Os estudantes já podem andar livremente pelo interior do casarão,
correr pelo amplo terreno e curtir a natureza, sem medo de se machucar
com telhas soltas, madeiras podres ou pregos enferrujados. Da mesma
forma, os adultos já desfrutam da beleza do patrimônio, admiram a
arquitetura em estilo colonial e aguardam, ansiosos, o início de
atividades culturais que valorizem ainda mais o bem público. Com a sua
sede – um sobrado de 1840 – restaurada há um ano, a Fazenda da Vargem,
localizada a seis quilômetros do Centro da cidade, entra agora na
segunda fase de obras que contemplam a reconstituição do antigo paiol,
pavimentação com paralelepípedos das áreas frontal e lateral,
implantação de projeto paisagístico e construção de uma pista de 1,6
quilômetro para caminhada. “Aqui será um grande espaço de arte e lazer
para todos os moradores, em especial as famílias”, informa o diretor
municipal de Cultura e Turismo, Albany Júnior Dias. A expectativa é de
que tudo fique pronto até o fim do ano.
Desapropriada há mais de três décadas pela prefeitura para ser o
parque da cidade, e tombada em 2005 como patrimônio municipal, a Fazenda
da Vargem é um dos principais símbolos da história de Nova Era, na
Região Central do estado, a 130 quilômetros de Belo Horizonte. Durante
anos, no entanto, a construção imponente e os 10 mil metros quadrados no
entorno se transformaram num melancólico retrato da decadência, como
foi denunciado pelo Estado de Minas em março de 2007.
Na época, de acordo com a reportagem, chamavam a atenção a falta de
portas e janelas, muitas madeiras quebradas, mato crescendo entre as
tábuas do assoalho, teias de aranha em todos os cantos, galinhas
ciscando no pátio de pedras e muitas roupas penduradas em varais.
Camisas, calças e outras peças pertenciam a uma família desabrigada
pelas chuvas que havia feito do prédio o seu refúgio. Um cenário de
abandono totalmente oposto ao do século 19, tempo de intensa produção
agropecuária, principalmente de açúcar e de café, e também da década de
1980 e início da de 1990, quando a propriedade foi palco de eventos com
apresentação de artistas de renome nacional.
“Conseguimos deixar o casarão de pé”, conta, com entusiasmo, a
engenheira civil Stael Pinto Coelho Lott, responsável pelo projeto de
restauro e fiscalização da obra. Na primeira fase da empreitada, que
demandou recursos de R$ 625 mil, do Fundo Estadual de Cultura (FEC) e da
prefeitura, o foco esteve dirigido para a estrutura e cobertura, com
troca do telhado, dos esteios e vigas e do piso de madeira, reforma dos
banheiros e recuperação das janelas, que eram 44 e agora são 47. Num
contraste com a pintura azul e branca do casarão, as janelas, refeitas
no atual projeto, ganham destaque por dois motivos: pela cor amarela
forte e por desempenharem o seu papel de proteger a casa: antes, não
havia nada, apenas os marcos.
Segurança - Ao lado de Albany e da funcionária do
Departamento de Cultura e Turismo Consuelo Batista Bueno, Stael mostra o
piso do segundo pavimento, substituído totalmente tal a degradação; os
novos pilares de madeira; extintores de incêndio e outros detalhes que
fazem a diferença para garantir a integridade do prédio e segurança da
comunidade. Embora esteja aberto diariamente para visitação, o sobrado
ainda não tem mobiliário, equipamentos ou peças que remetam aos tempos
de construção. Há apenas uma sala, com quadros de primeiros
proprietários e moradores, entre eles Joaquim Martins da Costa, nascido
em 1800 e idealizador da casa sede, e cenas da propriedade no início do
século 20, com curral, animais e a dinâmica natural do meio rural.
De acordo com informações do Departamento Municipal de Cultura e
Turismo, gestor da Fazenda da Vargem, o funcionamento do local (eventos
permitidos, programação etc.) vai depender de um regimento interno a ser
elaborado em parceria com o Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e
Artístico de Nova Era. “A fazenda está tão bonita que têm vindo noivas
até de Ipatinga, no Vale do Aço, para fazer o álbum de fotografias
aqui”, diz Consuelo, lembrando que este ano, por causa das obras, não
houve eventos na fazenda.
