Prefeitura de Ouro Preto gera polêmica ao propor separar secretaria
de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano. Especialistas condenam a
proposta do governo
Aline Salgado
“Querem seccionar a leitura da cidade.” É assim que Cristina Simão,
arquiteta e professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Minas Gerais, tenta explicar um polêmico projeto em Outro
Preto. A prefeitura quer desvincular as secretarias de Patrimônio e
Desenvolvimento Urbano, ligando o setor que fiscaliza e cuida da
manutenção dos bens tombados na cidade histórica à pasta de Cultura.
“O nosso patrimônio é um patrimônio edificado e urbano”, continua ela.
“A leitura tem que ser conjunta. Não são movimentos isolados. Essa era
uma batalha antiga. Por sete anos conseguimos unificar as secretaria de
Patrimônio e Desenvolvimento Urbano, e deu muito certo”, argumenta
Cristina Simão, que faz parte da comissão formada por técnicos em
arquitetura, urbanismo e patrimônio que já reuniu 47 assinaturas contra a
proposta do governo e as entregou aos vereadores.
A prefeitura promete que a mudança não vai pôr em risco a preservação
do conjunto paisagístico de Ouro Preto, tombado pela Unesco em 1970, e
sim desburocratizar o setor responsável por conceder as licenças para
construção na cidade. Para especialistas em patrimônio, no entanto, a
nova formulação pode ser um retrocesso e um risco à preservação das
áreas verdes e sítios arqueológicos no entorno do perímetro urbano.
O secretário de Patrimônio de Ouro Preto, José Alberto Pinheiro, rebate
as críticas e diz que os projetos urbanísticos continuarão passando
pelo crivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o
Iphan. “Não vamos mexer no perímetro urbano. Nessa área, os técnicos do
instituto continuarão a atuar. O que estava acontecendo é que de quatro
projetos que chegavam à secretaria, três se relacionavam com imóveis
fora do centro histórico. Estávamos usando técnicos muitos
especializados para problemas que não se relacionavam à área tombada.
Vamos dar mais agilidade à secretaria”, garante.
Ciente da polêmica que tomou conta de Ouro Preto, a presidente do
Iphan, Jurema Machado, prefere dar um voto de confiança à administração
municipal. Mas, segundo ela, o Instituto do Patrimônio não deixará de
acompanhar com lentes de aumento como anda o processo de preservação
histórica na cidade mineira. “Tenho medo que as Secretarias de Obras
sejam mais fortes do que as de Cultura, pois elas manejam os recursos.
Se não for bem orquestrada, a Cultura fica para trás. O que temos que
fazer é dar um crédito à prefeitura e torcer. Mas estaremos atentos para
que a administração municipal não abandone a preservação do patrimônio
da cidade”, afirma.
Contrário à reformulação, o ex-diretor do Iphan em Ouro Preto,
Benedito Tadeu, acredita que a separação das secretarias pode acelerar
ainda mais a ocupação desordenada nas encostas da cidade. “Não temos
mais lugar para uma expansão desordenada e autodestrutiva da cidade, já
que vai contrariar além do tombamento do Iphan, as recomendações da
Unesco de 2003, o Estatuto da Cidade e a própria Constituição Federal de
1988”, avalia o arquiteto.
Para evitar esse crescimento desenfreado, a Prefeitura de Ouro Preto
afirmou que estuda deslocar a população que se fixou em moradias
irregulares nas encostas e sítios arqueológicos da cidade. A ideia é
transportá-los para bairros próximos à Estrada do Contorno, Cachoeira do
Campo e Mariana, a serem construídos. Por enquanto, a cidade segue na
expectativa.
Leia mais:
Morro abaixo: ocupação irregular das encostas de Ouro Preto
Nenhum comentário:
Postar um comentário