Denúncia de possível erro na restauração do quadro “A Primeira Missa no Brasil” realça a fragilidade das políticas de preservação de bens culturais no país
Gabriela Nogueira Cunha
A esta altura do campeonato, a história de Cecilia Giménez, que
mobilizou as redes sociais no início de agosto, já esfriou. Mas o caso
da espanhola de 80 anos que, cheia de boa vontade, mas com propensão
para o desastre, “restaurou” uma imagem de Jesus Cristo pintada no
século XIX, serve de alerta sobre a importância deste delicado ofício.
Embora a lambança promovida pela amadora senhorinha de Borja seja
inigualável, o Brasil também tem histórias mal contadas de restaurações.
Uma delas envolve um quadro famosíssimo, abrigado em um dos principais
museus do país. Só que aqui a polêmica é velada.
A obra em questão é nada menos que “A Primeira Missa no Brasil”,
de Victor Meirelles de Lima (1832-1903), pintada entre 1859 e 1860 na
França. Considerada a primeira pintura histórica produzida por um
brasileiro, retrata a missa que Pedro Álvares Cabral mandou rezar para
marcar simbolicamente a posse de Vera Cruz pela Coroa portuguesa, assim
como a implantação da fé católica no novo domínio, em 1500. Com 2,68 por
3,56 metros, o quadro dificilmente passa despercebido por quem visita a
Galeria de Arte Brasileira do Século XIX do Museu Nacional de Belas
Artes (MNBA), no Rio de Janeiro.
O que olhares leigos não captam são os possíveis acidentes de percurso
resultantes da última restauração da tela, bancada pelo BNDES em 2006.
Após a intervenção, duas faixas de cor neutra, nas laterais, passaram a
dividir espaço com os elementos épicos da pintura.
A denúncia foi feita pelo crítico e historiador da arte Carlos Roberto
Maciel Levy e endossada pelo restaurador Cláudio Valério Teixeira, atual
secretário de Cultura de Niterói (RJ), que na década de 1980 coordenou a
restauração de duas das mais importantes telas do acervo do próprio
MNBA: “Batalha dos Guararapes” (1879), também de Victor Meirelles, e
“Batalha do Avaí” (1872), de Pedro Américo. Em entrevista à Revista de
História, Levy contou que na cerimônia de reinauguração do Museu
Nacional de Belas Artes, há seis anos, percebeu os novos elementos no
quadro, nunca vistos antes. “Quando entrei na sala em que estava a
pintura, acompanhado do professor Cláudio Valério Teixeira, reconheci de
imediato a moldura original. Ora, eu estava com o maior restaurador de
obras de arte do Brasil! Cutuquei o Cláudio, e ele, que já é meio
pálido, olhou para a pintura e ficou mais pálido ainda. Não sou
restaurador e não vou dar opiniões categóricas, mas naquele momento eu
tive a nítida impressão de que a tela havia sofrido um acidente de
restauração”.
Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/conservar-para-nao-restaurar
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