Flavia Nogueira
Da BBC Brasil em São Paulo
O que antes era um quintal ensolarado, agora passa a maior parte do
dia na sombra e ainda é alvo de objetos e lixo que caem de sacadas de
apartamentos.
Esta é a realidade vivida por muitos
moradores de casas em bairros de São Paulo, que, com a tendência de
verticalização da cidade, estão cada vez mais cercados de prédios por
todos os lados.
Entre 2001 e 2010 foram lançados 3.420
edifícios residenciais na capital paulista - em 2010 foram 268, 32 deles
na zona oeste, onde ficam bairros como Pinheiros, Itaim Bibi e Jardim
Paulista.
Para os vizinhos que moram em casas, a saída é assimilar o impacto e aprender a viver com o espigão ao lado.
Ronald Kenneth Scott, empresário do setor
de leilões e morador do bairro do Brooklyn Novo, que fica na área da
subprefeitura de Pinheiros, recorda que há até cerca de dez anos havia
um terreno "muito bonito, com árvores e tudo o mais", bem ao lado do
sobrado onde mora desde 1985.
No local hoje fica um dos vários prédios
em volta de sua casa, que trouxeram um problema crônico de umidade em
uma de suas paredes e restringiram, não só a visita diária da luz do sol
à residência, como também as vagas para estacionar na rua.
"Faz muito tempo que não paro na rua.
Quando vem alguma filha nossa aqui, temos que apertar nosso carro para
poder entrar. Sou multado em frente de casa (se parar na rua)."
Sandra Carneiro Correia se mudou há 26
anos para a mesma rua. "Nós só tínhamos casas na região. Aí começaram os
prédios e eles vieram em uma velocidade muito grande", afirma.
Plano Diretor
Para o professor Carlos Augusto Mattei
Faggin, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o Plano Diretor
de São Paulo, que regula a disponibilidade de áreas para verticalização,
"é muito gentil com a especulação imobiliária".
"A grosso modo, (entre) 60% e 65% da área
da cidade de São Paulo está disponível para este fim, são as ZMs, que
são Zonas Mistas, onde você pode ter empreendimentos comerciais,
residenciais, todos eles muito favorecidos pela verticalização".
O professor afirma que, graças a este fato, "a resistência a esta tendência não tem amparo legal".
"Há planejamento, mas ele é favorável à
especulação imobiliária, no sentido de que há um entendimento – que eu
acho que já está muito ultrapassado – de que a indústria da construção
civil é uma das motrizes da economia nacional", disse.
Contatada pela BBC Brasil, a Prefeitura de
São Paulo destacou que o Plano Diretor da cidade deve ser submetido a
uma revisão neste ano.
Louças fora do armário
A auxiliar de enfermagem aposentada Maria Aparecida Rosa Porta acabou
indo à Justiça por causa da construção de um prédio, há cerca de dois
anos, no terreno vizinho à casa em que ela mora desde 1977 e que está na
família de seu marido há cerca de 70 anos.
"A minha casa, por dentro, está toda
abalada, com rachaduras", afirma. "Estamos na Justiça (para conseguir um
ressarcimento dos prejuízos)."
"Quando eles usavam aquele bate-estacas
(durante a construção), aquele barulho, aquele impacto vinha todo (para a
casa). Até minhas louças, tudo, vinha para fora do armário."
A casa faz parte de uma herança e, caso seja vendida, o dinheiro precisará ser dividido entre os herdeiros.
Maria Aparecida conta que já recebeu ofertas, mas o valor oferecido sempre foi muito baixo.
Região central
Outras regiões que tiveram grande número
de lançamentos residenciais verticais foram a da subprefeitura da Vila
Mariana, com 25 lançamentos em 2010 e um total sempre acima de 30 entre
1993 e 2008.
As subprefeituras do Campo Limpo e Lapa
também tiveram, cada uma, 22 lançamentos apenas em 2010. No caso da
Lapa, nos últimos anos o número de lançamentos sempre ficou acima de 20
por ano.
A tendência de verticalização nessas áreas
mais centrais se explica pela demanda. As pessoas querem morar nelas
"porque eles têm uma infraestrutura muito boa de transporte, de
comunicações, água e esgoto, energia elétrica", diz o professor Carlos
Augusto Faggin.
"Ninguém quer construir no extremo da zona
leste ou no extremo da zona sul. Lá, a infraestrutura é muito pequena e
a possibilidade de venda é menor ainda, porque o poder aquisitivo
destas populações ainda é baixo, apesar do esforço de transferir renda",
afirma.
Patrimônio
Na região da subprefeitura da Sé, onde estão bairros como Bela Vista,
Consolação e Liberdade, entre outros, apenas em 2010 foram 18
lançamentos residenciais verticais.
O engenheiro aposentado João Mariano do Nascimento mora na região da Consolação há 65 anos e testemunhou essa tendência.
De um lado de sua casa, onde mora desde a
década de 90, existe um prédio residencial, do outro, um shopping,
atrás, mais três torres residenciais em um condomínio construído nos
últimos cinco anos e mais um prédio comercial.
Ele já recebeu várias ofertas para vender
sua casa, mas nenhuma satisfatória. Por isso, pretende continuar onde
está, apesar de estar cada vez mais cercado.
"Nós estamos muito bem aqui. Imagine você
que tenho uma frente de dez metros, posso colocar três carros aqui,
deixar uma passagem... O que seria disso em um apartamento?", questiona.
'Nem vítima, nem herói'
O rápido avanço vertical em nome da
demanda por apartamentos expõe também a vulnerabilidade dos imóveis que
fazem - ou poderiam fazer - parte da própria história da cidade.
Para alguns, o mecanismo do tombamento é insuficiente para proteger construções que fazem parte da memória da cidade.
O ator Paulo Goya, que herdou um casarão
construído em 1927 e tombado como patrimônio histórico em 2002, no
bairro da Bela Vista, avalia que um plano de uso e ocupação do solo da
cidade facilitaria na conservação não apenas dos imóveis isoladamente,
mas também dos arredores.
Na década de 70, um prédio de 12 andares
foi construído nos fundos do casarão. Mais recentemente, logo ao lado,
foi aberto um estacionamento de uma empresa de TV a cabo.
Ao lado do estacionamento, já estão sendo
vendidos os apartamentos de um outro prédio, de 20 andares, cuja
construção deve começar em breve.
Sem atividades culturais agendadas para o
casarão em 2013 devido à falta de dinheiro, o ator afirma que é preciso
"repensar a cidade".
"No meu caso específico, não sou nem
vítima nem herói de nada. Atualmente só me sinto profundamente
humilhado. Uma trabalheira para conseguir manter tudo isso e não
consegui fazer nada. É muito chato."
O professor Faggin, que também é
conselheiro do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico (Condephaat), diz que as ações de tombamento
"acabam sendo muito pontuais".
Para o professor, 2013 pode ser um ano de
mudança não apenas para a questão do patrimônio, mas também para o
problema da verticalização, já que o Plano Diretor da cidade está para
ser revisto.
"É o momento em que a sociedade pode intervir nisso."
Fonte da Notícia e das imagens: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/02/130213_casas_cercadas_sp_fn.shtml
Sandra recebeu oferta de um apartamento de um quarto e mais R$ 170 mil em troca de seu sobrado
Maria Aparecida conta que sua casa ficou com vazamentos e goteiras
Para Faggin, planejamento existe, mas é 'gentil' com a especulação
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