“Casa da Morte” em Petrópolis, que deve virar memorial, estimula a reflexão sobre o passado
Cristina Romanelli
A tranquila Rua Arthur Barbosa, em Petrópolis, região serrana do Rio
de Janeiro, quase passa despercebida. Provavelmente por isso, uma de
suas casas funcionou, nos anos 1970, como aparelho clandestino do Centro
de Informações do Exército (CIE), para repressão e extermínio de
opositores da ditadura. A história da “Casa da Morte” estampou os
jornais recentemente graças ao depoimento de uma sobrevivente do local,
Inês Etienne Romeu. Mas ainda vai render alguns capítulos. Enquanto o
atual dono da casa se nega a sair, a prefeitura declarou o imóvel de
“utilidade pública para fins de desapropriação” e está negociando a
estruturação de um Memorial de Liberdade, Verdade e Justiça no local.
“O dono da casa diz que o testemunho de Inês Etienne Romeu não é
suficiente para confirmar a existência do centro de tortura. De qualquer
forma, o custeio da desapropriação já está sendo decidido”, afirma
Rafael Coelho, coordenador executivo do Centro de Defesa dos Direitos
Humanos de Petrópolis (CDDH), uma das entidades que estão encabeçando o
projeto do memorial. A ideia é que o governo do estado, o governo
federal e a prefeitura dividam o valor. “O projeto será estruturado com o
apoio de governos, sociedade civil e organizações como o grupo Tortura
Nunca Mais. O que temos em mente é um centro de memória com arquivos,
fotos e outros materiais que nos permitam trabalhar com jovens essa
parte da história que passa muito rápido na escola”, diz Coelho.
Numa época em que comissões da verdade se espalham pelo país, essa
iniciativa ajuda a refletir sobre o passado – mas não sem questionar as
próprias funções de um memorial. “Na Argentina, todos os principais centros clandestinos de detención
viraram centros de memória. Mas lá a participação popular é muito
maior. Esse é o ponto principal: os movimentos sociais e as pessoas
atingidas pela repressão devem participar”, afirma o historiador Carlos
Beltrão do Valle, que defendeu em agosto, na UniRio, uma dissertação de
mestrado sobre lugares de memória da ditadura.
Uma das inspirações para o projeto petropolitano é o Memorial da
Resistência, criado em 2008 no antigo edifício do Departamento Estadual
de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP). Ali são realizadas
exposições temporárias e diversas atividades com estudantes,
pesquisadores e ex-perseguidos políticos. Segundo a diretora Kátia
Felipini, em vez de tratar os temas da liberdade ou da repressão, o foco
é o conceito de resistência: “Se hoje vivemos uma democracia, é porque
teve quem lutou por isso”.
Valle tem algumas críticas ao memorial de São Paulo, e uma delas
poderia ser aplicada ao espaço em Petrópolis, pois ambos os prédios
tiveram o interior alterado. “Não há mais algumas celas, e as inscrições
dos presos nas paredes tiveram que ser refeitas. Parte do simbolismo e
da originalidade foi perdida”, diz o historiador. Ele reafirma a
importância da iniciativa paulistana, mas pondera: “É claro que o melhor
será a criação de vários memoriais”.
Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/em-dia/para-nao-esquecer
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