O desaparecimento de edificações para o surgimento de outros
empreendimentos imobiliários pode ser encarado como o movimento
evolutivo da cidade, resultado de seu crescimento e de sua renovação
natural. Porém, quando uma construção antiga vem abaixo em meio às
mudanças urbanas, questionamentos da sociedade podem surgir: o que
precisa ser preservado? Que história arquitetônica deve ser resguardada
às futuras gerações?
Para o arquiteto e especialista em projetos de reforma e restauro de
imóveis antigos, Samuel Kruchin, a preservação de uma edificação de
época pode estar atrelada a sua técnica e qualidade arquitetônica, aos
aspectos que remetam a um significado histórico ou cultural ou ainda a
um valor ambiental que permita e justifique sua salvaguarda.
O professor de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas (Pontifícia
Universidade Católica de Campinas), João Verde, ratifica que os
elementos construtivos e históricos da edificação são fatores que tendem
a determinar sua proteção. “Pode ser que esteticamente o imóvel não
seja belo na sua arquitetura, porém isso não determina sua importância
para a história da cidade ou da comunidade local, o que tende a conferir
ênfase a sua preservação”, explica.
Em 2010, o casarão centenário localizado no número 539 da rua Bela
Cintra, em São Paulo, que abrigava o bar Geni desde 2005, foi demolido
para dar lugar a um edifício comercial. Outro exemplo mais recente na
capital paulista é o do casarão na rua Haddock Lobo, 141, onde
funcionava o restaurante Pão com Manteiga, que também foi posto abaixo
no final de 2012.
“Com relação a estas duas demolições, posso
dizer que são perdas, principalmente por se tratarem de prédios que
tinham atividades comerciais importantes e que mantinham relações de
reconhecimento e de carinho com seus usuários”, opina Verde.
Por sua vez, Kruchin lamenta a eliminação do casarão da rua Bela
Cintra porque “parecia possuir um apuro arquitetônico, certa elegância
em suas proporções, certo refinamento em suas linhas a sugerir um rico
espaço interno”. Porém o arquiteto ressalta que é preciso tomar cuidado
também com a “onda” de imputar valor histórico e arquitetônico a tudo
que é antigo pelo simples fato de o ser. “Como se qualquer demolição
fosse crime, o que não é”, completa.
O tombo
Em São Paulo, como em outras cidades antigas, há construções tombadas
por algum órgão de preservação – Iphan, Condephaat, entre outros -, que
as qualificam como patrimônio cultural. De acordo com a Constituição
Federal, em seu artigo 216, “constituem patrimônio cultural brasileiro
os bens de natureza material e imaterial tombados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.
Conforme informações contidas no site do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan), qualquer pessoa física ou
jurídica pode pedir o tombamento de bens culturais e naturais aos órgãos
responsáveis pela preservação. Na cidade de São Paulo, um imóvel pode
ser tombado pelas esferas federal (Iphan), estadual (Condephaat –
Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e
Turístico) e municipal (Conpresp – Conselho Municipal de Preservação do
Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo).
De
acordo com o Condephaat (e, portanto, em esfera estadual), o requisito
básico para um imóvel ser preservado é possuir valor relevante para todo
o estado de São Paulo. Além disso, outros elementos são avaliados no
processo de tombamento, entre eles o significado histórico da
construção, sua excepcionalidade arquitetônica, se há um acabamento
artístico distinto (ou seja, a presença de obras, ornamentos e objetos
de arte de qualidade artística) e valores afetivos.
Kruchin ressalta que hoje há um avanço substancial quanto ao desejo
comunitário de manter a herança arquitetônica das cidades. Seja em São
Paulo, no interior ou em outro estado, segundo ele, os conselhos
governamentais reservam um papel importante à execução desta manutenção
histórica. “Eu vejo, também, um movimento comunitário que não se via há
uns dez anos, é uma consciência de preservação, talvez, mais
consistente”. Para Verde, esta mobilização, por menor que ainda seja,
pode possibilitar à população o conhecimento “in loco” dos métodos
construtivos importantes de uma época.
Resguardado, mas não salvo
Contudo o tombamento de uma edificação por determinada esfera pública
não garante sua conservação e restauro, que são de responsabilidade
exclusiva do proprietário. Alguns imóveis tombados na cidade de São
Paulo estão abandonados e são objetos de disputa judicial que impedem
seu uso e sua efetiva preservação.
Para aquelas construções antigas que ainda resistem às iniciativas
imobiliárias, além do tombamento, há outras formas de salvaguarda e fuga
da demolição. O planejamento urbano de uma cidade, por exemplo, pode
inserir em seus planos diretores iniciativas de preservação e ainda
criar leis específicas para este fim.
De acordo com a Prefeitura de São Paulo, na atual legislação que rege
o Plano Diretor Estratégico do município foram aperfeiçoados
instrumentos de proteção, incentivo e fiscalização, relativos ao uso das
Zonas Especiais de Preservação Cultural (Zepec) como meio de
complementar a proteção ao patrimônio histórico junto ao tombamento.
As Zonas Especiais de Preservação Cultural são porções do território
destinadas à preservação, recuperação e manutenção do patrimônio
histórico, artístico e arqueológico, podendo se configurar como sítios,
edifícios ou conjuntos urbanos. As leis 13.430-2002 e 13.885-2004 reúnem
os principais artigos que tratam das Zepecs e podem ser consultadas no site da Prefeitura.
Uma São Paulo Antiga
O projeto São Paulo Antiga (SPa), uma iniciativa do fotógrafo Douglas
Nascimento, propõe documentar a transformação da cidade de São Paulo
por meio do registro e catalogação de fotos de imóveis antigos,
preservados ou não. Idealizado em 2009, o site
do projeto reúne atualmente cerca de 600 construções. São casas,
sobrados, palacetes, prédios, entre outras edificações que permanecem em
pé, ocupadas ou não, muitas vezes deterioradas ou até já demolidas.
Inspirado em experiências semelhantes em países como Argentina e
Portugal, o fotógrafo percebeu que sua prática despretensiosa de
fotografar edificações durante passeios pela cidade de São Paulo poderia
virar um acervo de registro. “Com a catalogação que sempre fazia destas
imagens, comecei a perceber mudanças na cidade. Percebi que muitas
casas registradas estavam sendo demolidas e por isso precisava tentar
perpetuar a imagem desses imóveis que estavam desaparecendo”, explica
Nascimento.
Com o objetivo de manter viva, ainda que somente em fotos, a memória
arquitetônica paulistana, Nascimento publica no SPa registros e
informações próprios e conseguidos pela colaboração dos leitores. “Como
São Paulo é muito grande, a participação do internauta é indispensável.
Eles avisam, por exemplo, quando algum imóvel já catalogado está sendo
demolido”, diz. Por Karine Serezuella
Fonte: http://www.defender.org.br/sp-por-que-preservar-imoveis-antigos-entenda-os-criterios-para-salva-los/
Hoje um hostel, a antiga residência, em São Paulo, mantém suas características originais preservadas. Douglas Nascimento/Divulgação
Construído em 1905, o palacete Franco de Mello, em São Paulo, é tombado pelo Condephaat (1992).
Casarão “Pão com Manteiga” , da década de 1920, foi demolido em 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário