido os responsáveis pela sua disseminação nas Américas.
Alguns autores apontam o Brasil como o primeiro país a cultivar arroz no continente americano. Antes mesmo do contato com os portugueses, ele já era colhido pelos índios nos terrenos alagados próximos da costa, conhecido com o nome de abatiuaupé ou “milho d’água”. Há quem diga que integrantes da expedição de Pedro Álvares Cabral, adentrando por cerca de cinco quilômetros em solo brasileiro, coletaram amostras de arroz, confirmando registros anteriores do italiano Américo Vespúcio com referências ao cereal em grandes áreas alagadas do Amazonas. O historiador, antropólogo e jornalista potiguar Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) discorda dessa teoria: ele afirma que espécies nativas de arroz não faziam parte dos cardápios indígenas brasileiros e que o cereal tornou-se conhecido pelos nossos primeiros habitantes somente após a chegada e a instalação dos portugueses.
Na época da colonização o consumo de arroz não era significativo, e se mantinha longe do feijão e da farinha. A prática da orizicultura, ou cultura de arroz, só aconteceu de forma organizada no Brasil em meados do século XVIII. Apenas em 1766 a Coroa portuguesa autorizou a instalação da primeira descascadora de arroz na colônia, no Rio de Janeiro. Dali até a metade do século seguinte o país se tornaria um grande produtor e exportador.
O preparo do arroz apenas cozido, como acompanhamento, chegou de Portugal com Luís de Almeida Soares Portugal Alarcão Eça e Melo, segundo Marquês de Lavradio e 11º Vice-rei do Brasil, entre 1769 e 1779. Aqui encontrou a forma crioula de ser preparado: o negro africano de origem malê (oeste africano) primeiro o refogava em azeite com alho ou cebola para depois cozinhar.
O percurso do feijão, antes de compor a parceria célebre da culinária nacional, foi bem diferente. Tipos selvagens foram encontrados no México e datados de cerca de 7000 a.C., o que gerou a hipótese de que o feijão teria se disseminado dali para toda a América do Sul. Por outro lado, achados arqueológicos ainda mais antigos, de cerca de 10.000 a.C., revelaram feijões cultivados na América do Sul, no sítio arqueológico de Guitarrero, no Peru. São indícios de que o feijoeiro teria sido domesticado na América do Sul e depois levado para a América do Norte.

Segue restante do texto no link: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/um-dois-feijao-com-arroz 
















Planta do engenho de descascar arroz do Sargento-mor Bernardo Toscano de Vasconcelos. (Fundação Bibioteca Nacional)

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