sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Conservar para não restaurar

Denúncia de possível erro na restauração do quadro “A Primeira Missa no Brasil” realça a fragilidade das políticas de preservação de bens culturais no país

Gabriela Nogueira Cunha

A esta altura do campeonato, a história de Cecilia Giménez, que mobilizou as redes sociais no início de agosto, já esfriou. Mas o caso da espanhola de 80 anos que, cheia de boa vontade, mas com propensão para o desastre, “restaurou” uma imagem de Jesus Cristo pintada no século XIX, serve de alerta sobre a importância deste delicado ofício. Embora a lambança promovida pela amadora senhorinha de Borja seja inigualável, o Brasil também tem histórias mal contadas de restaurações. Uma delas envolve um quadro famosíssimo, abrigado em um dos principais museus do país. Só que aqui a polêmica é velada.
A obra em questão é nada menos que “A Primeira Missa no Brasil”, de Victor Meirelles de Lima (1832-1903), pintada entre 1859 e 1860 na França. Considerada a primeira pintura histórica produzida por um brasileiro, retrata a missa que Pedro Álvares Cabral mandou rezar para marcar simbolicamente a posse de Vera Cruz pela Coroa portuguesa, assim como a implantação da fé católica no novo domínio, em 1500. Com 2,68 por 3,56 metros, o quadro dificilmente passa despercebido por quem visita a Galeria de Arte Brasileira do Século XIX do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Rio de Janeiro. 
O que olhares leigos não captam são os possíveis acidentes de percurso resultantes da última restauração da tela, bancada pelo BNDES em 2006. Após a intervenção, duas faixas de cor neutra, nas laterais, passaram a dividir espaço com os elementos épicos da pintura.
A denúncia foi feita pelo crítico e historiador da arte Carlos Roberto Maciel Levy e endossada pelo restaurador Cláudio Valério Teixeira, atual secretário de Cultura de Niterói (RJ), que na década de 1980 coordenou a restauração de duas das mais importantes telas do acervo do próprio MNBA: “Batalha dos Guararapes” (1879), também de Victor Meirelles, e “Batalha do Avaí” (1872), de Pedro Américo. Em entrevista à Revista de História, Levy contou que na cerimônia de reinauguração do Museu Nacional de Belas Artes, há seis anos, percebeu os novos elementos no quadro, nunca vistos antes. “Quando entrei na sala em que estava a pintura, acompanhado do professor Cláudio Valério Teixeira, reconheci de imediato a moldura original. Ora, eu estava com o maior restaurador de obras de arte do Brasil! Cutuquei o Cláudio, e ele, que já é meio pálido, olhou para a pintura e ficou mais pálido ainda. Não sou restaurador e não vou dar opiniões categóricas, mas naquele momento eu tive a nítida impressão de que a tela havia sofrido um acidente de restauração”.

Fonte:  http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/conservar-para-nao-restaurar


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