Matéria do site da Revista de História da Biblioteca Nacional:
A Petrobras desistiu oficialmente de comprar o terreno
pertencente ao Quartel General da Polícia Militar, que fica no Centro do
Rio de Janeiro, segundo informação publicada na coluna de Ancelmo Gois,
hoje (15). Em maio deste ano, a prefeitura do Rio anunciou
a venda da área para a estatal, por R$ 336 milhões, sob pretexto de
reestruturar a corporação. A decisão mobilizou setores da sociedade e
gerou uma polêmica, já que o acordo implicava na demolição imediata do
imóvel do século XVIII para liberar o espaço de 13,5 mil m² para a
construção de um arranha-céu. Além disso, a transação que envolvia um
terreno público localizado na Lapa - Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) - não passou por aprovação ou discussão na Alerj, conforme exige a Lei de Licitações. O desvio da norma inclusive incitou o Ministério Público a investigar o processo. Relembre o caso:
Para além das discussões sobre a obediência às leis do Estado ou o uso
que será feito do dinheiro gerado com a venda do terreno, a situação
abre portas para que se pense a maneira como a memória institucional é
tratada no país. O historiador Marcos Bretas, professor da UFRJ e
especialista no assunto, diz que no Brasil, em geral, não se tem
interesse em preservar monumentos ligados à polícia ou às Forças
Armadas. “A grande pergunta é: o que se quer lembrar? Porque parece que,
depois dos governos militares, a história da polícia se confunde com a
história da repressão. Há uma tensão nestes lugares e a opção encontrada é sempre passar uma borracha e esquecer o passado”. Uma forma menos dolorosa de lidar com a memória.
Apagando a história
Para o pesquisador, um dos exemplos mais marcantes deste esquecimento
foi a demolição do presídio de Ilha Grande, em Angra dos Reis, em 1994:
“Aquele foi um exemplo claro de apagamento da história. A demolição foi
quase uma vingança à ditadura e aos torturadores políticos, mas o prédio
era uma construção do início do século XX que representa uma forma de
como o Estado se organizava nessa área”.
No caso dos batalhões do Rio de Janeiro – incluindo os de Botafogo,
Leblon e Tijuca – o fator da valorização imobiliária do terreno pesa na
hora de se levar em conta a preservação ou não dos imóveis como centros
de referência para a história da polícia. Em nota emitida pela
assessoria de imprensa do governo, o caso inclusive é citado como um dos
fatores que possibilitam a reestruturação dos aparatos da PM no estado.
“O objetivo do projeto é dotar a Polícia Militar de instalações
modernas e mais adequadas a seu trabalho. Como a atual sede do QG está
situada em terreno de alto valor de mercado, essa venda, após
concretizada, permitirá a entrada de recursos financeiros que serão
utilizados na viabilização de uma nova sede administrativa”.
Mas não há como modernizar e ao mesmo tempo preservar? “Não se pode
preservar tudo, claro, a memória é uma seleção, mas também não dá para
se desfazer de todos os batalhões históricos da polícia”, comenta
Bretas. Para ele, uma opção melhor seria criar algum museu que
concentrasse a história da corporação em alguns dos prédios, ainda que
se optasse por demolir os outros. Seria um meio termo necessário.
Proteção do patrimônio
Mas nem tudo está perdido. Como foi dito, a venda não foi oficializada e
dois projetos de tombamento do QG estão correndo – um movido pelo
vereador Carlo Caiado (DEM) na Câmara; e outro pelo deputado Paulo Ramos
(PDT) na Alerj – ambos políticos de oposição ao governo peemedebista
estadual e municipal. Os projetos serão votados em junho e têm o apoio
da Associação
de Policiais Militares do Rio de Janeiro (AME/RJ) que, em março
passado, enviou um ofício aos legisladores falando sobre a importância
administrativa e histórica do prédio para a PM. “A iniciativa tem por
fim a preservação de um patrimônio de características arquitetônicas
únicas, cujo valor histórico e cultural paraleliza a importância
estratégica-funcional que sempre representou o referido prédio”, diz o
documento assinado pelo presidente da AME/RJ, Carlos Belo.
De hospício à QG
Ocupando um quarteirão inteiro na rua Evaristo Veiga, 78, o Quartel
General da PM do Rio nasceu como uma hospedaria de frades italianos, em
1740. Em 1828, passou a ser o Quartel de Granadeiros, tornando-se
Comando-Geral dos Guardas Permanentes da Corte, poucos anos depois. Foi
do pátio interno de onde saiu o 31º Corpo de Voluntários da Pátria para
lutar na Guerra do Paraguai. Nos anos 80 do século XIX, D. Pedro II
incentivou a construção da Capela de Nossa Senhora das Dores no interior
da sede, espaço de culto que funciona até hoje – e que recebeu a
promessa do governo de permanecer de pé, quando o prédio ruir. Sobre os
fantasmas do passado será erguido um prédio imponente, para concentrar
os funcionários da Petrobras, distribuídos em diversos prédios alugados
pela cidade.
Fachada do QG da PM
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