Angélica Barros e Bruno Garcia
Dos índios mais isolados ao homem moderno, Um olhar sobre o Brasil apresenta
uma visão da história do Brasil através da fotografia. Coordenado pelo
historiador e fotógrafo Boris Kossoy, a obra traz um recorte temporal
amplo, que abrange desde o período Regencial no século XIX até o início
da primeira década da República do século XXI, dando merecido destaque
para a heterogeneidade formadora do povo brasileiro. Mostra-se
desafiador nas abordagens e na proposta de reunir uma vasta documentação
de 170 anos da História do Brasil. Resultado de uma copiosa pesquisa, o
volume é ilustrado com 459 imagens, originárias de diversos arquivos
públicos e privados, enriquecidas com referências e legendas
pormenorizadas. O ponto de partida foi a experiência precursora da
fotografia no país, realizada pelo artista e pesquisador francês Antoine
Hercule Romuald Florence, na cidade de Campinas em 1833. Dentro do
variado acervo, algumas imagens, pelo teor simbólico adquirido no
encaminhamento da história, foram postas em destaque, como a fotografia
de Luís Ferreira, que registrou a multidão em torno do Paço Imperial por
ocasião da assinatura da Lei Áurea, em 1888. Ou ainda, o dia da
inauguração de Brasília, em 1960, quando Thomas Farkas registrou o povo
conhecendo o palácio do Congresso Nacional. Para além do factual, a obra
traz também uma amostra da diversidade cultural e geográfica nas
diferentes regiões do país, assim como das desigualdades sociais que
acompanharam toda a nossa trajetória. Referência para história da
fotografia, o livro é um retrato ilustrado do Brasil, com excelente
qualidade.
Leia a entrevista exclusiva com o organizador da obra, abaixo.
Revista de História da Biblioteca Nacional: Como Um olhar sobre o Brasil se encaixa no projeto da coleção Brasil-Nação?
Boris Kossoy: O livro Um olhar sobre o Brasil; a fotografia na construção da imagem da nação 1833-2003,
sob minha coordenação, poderia ser “encaixado” na coleção de livros
“Brasil-Nação” (cinco volumes), dirigida pela Professora Lilia Moritz
Schwarz. Pode-se dizer que ele seria o sexto livro da coleção
mencionada, porém algumas informações e considerações são necessárias
para que melhor se avalie o citado “encaixe”. Entendo que os volumes de Brasil-Nação constituem um conjunto pensado como uma “coleção”. Já o volume Um olhar...
foi concebido a partir (ou como complemento) da proposta de uma
exposição que me foi solicitada sob o enfoque de uma “história do Brasil
através da fotografia”. A exposição seria acompanhada ou complementada
por um volume com as características de um catálogo (como foi
inicialmente chamado). Na realidade, a ideia de catálogo foi
transformada em livro logo após os primeiros meses de pesquisas, isto
ainda em 2009; é certo que o volume pode fazer o papel de catálogo,
embora englobe e ultrapasse essa função diante de sua autonomia como
obra iconográfica, inédita em sua proposição, todavia sem abdicar do
signo escrito como meio de conhecimento. Tem-se assim, pois duas
atividades culturais paralelas embora interligadas em torno de um
objeto, promovidas e encomendadas, à mesma época, pela Fundação MAPFRE;
atividades que mantém, portanto, um vínculo institucional entre ambas,
porém pensadas segundo concepções diferentes. Um projeto, enfim, que vem
sendo realizado nos últimos anos, em diferentes países
ibero-americanos.
RHBN: Dentro dessa seleção, há algum trabalho, algum fotógrafo que merece ser destacado?
BK:Não há como destacar um fotógrafo ou uma imagem em
particular, isto é fora de questão. É óbvio que algumas se destacam mais
pelo apelo estético, outras pela importância do fato histórico que
representam. Assim, pretender destacar uma ou outra é, no mínimo,
temerário. Todas as obras apresentadas na exposição/livro tem sua
importância específica como meios de conhecimento, instrumentos de
revelação e reflexão sobre a vida passada e contemporânea, portanto como
fontes históricas; além disso, preservam em si valores estéticos
inerentes à expressão fotográfica: imagens que podem ser estudadas e
utilizadas sob diferentes abordagens. Por fim, os conteúdos fotográficos
não sobrevivem apenas no dado factual, sem embargo a sua importância
como documento, mas, também, por suas metáforas e ambiguidades, pela
edição de sua narrativa, pelos diálogos que se estabelecem entre si,
seja no livro, seja na exposição. O leque temático apresentado é amplo e
envolvente; as imagens iluminam certos aspectos da vida social que nos
revelam práticas e mentalidades de uma época, revelações que nos
oferecem caminhos para novas abordagens da história.