Restauração da sede da Fazenda da Vargem foi acompanhada de um programa de educação patrimonial
A restauração da sede da Fazenda da Vargem foi acompanhada de um
programa de educação patrimonial, desenvolvido pela prefeitura nas
escolas da região, e levantamento histórico da propriedade, com pesquisa
e elaboração de textos a cargo de Elvécio Eustáquio da Silva, um dos
que lutam com empenho pela preservação do patrimônio de Nova Era,
município de 18 mil habitantes. Os estudantes se entusiasmam com o
patrimônio cultural e o amplo espaço, conforme ficou evidente na
quarta-feira durante a visita de mais 40 aluno, de turmas do segundo
período de educação infantil e primeiro ano do ensino fundamental da
Escola Municipal Antônio Andrade, do Bairro Vila Santa Rosa. Acompanhada
das professoras Cybele Araújo e Renata Faustino e da supervisora
Vanessa Quaresma Costa, a garotada se esbaldou na propriedade, perguntou
sobre a história, viu o pátio de pedras, o lajeado, e as novas obras.”É
importante que as crianças valorizem a preservação”, disse Vanessa.
Visitando a fazenda pela primeira vez, Ana Clara dos Santos Belato,
de 5 anos, gostou do casarão e das árvores. “É muito bonito”, disse com
um sorriso. Larissa Vitória Santos Silva Bicalho, de 6, se interessou
pelos quadros pendurados, enquanto Nara Estefânia Rodrigues Gomes, de 6,
mesmo estando no lugar pela terceira vez, procurou encontrar novidades.
Uma delas foi a criativa capela ao ar livre sob as moitas de bambu, às
margens do Rio da Prata, afluente do Rio Piracicaba. Para fazer a cruz, a
mesa do altar e os bancos individuais, foram aproveitados troncos de
árvores da fazenda que estavam condenadas. “Ficou muito legal e aprendi
muito”, comentou José Arthur Carneiro Fernandes, de 6, ao ouvir as
explicações dadas por Albany.
Depois dessa parada de descanso e contemplação, a garotada quis saber
por que havia tantos pedras empilhadas. Stael explicou que os
parealelepípedos foram retirados de ruas do Bairro Centenário e agora
serão usadas na pavimentação das áreas frontal e lateral. O projeto para
a parte externa prevê ainda um campo de futebol e duas quadras de
peteca. Já o paiol está na fase inicial e deverá abrigar uma lanchonete,
eventos etc. A segunda fase da restauração vai custar R$ 532,4 mil, com
recursos da Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas
(Setop) e prefeitura local.
Construída em 1840, Fazenda da Vargem e referência na região de Nova Era
A Fazenda da Vargem foi construída em 1840 por Joaquim Martins da
Costa, quando Nova Era ainda se chamava São José da Lagoa e pertencia a
Itabira. Moradores mais antigos chegaram a ouvir, sentados no passeio de
pedras, na lateral do casarão e diante do paiol antigo, as histórias
contadas pelo lendário Manuelzã, personagem de Guimarães Rosa, quando da
sua visita à cidade.
De acordo com pesquisas, a propriedade representou um marco econômico
no município e no Vale do Rio Doce, sendo uma das pioneiras ao mostrar
vantagens da agricultura sobre a mineração, que já se mostrava
decadente. Depois de Joaquim Martins da Costa, que teve papel importante
na Revolução Liberal de 1842, a Vargem passou às mãos do fazendeiro
Raymundo Martins da Costa, que deu prosseguimento ao cultivo das
lavouras de 24 mil pés de café, 155 alqueires de terra em semeadura de
milho e criação de gado leiteiros, além da suínos das melhores raças.
Banhada pelo Rio do Prata, afluente do Rio Piracicaba e com grande
número de escravos, a fazenda teve 70 anos de apogeu, tornando-se
referência em toda a região.
Ao pesquisar em cartórios, livros e outros documentos para fazer o
levantamento sobre a fazenda, Elvécio Eustáquio da Silva jogou mais luz
sobre a história da Vargem. Com o fim da escravatura e chegada da
República, houve mudanças na administração da fazenda. A então
proprietária e seus filhos instituíram uma sociedade agrícola industrial
e compareceram ao cartório de Nova Era, em 22 de dezembro de 1890, para
passar uma escritura a seus representantes no Rio de Janeiro e
regularizar a situação. Para Elvécio, a recuperação da Fazenda da Vargem
estará completa se for acrescentado um projeto arqueológico para
escavações no terreno. Por Gustavo Werneck
Serviço
Fazenda da Vargem
» Tel: (031) 3861-4228
» Localizada a seis quilômetros do Centro de Nova Era
» Aberta todos os dias das 7h às 11h e das 13h às 17h – Entrada franca
» Excursões devem ser agendadas no Departamento de Cultura e Turismo
Fazenda da Vargem
» Tel: (031) 3861-4228
» Localizada a seis quilômetros do Centro de Nova Era
» Aberta todos os dias das 7h às 11h e das 13h às 17h – Entrada franca
» Excursões devem ser agendadas no Departamento de Cultura e Turismo
Anos de abandono levaram a estrutura do imóvel a quase ruir. Janelas
foram roubadas, o terreno estava tomado pelo mato e havia infiltrações e
buracos no telhado.
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