quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Segundo o antropólogo Tião Rocha, “toda cidade pode ser sustentável”

Para o antropólogo e educador Tião Rocha, é possível tornar as cidades lugares para todos e para sempre.
Fazer com que a vida seja viável em seu espaço, sem excluir ninguém e já incluindo as gerações que virão, é o que caracteriza uma cidade sustentável. Essa é a utopia que vem sendo perseguida em Araçuaí pelo antropólogo e educador Tião Rocha, fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento. Pioneira do movimento Cidades Sustentáveis – hoje uma rede com dezenas de municípios mundo afora –, a pequena Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, vem desenvolvendo desde 2005 projetos que já a tornaram referência internacional nesta área, como o de captação de água da chuva para a produção na região semi-árida. Leia mais sobre esse empreendimento na entrevista de Tião Rocha ao Blog Encontro de Ideias:

Encontro de Ideias – Uma cidade sustentável é a utopia do século XXI?
Tião Rocha - Eu acho que é uma delas. Pensar em cidades sustentáveis é uma utopia, não a do sonho impossível, mas no sentido do que é necessário que se realize, ao lado da ideia de um mundo sustentável.
EI – O que caracterizaria uma cidade sustentável?
TR: Ser um lugar onde a vida seja viável para todos e para sempre. Não pode ficar ninguém de fora. É a cidade que não separa, não exclui, não segrega entre ricos e pobres, periferia e centro, luxo e miséria – ela tem de ser pra todos. Por isso que é uma utopia. E tem ser pra sempre: não pode ser só durante um determinado tempo. Esse é o grande desafio.
EI – E o que pode viabilizar, tornar uma cidade sustentável?
TR: É fazer com que a vida que seja viável. Nós entendemos que para isso é preciso desenvolver três grandes programas. O primeiro é Meu Lugar é Aqui, pois é o lugar onde o habitante se realiza como pessoa e como cidadão do mundo, sem precisar sair para ir tentar viver sua vida com dignidade. Outro programa se chama Cuidando dos Tataranetos, que é como produzir um mundo melhor para os que virão e que nem conheceremos. E educar segundo o documento talvez mais importante que já se produziu, a Carta da Terra, que são 16 artigos e princípios que orientam como que nós, humanos, terrestres, devemos viver em harmonia, com os outros e com a natureza. Os princípios estão ali. As condições materiais, nós já temos. O que falta é transformar isso em uma causa.
EI – Em que aspectos precisamos ser reeducados para construir e viver em uma cidade sustentável?
TR: A Carta da Terra deveria se tornar, no século XXI, o documento referencial para todos os outros documentos, tratados, acordos bilaterais e multilaterais. Ela é mais importante que a Carta dos Direitos Humanos. E se todos os estudantes, desde a pré-escola até os pós-doutorados, tivessem sua formação embasada na Carta da Terra, com certeza estaríamos formando a próxima geração já dentro de outros preceitos.
EI – O projeto Araçuaí Sustentável começou em 2005. Quais são os resultados mais importantes? Os objetivos foram atingidos?
TR: O projeto surgiu pra fazer frente ao fatalismo histórico da saída das pessoas do Vale do Jequitinhonha para o trabalho escravo, que é o corte de cana. Isso tornou-se uma fatalidade, a tal ponto que os meninos, aos 16, 17 anos, dizem que não têm mais nada pra aprender, porque tem de ir pro corte. Pensar uma cidade sustentável numa região dessas é, em primeiro lugar, não deixar que ninguém tenha motivo pra sair porque é possível fazer uma vida digna aqui, e depois pensar como se garante a continuidade disso, no futuro, para os tataranetos. No primeiro processo, nós freamos o ímpeto de saída dos jovens para buscar a subvida no corte de cana. A pergunta é: por que você sai? É porque essa é uma região seca, onde chove somente três ou quatro meses por ano, que não tem trabalho, não tem como criar família. Mas e se agente segurar essa água e não desperdiçar nem uma gota, aprendendo a conviver com o clima semi-árido? Esse foi o primeiro desafio: garantir água para a sobrevivência e a subsistência desses jovens. Hoje é possível captar água da chuva e produzir no semi-árido. Esse é o processo que está em andamento. Nós nos tornamos referência e já ganhamos prêmios como cidade sustentável.
EI – Qualquer cidade pode se tornar sustentável?
TR: Pode. Essa é outra questão que se coloca na construção dessa utopia. O Brasil tem mais de 5.500 cidades, quase 95% delas com população inferior a 50 mil habitantes. A maioria delas não está em condições de seca, como Araçuaí, e tem como garantir que seus cidadãos permaneçam ali, com uma vida digna. Uma cidade como São Paulo, também é possível, mas tem de mudar tudo: o jeito de produzir, de locomover, de organizar. Do jeito que é, é insustentável, pois não foi feito para as pessoas, mas para atender a uma demanda do modelo econômico, que é seletivo, excludente, que valoriza mais os meios que os fins. Enfim, as grandes metrópoles precisariam ser repensadas, reestruturadas em outra lógica. Mas nas médias e pequenas cidades, é possível.
EI – Que pessoas vão viver em uma cidade sustentável?
TR: Um cidadão do mundo, comprometido com a Carta da Terra e com os valores preconizados por ela, e que vai morar na América, na África ou na Europa, mas vivendo esses valores, nos quais a solidariedade seja mais forte que qualquer outro capital e haja compartilhamento do uso de recursos que são finitos. Essas pessoas estão surgindo. Há sementinhas espalhadas pelo mundo e em alguns lugares há sementeiras, lugares humanizados, para todos e que seja para sempre.

Fonte:  http://www.defender.org.br/segundo-o-antropologo-tiao-rocha-toda-cidade-pode-ser-sustentavel/





















Tião Rocha. Foto: Divulgação

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