RHBN: Qual o lugar dos fotógrafos brasileiros numa historia geral da fotografia?
BK:Primeiramente, eu prefiro falar numa fotografia
realizada no Brasil, independentemente da origem nacional ou estrangeira
dos fotógrafos ou da época em que atuaram; colocando dessa forma diria
que a fotografia brasileira deve ocupar lugar privilegiado no contexto
de uma história geral da fotografia. Agora, pretender que essa afirmação
se torne verdadeira, é óbvio que isto depende de quem escreve a
história.
RHBN: Em entrevista anterior,
o senhor mencionou que a fotografia brasileira no século XX tem sido
pouco estudada. Quais os principais aspectos e períodos da fotografia no
Brasil que precisam de mais estudos e publicações?
BK:Num primeiro momento, vou me referir à primeira
metade do século XX ou, no máximo até 1960. As pesquisas sobre este
período, realizadas nas duas últimas décadas, estiveram centradas em
fotógrafos que estiveram em atividade nos maiores centros urbanos, tal
como ocorreu com os estudos da fotografia do século XIX, como se
constata pela produção historiográfica brasileira. Nesse sentido, além
da continuidade das investigações voltadas às capitais e maiores cidades
é fundamental que pesquisas sejam promovidas e levadas a efeito,
paralelamente, nas cidades do interior do país, junto aos pequenos
arquivos públicos locais, acervos privados e publicações da região. É
preciso que tal interesse seja despertado de forma a resultar em
levantamentos sistemáticos. No que tange ao período 1960-2000 a massa
documental cresce em progressão geométrica, na medida em que se amplia o
horizonte profissional em função da multiplicidade temática, reflexo do
crescimento acelerado, embora localizado, da economia; a presença do
fotógrafo passa a ser solicitada pelos diferentes setores da sociedade. É
justamente neste intervalo que a fotografia também se vê gradativamente
mais valorizada como meio de expressão artística. Trata-se de um
período interessante, porém complexo de se abordar, quanto mais se
considerarmos a necessidade de um maior afastamento no tempo para uma
percepção em macro do fenômeno fotográfico mundial que ganharia corpo na
passagem do século XX para o atual.
RHBN: Por que a produção historiográfica sobre fotografia ainda é fraca no Brasil?
BK:Um primeira razão reside no fato que sempre nos
impressionamos com a produção bibliográfica nessa área no primeiro
mundo; tal referência nos motiva a querer uma produção mais efetiva no
Brasil. A existência de fontes fotográficas que sobreviveram a todos os
tipos de destruição, tanto nos arquivos públicos como nos privados, deu
ensejo à realização de pesquisas e a divulgação de grande número de
profissionais do ofício e de suas produções. Deve-se mencionar a curva
ascendente da produção historiográfica sobre a fotografia no país, uma
produção que tem resultado de um interesse cada vez maior de estudantes
de graduação e, principalmente, de pós-graduação que vem pesquisando os
múltiplos usos e aplicações da imagem fotográfica. O interesse pela
fotografia é um fato, como dissemos antes, o que não significa que
reflexões consistentes, teóricas, críticas e históricas sobre o meio
tivessem acompanhado este desenvolvimento. Alguns sinais apontam,
entretanto, para uma mudança de rumos; de diferentes partes nos chegam
notícias sobre iniciativas voltadas à essas questões -- e que tem
reunido uma audiência considerável. Ainda são poucas, porém é de se
esperar que estejamos a caminho da consolidação de um pensamento
fotográfico no Brasil.
Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/livros/um-olhar-sobre-o-brasil
Um olhar sobre o Brasil: a fotografia na construção da imagem da nação (1833-2003)/ Boris Kossoy/ 464 páginas./ R$ 159,00, Editora Objetiva
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